Florença, um luxo (parte II)
cansada, euforicamente cansada de rodar pela cidade, eu só desejava ter espaço mental, emocional e físico para não sofrer da síndrome de Sthendal. Cantarolei a música de Chico Buarque “Ai, meu amor, para sempre, nunca me conceda descansar”.
Síndrome de Sthendal: uma espécie de colapso dos sentidos (xilique que o escritor francês sentiu em Florença). Da alma vai ao corpo com alucinações e arritmia. Seu nome batizou a síndrome, cientificamente catalogada. A causa era o esplendor de Florença.
Estava eu olhando estes três ícones da cidade.Havia ali uma nova concepção de mundo: o mundo renascentista. A Catedral com sua cúpula, em frente ao Batistério e ao lado, o Campanário.
A Catedral Santa Maria del Fiore, o Batistério e o Campanário. Foto: Arquivo da Casa Editrice.Bonechi
Dedicada à Santa Maria das Flores, a Catedral é famosa por sua cúpula, construída por Filippo Brunelleschi, depois de ganhar o concurso público. Era por concursos que grandes estruturas acabavam nas mãos dos maiores e melhores da época. Foi ele quem conseguiu achar a solução para cobrir o vão de 41,99 m a Igreja.
A arquitetura medieval usava cimbres de madeira para vencer os vãos. Mas numa obra desse porte, com tal método, era impossível. Brunelleschi propõe um sistema construtivo de “casca”, dupla abóboda, utilizando um modelo em escala e de desenhos. Ele  marca a era moderna na arquitetura, quando começa a desmontar o sistema de pensamento medieval, e muda para sempre a maneira de construir as cúpulas das Igrejas. Surgia, então, o projeto, elemento fundamental para a compreensão da Arquitetura Contemporânea. E também rompe com o fazer do arquiteto no canteiro de obras. A partir daí, o que toca ao arquiteto é fazer o projeto e supervisionar a obra.
Interior da Cúpula. Afresco O Juizo Final, de Vasari e Zuccari. Foto: Angela W.Becker.
Parei em baixo da cúpula e olhei para cima. O afresco do Juízo final, pintado por Vasari e Zuccari era esplêndido. Brunelleschi havia concebido sua cúpula sem nenhuma decoração. Ele queria o branco puro. Hoje, há um movimento para voltar ao projeto original. Mas eu (quem sou eu!) não concordo com o branco de Brunelleschi. A beleza da narrativa do Juízo Final é ALGO.
Logo ao lado da Catedral, em perfeito conjunto forrado de mármores verdes, brancos e rosa, temos o Campanário, a torre sineira da Catedral. Giotto o projetou em 1334 e morreu em 37, sem o concluir.
À frente da Catedral está o Batistério di San Giovanni. Erguida no século IV, compõe perfeitamente com o conjunto das duas outras construções. Tem a forma octogonal que alude aos 8 dias em que Cristo, após sua morte, ascendeu aos céus.
O Batistério era construído em separado da Igreja. Antes do batismo, todos eram pagãos e assim proibidos de entrar no recinto sagrado da Igreja. Foto: www.wikipedia.org
Eu percebia, maravilhada, a unidade conseguida pelos mestres italianos nestas três construções. Eles, mesmo rolando muita rivalidade, passavam por cima de seu ego na hora de continuar um trabalho começado por outro. Assim se preservava a harmonia do conjunto.
O filósofo da arquitetura e urbanismo, Alberti (1404-1472) diz, com beleza: “pelo cálculo matemático, pelas proporções, o edifício harmonioso  desperta uma felicidade particular que confirma o poder benfazejo dessas disposições práticas”. Eu podia sentir esta felicidade benfazeja da venustas (beleza), firmitas (solidez), e utilitas (funcionalidade). Os três pilares da arquitetura, que Vitrúvio, já no ano 40 a.C, concebia no seu tratado “De Architectura”.
O Batistério tem a maravilha das maravilhas feita em bronze: suas três portas. Pisano faz a 1ª. As outras são de Ghiberti (que vence o concurso aos 21 anos!)  Brunelleschi, ao perder para o rapazinho Ghiberti, fica  arrasado e vai embora. Nunca mais esculpiu.
Ghiberti tornara-se uma celebridade e recebe a encomenda da porta leste:10 painéis. Usava a nova técnica de perspectiva que dava profundidade às cenas.Michelângelo reconhece  a genialidade e as nomeia  Portas do Paraíso. Como até hoje são chamadas.
São 10 painéis compondo Porta do Paraíso. Este, representa a História de José, Antigo Testamento. Foto: Angela W. Becker.
Se o verdadeiro sentido da Arte é representar um universo maior do que toda a tragédia existencial humana, aqui neste pedaço de Florença, este conceito se concretiza.Lembrei de Borges, escritor argentino: “experiência mística é a idéia de haver pessoas empreendendo lavor tão fino e infinito que coincidem com o universo”.
Angela Weingärtner Becker

Um comentário:

Nanda disse...

Fantástico! Maravilha! Bjs NandaNogueira