Les Demoiselles d’Avignon


 
 
      Les Demoiselles d’Avignon é finalizada em 1907. 9 meses de estudos e 800 esboços! Não há outra obra que tenha sido precedida de tão grande preparação.Pintada a óleo sobre tela e medindo 243,9 x 233,7cm está  em NY, no MOMA.
 
La Calle Avignon é um ponto de meretrício em Barcelona. Picasso teria adotado um tema baudelaireano ‘que destacava o pária social ou atividades marginalizadas’ de uma França que amargava os resultados ainda vivos da Guerra Franco-prussiana. Nesta época, ele e seu grupo (Apollinaire, Gertrud e Leo Stein) alinhavam-se à esquerda em termos políticos. As 5 mulheres são prostitutas do país natal de Pablo Ruiz Picasso, Espanha. Frontalmente agressivas, as figuras estão relacionadas  ao medo e fascinação mórbida do pintor (e contemporâneos) pela prostituição e a doença venérea que grassava a Europa. Picasso estaria referindo-se à redenção/danação de sua origem católica? É uma das possibilidades.

 Ele trabalha com a força de um touro e com a sabedoria de uma coruja (animais inúmeras vezes representados, como sua mitologia pessoal) e vai fazer um processo de radicalização da forma e do conteúdo, tornando-se mais ousado e desantropomorfisador. Desprende-se do orgânico, abstrai, tornando sua arte produto do intelecto. No entanto continua a mímeses (o figurativo) ainda não quer “independência absoluta” da realidade já que seria “o esvaziamento do conteúdo e o conseqüente empobrecimento formal”(Georg Lukács).


Um antecedente significativo para a concepção de Les Demoiselles d’Avignon  é “O Retrato de Gertrude Stein”. Aqui já estão os traços primitivistas inspirados pelas máscaras africanas, mas que Picasso nega. No livro “Autobiografia de Alice Toklas” é narrado que, em visita à casa da escritora, sua amiga, teria examinado longamente uma peça africana e mais tarde em entrevista diria “Arte Africana? Que é isso? Não conheço”.  Ora, o artista não é obrigado a entender de sua própria obra mas a verdade é que por volta da virada do século, muitos artistas que se opunham à urbanização na sociedade capitalista ocidental, já demonstravam uma tendência primitiva que se produzia tanto na sociedade como na arte moderna. Os artistas de vanguarda, mantinham de algum modo, contato com esta expressão artística “incontaminada”. O certo é que o primitivismo era já uma complexa rede de interesses ideológicos, estéticos, científicos e antropológicos e estas idéias estão inscritas em  Les Demoiselles  d’Avignon.

A questão das artes tribais foi sem dúvida fundamental na sua concepção. Mas não só ela. A obra de Cézanne de forte estrutura, opacidade, solidez e peso da matéria é por sua vez, a outra grande fonte de Picasso. É Cézanne que faz a transição para o conceitual. É ele quem vê a realidade como cilindro, cubo, esfera, ou seja, pela abstração intelectual e não pela sensação visual. É ele quem retira a pintura do campo sensual (como viam os impressionistas) para colocá-la no campo conceitual. E, na virada do século, Cezanne vai abrir o caminho para o cubismo pela textura da cor.

 Em Paris, uma coincidência favorável vem a calhar para esta onda gigantesca que vai dar em Les Demoiselles d’Avignon: a exposição de máscaras africanas no Museu Etnográfico Trocadero e a exposição de Paul Cézanne, quase concomitantes.São grandes eventos da Arte.Picasso está lá, presente. Em Les Demoiselles d’Avignon, ele traça cinco imensas mulheres geométricas, esquematizadas ao estilo da arte africana. Elas encaram frontalmente o observador, conferindo grande poder à obra. Ele distorce, simplifica, deforma. Amontoa as figuras num plano único. O fundo avança e se retrai, sem uma racionalidade que não seja formal. As mulheres são inventadas intelectualmente. “Pensadas e não sentidas” como dizia Braque. A mulher do canto direito é vista simultaneamente de frente e de costas. A da esquerda, face de perfil e olho frontal,remete à arte egípcia. As do meio, lembram a arte ibéria e também a Vênus de Milo.

 Picasso passa todas as tradições pelo seu filtro pessoal, re-arranjando seus elementos numa nova linguagem pictórica. Facetados como cacos de vidro, os cinco nus de anatomia angulosa, quebram a perspectiva tradicional. Uma natureza morta  faz a transição entre os grupos, apontando para o centro do quadro. As cores são uma síntese entre monocromia e contraste. Amarelo, branco, castanho e um azul forte separam a composição. O grafismo apurado garante as sensações de volumes. Os corpos possuem várias visões de frente e de lado, inconcebíveis fora do contexto do quadro. “Nenhum artista europeu ousou tanto”, diz Apollinaire, em 1913. É muito provável que sim.
 Angela Weingärtner Becker

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