"ENTERRO DO CONDE DE ORGAZ"-El Greco

 
   O enterro do conde de Orgaz. El Greco,1586-88. Toledo, Espanha.
 
Cinquenta sinos de 17 campanários diferentes da cidade de Toledo, Espanha, repicaram num dos primeiros sábados deste ano de 2014, por quase uma hora, em um concerto que marcou o início dos atos em comemoração ao quarto centenário da morte do pintor El Greco.
O "Enterro do Conde de Orgaz" é, talvez, seu quadro mais famoso-e de maior tamanho. A obra cobre 4,80m X 3,60m de uma parede da Igreja São Tomé, em Toledo, na época o centro espiritual da Espanha.
Pintada em 1586 por El Greco, narra um milagre que aconteceu nesta igreja, em 1312, durante o enterro de Dom Gonzalo Ruiz. Os santos Estevão (mártir jovem) e Agostinho (com mitra e barba branca) teriam aparecido para depositar na tumba os restos mortais do defunto, conde de Orgaz, que fora em vida muito influente e amigo das instituições religiosas. Quando os santos despareceram, voltando aos céus, deixaram no lugar, um perfume celeste, extraordinário.
Veja-se que o pintor expressou-se de forma clássica na parte inferior da pintura,  nas personalidades que presenciaram as exéquias. Ali incluiu personagens da vida real da cidade de Toledo. A parte superior, El Greco o faz com tons suaves, apenas ressaltando a Virgem. Muitas figuras da Igreja aparecem neste céu: São Pedro com as chaves, Moisés com as tábuas, o rei Davi com a harpa e Noé com sua arca. No alto, mais alto, sobre todos os santos, aparece Cristo em seu trono. A alma do morto está representada por um menino envolto em panos, levado por um anjo de manto dourado.

 Estamos no século da Reforma que, sabe-se, teve pouca influência na Espanha. Mas, sabe-se também, que tinham de lidar com notícias que chegavam dos Países Baixos. Lá a Reforma dizia que a Virgem não era mais sagrada que qualquer pessoa e que os santos haviam sido derrubados de seus nichos. O quadro de El Greco, porém, manifesta toda a glória de Maria e dos santos, num movimento contrarreformista notável.
Este quadro existe pelos esforços do pároco da Igreja de São Tomé (representado à direita do quadro, lendo) Andrés Núñez, que durante anos e anos quis homenagear Gonzalo Ruiz - e ao final, ele mesmo, pois está ali representado. A propagação do milagre da descida dos santos para depositar o corpo de Orgaz no sepulcro era importante para a cidade. Defender os cultos aos santos e as relíquias, respondia à Reforma e ao mesmo tempo incentivava as doações e as peregrinações.

Também o enorme tamanho do quadro responde à Reforma que pregava humildade e rechaçava a imponência. Os reformadores queriam uma igreja livre da distração do principal: a fé em Deus.

A formação de El Greco era de ícones. Nasceu em Creta em 1541 (possessão de Veneza, na época). De Creta vai a Veneza onde estuda perspectiva e pintura. Segue para Roma. Não se sabe por que ele se instala na Espanha. Felipe II não se agradava de sua pintura (encomendou apenas uma tela e parou). Porém ambos tinham em comum o fato de que preferiam viver na realidade celeste do que na ilusão da terra. Esta pintura que não mostra nenhuma emoção na hora da passagem do conde desta vida para a outra, diz exatamente isto. Também a linha de cabeças que separa o mundo terreno do mundo da vida eterna, é teatral, mesmo sendo realista. A vida verdadeira está no alto. Ali está o El Greco maravilhoso, esplendoroso, iluminado, exuberante. Ele nos chama para o alto. Diante de suas figuras brancas, alongadas, escuta-se um adejar de asas num movimento ascendente em direção aos céus. Este espaço, o céu, é para El Greco, o que realmente importa.
                                                                                   Angela Weingärtner Becker

2 comentários:

JOSE ANTONIO R.T. disse...

Magnifico, Angela felicidades amiga!!!

Angela Weingärtner Becker disse...

Eu que agradeço, amigo.Foi por você.Abs Angela