Otto Dix (1891-1969)

Sempre fico muito feliz ao ver uma obra de Otto Dix. Seu estilo, tão característico, pode ser sentido de longe. Preciso me conter para não atravessar imediatamente a sala do museu e ir até ele, já que é daqueles artistas que “me chamam”.

Retrato da jornalista Sylvia von Harden

Otto dix nasce na Alemanha perto de Dresden, cidade em que vai fazer toda a sua formação acadêmica, sendo mais tarde professor, o preferido, da Academia de Belas Artes. Com aulas ditas "divertidas" leciona lá até ser demitido pelos nazistas. (Tem 260 obras tomadas pelo partido).

Em 1914, quando estoura a primeira guerra, Otto dix se alista como voluntário. Era normal o entusiasmo dos jovens em relação à guerra como movimento de renovação da humanidade. Existia uma espécie de euforia bélica na juventude. A guerra representava a criação de novos valores e aniquilação do velho. Esse fervor não se dava só na Alemanha, mas também entre artistas intelectuais franceses e italianos. Veja-se o movimento do Futurismo que é baseado na velocidade e no movimento. Só podemos entender este fato sob as intensas invenções tecnológicas da época. Mas logo esta crença se desfaz em horrores. As trincheiras acabam com qualquer resquício de entusiasmo por parte daqueles que morriam às pencas sob a brutalidade da guerra.
Pragerstrasse, 1920
Otto Dix permanece no front até o final. Ele aceita o desafio dos acontecimentos e registra, como um cronista impecável, o escândalo da guerra. Desenha enquanto as granadas estouram ao seu lado. Porém nunca vê a guerra como ato grandioso, como os futuristas a viam. Escreve no seu diário: “Piolhos, ratos, granadas, cadáveres, sangue, álcool, gases, canhões, suicídio, balas, morteiros, fogo, frio, isto é a guerra, uma obra do diabo”. Ele desenha e pinta tudo isso a partir de sua própria perspectiva. Ele estava lá. Na guerra vê os impulsos básicos do homem e é isto o que lhe interessa registrar.

A Guerra,1929
 Participa da exposição móvel de pinturas “Chega de Guerra!”. Também produz um livro de gravuras (A Guerra-1924) mais tarde descrito por um crítico como “talvez a maior e mais poderosa declaração anti-guerra da arte moderna”. Durante anos e anos, terminada a guerra, ele continuava no tema. Perguntado, ele respondia “preciso me desfazer da guerra, por isto a pinto”.
Dix, no entanto, nunca foi político. O que lhe importava era investigar o primitivismo da natureza humana e registrar plasticamente o que via e com interessante distanciamento.
Terminada a guerra, continuou com este mesmo senso de realidade pintando a sociedade alemã na sua terrível duplicidade de pobres e ricos. Uns, criaturas patéticas que bailam o charleston e bebem champagne. Outros, famintos e desesperados sobrevivendo como mutilados de guerra.
Retrato da bailarina Anita Berber, 1925
 Otto Dix registra tudo meticulosamente. Está longe, porém, de ser realista ou fotográfico. Ele pinta transformando a realidade em aguda caricatura. Pertence (como Georg Grosz, Max Beckmann, Ernst Kirchner) ao que chamariam de “Nova Objetividade”, uma forma de expressionismo que representa atrozmente a verdadeira sociedade do pós-guerra, “sem os véus idealizantes e mistificantes da “boa” pintura ou literatura” como diz Carlo Argan.
Recém nascido (filho de Otto, Ursus)

meio Nu
A obra de Otto Dix se move entre os diversos planos de emoção, classes sociais, idades, valores, sensualidades. Como nenhum outro pintor, ele escancara a velhice, a decadência do corpo com um senso de humor que dói em sua franqueza. No final tem-se que rir de nós mesmos que escondemos, por pudor, a realidade que ele mostra com olho arguto. Otto Dix é uma desconcertante catarse.
Angela Weingärtner Becker