São Jerônimo Penitente no Deserto
Andrea Mantegna (Pádua 1431-Mântua ,1506)


0,40 x 0,51 MASP


Esta obra era completamente desconhecida até em 1936, quando foi colocada à venda sem se saber qual era o autor, uma vez que não tinha assinatura. Somente no final do século XIX a obra de arte surge como um investimento e passa a ser assinada.

O quadro foi atribuído a vários outros autores até chegarem à conclusão que era de autoria de Andrea Mantegna. Em 1952 ele chega ao MASP. Hoje temos parâmetros técnicos de datação e se pode ter como certo ter sido pintada entre 1448-1451. O pintor é tido como referência para renascentistas célebres como Rafael, Da Vinci e Michelangelo.

 Em exposição no Louvre com 190 obras, 2008 a 2009, o quadro emprestado pelo MASP foi colocado em sala especial com os dizeres: “Este é  o primeiro Mantegna conhecido”. Em troca do empréstimo o atelier do Louvre faz a restauração.
São Jerônimo penitente no Deserto é pintado em têmpera sobre madeira. A têmpera era feita por pigmentos minerais com aglutinante de clara de ovo e tem mais durabilidade do que óleo já que se cristaliza.

O pequeno quadro possui uma coleção semântica muito rica, o que demonstra o caráter erudito da produção. No século XV o artista começa a se liberar e manipular as regras da tradição. Além de artista é um também um pensador. A imagem deve ser bela e ao mesmo tempo didática. Erudita e popular ao mesmo tempo. O camponês deveria poder “ler” a mensagem.

São Jerônimo nasce em família abastada e culta e se torna bibliotecário e gramático. Faz uma tradução da bíblia de várias línguas (aramaico, hebraico, copto etc) para o latim. “Vulgata” é a versão de São Jerônimo. Ele é um dos 4 doutores da Igreja. (outros: S. Ambrósio, S. Agostinho e S. Gregório Magno).

Ele tem um sonho onde Cristo lhe diz “Você não tem fé. Você é ciceroniano” isto é, culto. Então ele decide ir para o deserto para obter a iluminação. Lá trabalha solitária e arduamente. No quadro aparecem as ferramentas de gravação como o martelo.

No deserto se despoja das vaidades do mundo para mergulhar na verdade absoluta. Fará a síntese do pensamento de Platão e o pensamento de Moisés. O cristianismo assume para si a continuação do Império Romano. Depois, volta para a Palestina e funda um mosteiro onde fica até a morte.

A iconografia que aparece no quadro:
Auréola- iluminação apolínea para os ungidos pela graça divina.
Velhice- tempo, sabedoria, espiritualidade.
Terço e livro em cada mão- diálogo com o mundo greco-romano à luz do cristianismo. Não há desacordo entre fé e razão. A ciência, neste momento, não tem conflito. O erudito busca as duas faces da mesma moeda, ciência mais religião. A matéria é a linguagem do divino. A matemática é a linguagem de Deus. No século XIX esta aliança vai ser quebrada.
 Chapéu vermelho- S. Jerônimo era cardeal e abandona o cargo para viver no deserto.
Tamancos- signo do caminhante. Aquele que não cansa até que a dúvida seja sanada.
Caverna- faz alegoria da caverna de “A República” de Platão
O crucifixo- é a graça de Cristo para salvar e revelar a verdade
Lâmpada- referência a Platão
Papagaio vermelho- testemunho do sofrimento de Cristo
Coruja- animal que representa Palas Atena, sabedoria.
Leão- S. Jerônimo teria encontrado no deserto um leão com espinho na pata e sem ter medo  segura a pata do leão e retira o espinho ( a fé consegue dissuadir o perigo).
Pedras, caminhos tortuosos- ideia de que  a verdade não é obtida linearmente e só se mostra a quem está à altura dela.
O tamanco- remete a ideia de persistir e caminhar.

Mantegna tem uma técnica extraordinária de trabalhar a plasticidade da pedra ele será o grande mestre das estruturas petrificadas, pedras translúcidas, permeadas de luz.
O quadro é como iluminura. Não há necessidade de ser realista pois estamos no campo da alegoria.
Mantegna trabalha em Pádua, no Vêneto. É um ponto de conversão de duas tradições- a flamenga e a outra, o poderoso renascimento florentino.


Texto com base nos apontamentos de aula do prof. Renato Brolezzi