REMBRANDT

 

"A Volta do Filho Pródigo", 1668. Museu Hermitage




luz, sombra, textura e solidão.
...
Rembrandt foi o maior pintor do século XVII. Isto é quase um consenso.
Enquanto seus contemporâneos faziam pequenos quadros de paisagem, cenas alegres, humor malicioso, ele estava imerso no drama e mistério da condição humana.
É o pintor da nossa desolada solidão. Suas figuras têm inscritas nas rugas, nas expressões sutis, uma idade psicológica de sabedoria.
Todos são velhos, todos são patriarcas bíblicos.
Todos são extraídos da penumbra, como se uma luz se acendesse por dentro de cada um.
Diferente de Caravaggio que "usa um holofote" para iluminar o drama, Rembrandt extrai lentamente cada figura do espaço profundo "como se os átomos soltos no escuro viessem pousar na tela e formar uma figura" diz Argan, historiador de Arte .É uma condensação.
Rembrandt supera a interpretação psicológica das personagens, vai além. Diz-se que sempre pinta a si mesmo. Identifica-se a tal ponto com a pessoa que retrata, que no final, todos parecem ser ele mesmo. Mas sobretudo pinta a salvação e a perdição que é própria da vida.
Tive a grande graça de ver "O retorno do filho pródigo" no Hermitage. É daquelas obras que impõe silêncio dos que estão em volta. Arrebata, basta ficar em frente e se entregar. Tipo...baixa um clima de sensibilidade coletiva. Todos tocados pelo drama. O espaço em frente ao quadro é espaço que nos une em santidade. Mas uma santidade humana, beatitude, emoção.
Esta é considerada a maior preciosidade do museu. Isso que lá não falta inclusive Leonardo da Vinci.
Nesta pungente obra, o pai que recebe o filho é uma muda presença humana que aceita as circunstâncias como a um desígnio inescapável.
Sem notar, e de repente, aquela narrativa bíblica se faz atual. A todo o momento há um filho pródigo que volta, há um pai comovido que aceita. Então isto que vemos adquire a força da verdade, uma concretude atual.
Ele tem a capacidade de nos agregar à obra e então movemo-nos dentro e com a obra. Nesta fusão, um fato do passado (bíblico) torna-se um fato presente e sabemos que tudo se repete o tempo todo: um Cristo é crucificado todo o dia, uma Salomé oferece a cabeça de João, um pai oferece o filho em sacrifício. Tudo é um retorno.
Muito dessa fusão, dessa palpitação, se deve à técnica de Rembrandt. É como se a cor estivesse pulverizada e ainda não decantou na tela. É uma composição por partículas que estão ainda no ar e não se compôs. Cada nota de cor carrega o pressentimento da próxima, da sucessiva. Rembrandt embala as figuras em luz atmosférica, criando uma unidade. Sua luz não vem de fora, vem de dentro, do invisível, do secreto.
E isto ecoa nos planos distantes. Ele desenha com o pincel. A cor é dourada. As figuras que estão em cena, cada uma está isolada em si, solitária assim como é a condição humana.
Rembrandt não interfere, não questiona, não emite juízo. Suas figuras não agem mas "sofrem a ação" da luz, da sombra, da vida.