Jacques-Louis David (17481825)

autorretrato
“Pintor de Napoleão” é o pensamento que nos ocorre logo que deparamos com este nome. Foi o mais representativo artista do neoclassicismo francês. E, sim, pintor oficial da Corte Francesa e de Napoleão Bonaparte. Só com a queda  deste, é que ele perde sua relação umbilical com a política.

David fica órfão de pai muito cedo e é enviado para que seus tios tomem conta de sua educação. Por sofrer de um tumor na face que afetava sua fala, passa o tempo a desenhar. Contrariando seus tios e mãe que o queriam arquiteto, consegue entrar para o atelier do seu primo e maior pintor rococó de sua geração, François Boucher. Mas este o aceita por pouco tempo e envia-o para Joseph Vien, artista que já trabalhava na linha classicista. Em seguida David ingressa na Academia Real de Pintura e Escultura de Paris.

Madame Recamier

Suas pinturas não tem o sinal da mão, do pincel, parece que tudo já nasce na tela, feito por si. A superfície lisa das obras tem a ver com o desejo do pintor de unir os elementos de forma harmoniosa. Assim era "a graça" romana e antes dela, a grega. O objetivo neoclássico era buscar a beleza platônica jamais vista pelo olho e jamais esculpida pela mão humana. É uma idéia que jaz no intelecto e lá fica sempre como idéia impossível de se realizar.(O que vai suceder a esta escola é o romantismo que também tem o inalcançável o amor, beleza, virtude.)

O rapto das Sabinas
David, como todo artista que se prezava, viaja a Roma. De lá regressa à França de cabeça feita pelos novos ideais neoclassicistas. No seu quadro “O rapto das Sabinas" apesar das alusões a um acontecimento da história antiga, pode ser visto também como o assalto à Bastilha que, sabemos, era a prisão do Estado cuja queda marca o início da revolução francesa. A figura central (feminina) é a França, sem dúvida.

Napoleão cruzando os Alpes

David foi contratado como propagandista da Revolução porque ele já pintava de maneira clássica (oposta ao Rococó) e seus valores morais correspondiam aos valores defendidos pela Revolução.
Poucos estadistas foram tão apoiados pela propaganda como Napoleão. Uma poderosa imagem: "Napoleão cruzando os Alpes”. Junte-se emoção romântica e técnica clássica e temos o quadro em que Bonaparte exorta seu exército a atravessar os Alpes (empreitada quase inviável, só conseguida pelo general cartaginês Aníbal em 218.a.C.) Grandeza e determinação heróica é o que David exprime nesta obra.

A Coroação de Napoleão Bonaparte

Nobreza, heroísmo e sobretudo audácia, vemos no quadro “A Coroação de Napoleão Bonaparte”.Quadro de dimensões públicas (6,21mX9,79m) pintado por David nesta famosa ocasião (na Notre Dame,1804) em que Napoleão faz seu auto-coroamento e o da imperatriz Joséphine (o papa Pio VII havia sido convidado para fazer o ato, mas na hora “h” Napoleão retira de suas mãos a coroa, deixando claro que ele era o Poder, na França). Jacques-Louis David mostra, com evidência, o sentimento de frustração do papa. Na Roma antiga, nos desfiles triunfais, diz o historiador de Arte Sthefen Jones, um homem comum era colocado ao lado do general vitorioso para recordar-lhe que era apenas humano. Napoleão não tinha dúvida de que era divino.O deus Marte, certamente.

Na pintura "A morte de Marat” que retrata o assassinato do revolucionário francês, em casa, na banheira (ele sofria de dores que só se amainavam em água tépida) a inscrição À Marat, David que aparece na caixa, indica uma homenagem a Marat, que o pintor conhecia pessoalmente e que teria visto na véspera de sua morte tal como ali representado "esta pintura é a pietá da revolução francesa" diz Rodrigo Naves, crítico de Arte.

A morte de Marat

Exilado em Bruxelas, Jacques-Louis David falece,  por acidente, na saída do teatro.

Napoleão cai e, muitos artistas que tiveram ligações bonapartistas,foram demitidos ou exilados. Joachim Lebreton reune um grupo interessado em vir para o Brasil (Debret, primo de David, está no grupo). Aqui, com o barroco fortemente instalado, não havia interesse e nem mercado para a arte profana dos franceses. Mesmo apoiados pelo rei, a missão é recebida como importuna tanto por portugueses quanto por brasileiros. Diante de tantas dificuldades  Nicolas-Antoine Taunay abandona o país em 1821 (ano da morte de Napoleão). De todos os que vieram foram aproveitados pelo governo apenas cinco integrantes: Debret, Nicolas Taunay, Auguste Taunay, Montigny e Ovide.
Angela Weingärtner Becker
Johannes Vermeer (1632-1675)

Vermeer, autorretrato

Vermeer certamente foi um pintor barroco, como Franz Hals, como Rembrant. Se for para fazer um ranking de fama, ele estaria atrás apenas de Rembrant naquele século de ouro da arte holandesa. Ele vive toda a sua vida em sua terra natal, onde é sepultado na Igreja Velha de Delft.

Sabe-se que casou com Catharina Bolenes com quem teve 15 filhos.Viveu pobremente como diretor da guilda de pintores de São Lucas e seus rendimentos saíam do comércio de arte e não da venda de seus quadros. Trocava, às vezes quadro por comida. Quando morre, sua viúva vende tudo ao município e assim obtém uma pequena pensão.Um recurso usado para que aumentasse o valor dos quadros foi que, por vezes, eram vendidos com assinatura “alugada”. Imagina!

Vermeer morre aos 43 anos e é esquecido por um bom tempo, até que um artigo sobre ele é escrito em uma revista de prestígio. Só recentemente (1866) passa a ser reconhecido como o segundo maior pintor dos Países Baixos. (Há um filme feito em 2003 sobre sua vida "Moça com brinco de pérola".Filme de Peter Webber com Scarlett Johansson, Colin Firth.

Moça com brinco de pérola-Vermeer

Dos cerca de 70 trabalhos que fez, apenas 40 são validados como autênticos. Marcel Proust visita uma exposição de Vermeer em Paris e vê no quadro “A vista de Delft” um dos mais bonitos de todos os tempos. Há um relato em sua obra, da personagem Bergotte, que vai ao Louvre pouco antes de morrer quando medita sobre vida e a morte. Proust havia visto o quadro algumas semanas antes. Trata-se de uma paisagem, coisa rara na obra de Vermeer.

A vista de Delft-Vermeer
Johannes ou Jan Vermeer era um pintor de ambientes internos, quartos fechados onde mulheres são vistas muito envolvidas com o seu próprio trabalho. Sempre absortas numa espécie de santificação do trabalho doméstico. Há uma serenidade nos rostos e nas coisas como se elas tivessem parado o tempo e a eternidade entrasse no espaço e as imobilizasse. São mulheres protestantes, cujo trabalho está consagrado pela religião e elas, ao invés de ajoelhar e rezar como as santas católicas, elas trabalham. Há uma separação do tempo do trabalho como um tempo metafísico.O cotidiano se estabelece uma realidade perfeita. É uma dimensão íntima, exalada de cada uma, numa proximidade com o expectador mas também- e ao mesmo tempo-como distanciamento velado.

A Leiteira-Vermeer

Mulher segurando uma balança-Vermeer

Mulher de azul lendo uma carta-Vermeer
Cada uma parece ser uma natureza morta onde as coisas se comunicam entre si. A paisagem a que Proust se refere A vista de Delft, é também  praticamente uma natureza morta, tomada pela placidez e atmosfera unificadora.
"A mulher de azul lendo uma carta" esteve recentemente no Brasil, em turné antes de retornar a Amsterdã para a reabertura do Rijksmuseum.
 Angela Weingärtner Becker


O Renascimento e o Barroco

Andrea Mantegna, Calvário, 1457-60

O crítico de arte Heinrich Wölfflin (1864-1945) conferiu rigor na separação do Renascimento e Barroco. Isto ocorreu  pelo olhar finíssimo ou pela “teoria da visibilidade pura” que vem a ser a possibilidade da arte ser analisada pela capacidade expressiva que o artista possui através de sua percepção visual. O crítico avalia a obra a partir desse “olhar” e não a partir do contexto sócio-econômico, biografia ou até da técnica do artista. Quer dizer, não precisaríamos sair da obra para analisá-la.

Esta forma de ver a Arte foi muito seguida na Europa. O linear (óptico) onde o olho é conduzido a seguir as linhas e tatear as formas, e o pictórico (áptico) onde percebemos as massas, manchas, contornos esmaecidos, etc.

Na passsagem do Clássico ao Barroco tomando-se esta linha de pensamento, vemos no clássico um comedimento, simetria, contenção. No Barroco temos o ilimitado, a fugacidade, o movimento. O Renascimento apresenta a imagem fechada em si mesma, ao contrário da imagem aberta do Barroco que vai além, é fugidia, e a unidade não existe.

É de consenso entre os teóricos que o Barroco tem ligação com a Contra-Reforma e com a Monarquia. A conflagração dos sentidos-para um mundo praticamente analfabeto-veio para convencer, persuadir e desta forma o Barroco seria a Arte da Retórica.

Deposição de Cristo, 1604-Caravaggio

Caravaggio restitui uma arte “dignificada” ao maneirismo que de certa forma havia levado a técnica à consequências de extremismo onde corpos ocupavam o espaço em escorsos e volumetria, as mais estranhas possíveis. Parecia mesmo que este desvio da forma, seria uma demonstração de malabarismo técnico. Era realmente um cansaço da forma.

Judite e Holofernes-1599 Caravaggio

Caravaggio retorna à compostura, à dignidade da forma. E será muito, mas muito importante para os pintores que virão.(sua influência se estende até à contemporaneidade) Todo mundo vai ler em sua cartilha. Sua luz “de holofote” cenográfica, implacável, impossível (porque provém de várias fontes na mesma obra) tem um papel decisivo na composição. Ela será unificadora das partes criando um dinamismo entre os elementos. E todos a copiam, como se nada mais pudesse ser tão eloquente. Por certo, como pintava cenas sempre muito radicais (decapitações, martírios, aparições, mortes, sustos) parece que reunia misticismo e sensualidade ao mesmo tempo.Sua luz faz surgir, muitas vezes do nada, a forma dramática, passional, sensual e religiosa.
 Angela Weingärtner Becker
Rafael Sanzio (6/4/483-6/4/1520)


Nasce em Urbino, mas usa o nome “Sanzio”. Seu pai era Giovanni Santi, mas para conferir uma espécie de latinidade ao nome, sinônimo de prestígio moral e intelectual, ele usa este nome.
Muito jovem ainda, Rafael se junta a Perugino (Pietro Vanuccia) que nasce em Perugia-lembrando que naquela época o nome da cidade de nascimento muitas vezes identificava- a pessoa.
Vasari, o primeiro grande historiador da Arte, diz que ele foi “abençoado pelo Divino” conforme a astrologia, pela bênção da precocidade. Com 18 anos, de fato, Rafael supera o mestre Perugino cuja maneira de pintar já estava influenciada pelo aluno Rafael. Em Florença, ele passa a ser louvado como mestre. Não é de se admirar pois há relatos que começou com 6 anos de idade!
Madonna della Seggiola- Rafael de Sanzio

Rafael fica em Florença de 1504 a 1508. Nesta data é conclamado pelo papa a ser pintor em Roma onde fica até morrer.
Em Florença tem influência de Fra Bartolemeo e Leonardo da Vinci e em Roma, olha para Verrochio. Sua arte caracteriza-se pela suavidade, candura, graça e perfeição. Foi um dos maiores artistas do Renascimento. “O Casamento da Virgem” é, talvez, a sua mais perfeita obra.

O casamento da Virgem-1504 Rafael Sanzio

Em 1515, torna-se arquiteto oficial do Vaticano, assumindo a continuação das obras na Basílica de São Pedro. É também designado para supervisionar as pesquisas arqueológicas que ocorriam na cidade de Roma bem como a decoração dos apartamentos papais no Vaticano.  Quer dizer, ele estava no auge das aspirações de um artista. Enquanto Michelângelo redecorava o teto da capela sistina, Rafael estava ao lado, decorando os aposentos dos papas. Realiza retratos, desenhos de tapeçaria, cenografias e decorações sacras. Morre muito cedo por grave febre.- tinha somente 37 anos de idade.


 Escola de Atenas-Rafael Sanzio.Museu do Vaticano

O MASP possui uma obra de Rafael, que nem sempre foi atribuída a ele. Páginas e páginas foram escritas e dezenas de estudiosos debruçaram-se durante muito tempo sobre a “predella” -pequeno quadrinho que, junto com outros, comentam a cena principal-chamado “A Ressurreição” ou Ressurreição Kinnaird . Esta obra do MASP teria a prova de ser de Rafael, quando foi decifrado o nome “Giacchino Mignanelli” como o primeiro proprietário da obra e que também consta no verso da predela do MASP. E também depois de muitas comparações com outros trabalhos de Rafael e de encontrarem semelhanças com a tradição florentina de onde Rafael provinha. A obra foi pertencente a uma das obras remanescentes de um retábulo (ocasionalmente os comerciantes de arte desmanchavam a obra e vendiam as partes separadamente). Outra dificuldade de identificação é que fases de trabalho eram distribuídas entre o mestre e os discípulos (principalmente as predelas, friso inferior ao quadro principal). Hoje é de consenso de sua legitimação. Esta obra é a do jovem Rafael, discípulo ainda, provavelmente com 17 anos de idade.
A Ressurreição- Rafael Sanzio (predela)-MASP Weingärtner Becker

A predela do Masp é um Cristo carregando uma bandeira branca e cruz vermelha. No centro da composição há um sarcófago com a tampa aberta em diagonal. 4 soldados formam um vértice e é esta tampa que única a vertical e a horizontal. A composição é bem geométrica. Jesus no centro de um triângulo (o 3 é número sagrado, revelador da verdade) a obra é cheia de signos, equilibrada, sem perda do movimento ascendente e de cores surpreendentes Foi adquirido por pietro Maria Bardi em 1954 e é o único Rafael do hemisféro sul.
Angela Weingärtner Becker