Gauguin, uma biografia tumultuada



Paul Gauguin (1848-1903)

 Tudo é tumulto, na vida deste pintor. Antes mesmo de seu nascimento, as confusões já tinham começado.
Paris, em 1848, vivia sob um clima de revolução que culminou com a proclamação da República. Clóvis Gauguin, pai do pintor, era cronista político do jornal republicano “National”. A mãe era filha da poetisa feminista Flora Tristan, que morreu em 1844,  numa viagem de propaganda dos grupos operários feministas que ela havia criado.

Gauguin nasceu sob este clima inconformista, aventureiro e rebelde. Em 1851, com o golpe de Estado de Napoleão Bonaparte, o pai achou prudente abandonar a França e se refugiar com mulher e dois filhos, no Peru. Morreu na viagem. Sua mãe chega até Lima onde se instala na casa do tio-avô Don Pio cujo filho foi Presidente da República do Peru.
Até 4 anos este era o cenário onde viveu Gauguin. Sua mãe resolve regressar à França. Em Orleans Gauguin faz o primário e secundário. Sua rebeldia e mutismo leva a um professor a exclamar “Será um gênio ou idiota”! Virou um gênio.

 Com 17 anos entra para a marinha mercante, quando esteve nos portos do Rio de Janeiro e Salvador. Com 20, cumpre o serviço militar durante a guerra da França e Prússia que acabara por destruir tudo o que a família possuía. Em 1881 começa a trabalhar como corretor de fundos públicos. Chega a ganhar muito dinheiro que gasta com obras “escandalosas”de arte impressionista: Monet, Manet, Renoir, Cézanne e Sisley.

Casa-se com a dinamarquesa Mette Sophie Gad. Trabalha, compra arte, desenha aos fins de semana. Frequenta os meios artísticos de Paris. Segue estudos de arte acadêmica, mas gosta mesmo dos impressionistas. Inscreve alguns trabalhos no salão oficial, mas solidariza-se com os impressionistas rejeitados. Em 1880 inscreve trabalhos no salão dos “malditos”. Torna-se amigo de Camile Pissarro. Em 1884 muda-se com a família para a Dinamarca e sua situação está insustentável com os hábitos luteranos da família da mulher. O mundo burguês e o seu não se harmonizam mais. Separa-se e volta para Paris com o filho mais velho, deixando os outros 4 com a mulher. Lá, passa fome e vai colar cartazes na rua para alimentar o filho. Escreve à filha:“A fome desperta o gênio, mas não pode ser demais, senão mata.”

É apresentado a Paul Signac e conhece o pontilhismo. Começa a pintar o que depois seria seu estilo: renúncia ao tridimensional, composição requintada, curvas voluptuosas. Em 1886 exibe 19 telas na última exposição impressionista. Vai para a Bretanha, mora numa pensão barata. Medita e pinta. Conhece o cloisionismo com Émile Bernard: cores chapadas, separadas por contornos.
Retorna a Paris em 1886. A cidade não o acolhe. Não consegue pintar e não consegue não-pintar. Não tem condições de se sustentar. Em 1887 decide viajar para a América Central “para viver como um selvagem”. Adoentado e sem dinheiro, segue para a Martinica. Lá, com esforço, sobrevive e consegue pintar com intensidade luminosa, grandes campos de cor colocados lado a lado. Trabalha de sol a sol numa enxada, dorme mal, come mal. Volta a Paris e depois e em 1888, volta para Pont-Aven para pintar e ficar na companhia de alguns pintores. Formam um grupo e discutem pintura acaloradamente.

 Mahana no atua, 1894. Art Institute of Chicago

Suas cores se tornam puras e ocupam áreas maiores nos quadros. Aceita um convite de van Gogh e de Theo, seu irmão, para Arles onde Van Gogh já alcançara sua linguagem própria. Gauguin tenta ajudar o artista conforme sua capacidade. Discutem à exaustão. Brigam e van Gogh acaba por ferir-se com uma navalha. Depois deste grave desentendimento, Gauguin volta a Paris onde já era de um prestigio crescente entre os jovens artistas, mas principalmente entre o grupo dos “nabis” (profetas, em hebraico). “É preciso simplificar a visão”, ensinava.

Ele era angustiado. Volta para a Bretanha. Instala-se à beira do mar vivendo com os pescadores. Um ano depois volta à Paris e vê uma apresentação do Grupo Pont-Aven em torno de seu trabalho e dos seus princípios plásticos. Os artistas ficam deslumbrados com suas obras. Porém ele anseia pela natureza. Está cansado da Europa e do materialismo vigente. Seus amigos fazem uma exposição para vender suas obras e conseguir dinheiro para a viagem que vai levá-lo ao Taiti “terra deliciosa, terra perfumada”.

Dois meses de viagem e desembarca na cidade de Papeete. Decepção! A cidade está totalmente europeizada e com “esnobismo colonial”. Ali tão longe, também se imitava Paris. Porém instalado entre o mar e a serra descobre a graça e a beleza dos polinésios. Vai viver numa aldeia com a nativa Téhoura. Lá conhece um mundo incontaminado. Escreve e pinta. Os corpos inocentes e belos, quase nus. As mulheres como damas egípcias, os homens despidos e belos. Mas seus recursos tinham se esgotado. Sente saudades da família, escreve à mulher pedindo que ela arranje um emprego. Estava 9 anos longe. Ela não o atende. Volta com a fome e o frio, sem recursos, outra vez em Paris.

Fatata te Miti ,1892. National Gallery of Art

O destino vira de repente: recebe a notícia de uma herança de um tio. Pode se instalar com razoável facilidade. Organiza uma exposição com suas obras taitianas, mas não consegue vender quase nada. A crítica o condena, os clientes rejeitam aquele mundo primitivo que retrata. Arranja seu atelier com pinturas por todo o lado, paredes, portas, janelas. Ana, uma bailarina de Montmartre vive com ele na companhia de um macaco e um papagaio. Recebe artistas e escritores de forma generosa. Veste-se estranhamente com colete azul bordado de amarelo e verde, bengala, luvas brancas, casaca azul. Num passeio com Ana é ridicularizado e ao se defender é ferido e abandonado no hospital pela javanesa.
Em 1895 deixa a Europa rumo à Oceania. Definitivamente. Tinha vendido algumas obras num último leilão lamentável. Preços muito baixos, resolve recomprar as poucas obras vendidas. No Taiti reencontra seus amigos nativos. Retoma as pinturas e o mundo que ele sonhava, mas que mesmo ali na natureza, tivera de inventar.

Em 1897 seu ferimento da briga na Bretanha volta e ele, sem dinheiro, mal consegue ser hospitalizado. Envolve-se em brigas com o governo local e com padres europeus. E pior: recebe a notícia da morte de uma filha.
Neste desesperador ano de 1897 exclama “minha saúde está cada vez mais deplorável e, para reparar as forças perdidas, não tenho sequer um pedaço de pão”. Neste momento pinta a obra “De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?”. Toda a existência humana é posta em questão nesta tela.  “Eu queria morrer” diz em 1901, e para apressar o desfecho toma uma dose de arsênico. Foi uma dose insuficiente e não morre.

7De onde viemos? O que somos? Para onde vamos? 1897

 Depois de tudo, continua a ter ânimo para pintar e experimenta em várias obras, a beleza pura, a vitalidade primitiva. Envolve-se com a situação dos indígenas que o deixa cada vez mais violento para com os brancos. Arranja muitos inimigos através de um jornal onde escreve.
Resolve mudar para uma ilha das Marquesas ainda quase antropofágica. Aluga um atelier onde espera ardentemente pintar e ser feliz. Na sua porta coloca um cartaz “Casa do prazer”.

 O ano de 1902 é, enfim, tranquilo. Tem um raro período de paz e harmonia com a sonhada felicidade natural. Vê, no entanto, chegar à ilha a rápida e avassaladora influência dos brancos. Sucedem-se os conflitos. Gauguin defende o direito dos indígenas de não ir à escola dos missionários nem assistir à missa. Começa a ser perseguido pela polícia e preso por desacato a uma autoridade militar. No começo de 1903 sua saúde decai totalmente e, muito doente, não mais sai de casa. Morre às 11 h da manhã do dia 8 de maio de 1903 em circunstâncias não bem esclarecidas. Diz-se que os indígenas repetiam “Gauguin morreu, estamos perdidos”.

Nafea Faa Ipoipo,1892 óleo sobre tela

Em 2015, o quadro Nafea Faa Ipoipo, ou em português, “Quando te Casarás?” foi arrematado por US$ 300 milhões, na época, o equivalente a R$ 835 milhões. Naquele momento, foi a obra de arte mais cara vendida na história.


fonte: Mestres da Pintura Abril Cultural. SP, Brasil

Angela Weingartner Becker