Os pré-rafaelitas
“Pré-rafaelitas” esta denominação remete à época de antes de Rafael Sanzio, (1483-1520) no chamado quattrocento italiano.
É assim que se chamaram os pintores
ingleses, rebeldes às regras do classicismo ainda vigentes na Academia inglesa em 1848. Lá estudavam três moços que fizeram a virada da arte
britânica: Dante Gabriel Rossetti, William Holman Hunt e
John Everett Millais. (Este último pintou o conhecido ícone "Ophélia"). “Moços”
porque o mais velho, Hunt estava só com 21 anos.
A arte acadêmica na Inglaterra, aquela inspirada no modelo grego, permanecia, cansada, esgotada inutil enquanto na Europa continental já estava quase destronada, e o Impressionismo já anunciado.
Foram estes três jovens que, formando uma confraria, uma fraternidade ao estilo medieval, reagem a esta arte britânica que tanto tardava. Eles partiram ideologicamente para a época da "pureza" anterior ao pintor Rafael, antes de a Renascença ter trazido o modelo grego.
Era o ano de 1848, e na Inglaterra vitoriana, com grande
prosperidade econômica, grassava um moralismo hipócrita, uma deprimente involução
cultural e de exploração do trabalho, um sem fim de arte esgotada de “bois e
vacas no pasto” “barquinhos na àgua” uma arte tola, pueril, ridícula, cheia de
clichés, e de escandalosa convivência do puritanismo anglicano com o capitalismo. Veja-se que
na Europa continental já sopravam os ares do Impressionismo e Marx já estava
fazendo o seu Manifesto.
Neste ambiente, surge o grupo pré-rafaelita organizado como uma guilda medieval. Eles vem colocar abaixo todo o classicismo, todas as regras acadêmicas. Surge uma arte com função sanadora desta
sociedade, que vai buscar inspiração lá no gótico, “antes do pecado do orgulho” como diz
Argan, onde ainda existia o sentimento puro, a ética do trabalho, o artesanato,
a poesia, a profunda humildade, a honestidade. Depois da decadência, o retorno.
A obra deveria nascer no artista sem regras, sem sequer
atelier pessoal. Deveria ter alma e espiritualidade. O romance, o erotismo, o misticismo,
lendas, cenas religiosas visionárias, inocência, eram atributos para serem glorificados
nas telas. A realidade não importa muito, pode ser apenas sugerida. Efeitos de
cores luminosas, esmaltadas e muitas vezes fulgurantes faziam com que o
invisível fizesse parte do quadro pela atmosfera.
O Romantismo e seu conceito de sublime estavam claramente no
comando do gesto, do tema, do espírito. O mágico e o metafísico compondo a obra. Mas não em forma de símbolo, não ainda transformada numa cobra, numa
pomba, numa concha. Ainda não. O símbolo é intelectualista, abstrai, ocupa o
lugar da coisa. Aqui é a atmosfera que conta. O natural deve falar
simultaneamente com o espiritual. O espiritual é intrínseco à natureza. O pintor
envolve o metafísico com cores.
Gosto muito deste efeito real-irreal que traz a atmosfera do mistério. “A arte deve estar ela persuadida e não tentar persuadir” diz Argan. Este apenas levantamento do véu, este apenas espiar o mistério é um voyeurismo que me agrada. Assim, na “Anunciação” de Rossetti o anjo, nu por debaixo da túnica, fala com Maria de vestes simples (não mais de brocados) e fala apontando a haste da flor ao seu útero. Ele anuncia a concepção dela, do mesmo jeito que se anuncia a gravidez d e cada mulher: é ali no útero que se dá.
Os jovens pré-rafaelitas são os que revigoram, que se
lançam, que não confiam em ninguém com mais de 30 anos. São estes que fazem a
revolução. Os mestres antigos lá longe, na época de Rafael vão ser mais um
exemplo do que modelo estético. Os pre-rafaelitas estão bem inseridos no aqui e agora.
Na vida cotidiana, eles são insultados, desprezados e não vendem nada. A imprensa bate neles diariamente, sem trégua, por dois anos, até que um crítico de arte de prestigio, a caneta mais prestigiada da Europa, John Ruskin, se importa com o grupo e o movimento. Ruskin escreve uma carta ao “The Times” e é como se uma mão descesse do Olimpo, mão esta, que tem o poder de salvar ou condenar quem quer que fosse. O reconhecimento chega de forma que a Arte pré-rafaelista acaba por transformar de vez, a arte britânica, trazendo novos temas, novas técnicas, nova concepção.
William Morris (1834-1896, Arts&Crafts) vem para abarcar tudo isso e multiplicar em ferro, papel, móveis, design e arquitetura a mesma liberdade e fantasia no Art Nouveau cujo parentesco com os pré-rafaelitas podemos facilmente imaginar.
Angela Weingartner Becker