Conviveu com os grandes nomes da época,
Breton, Max Ernst, Chagall, Picasso. Foi amiga de Brancusi. Com Mondrian dividiu
uma exposição em NY. Extraordinário foi o caso que teve com Marcel Duchamp, por
mais de uma década. As cartas que trocaram mostram a união caliente que ligava
os dois e como respiravam juntos o amor pela Arte.
"O Impossível " Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Foto Jaime Acioli
Duchamp tem duas obras importantes que dialogam direta (e ocultamente) com a
obra dela, impactado com a beleza e sensibilidade vibrante da artista.
É preciso dizer que Duchamp foi o
artista mais importante nascido no séc. XX. Foi quem mudou a arte do seu tempo.
Nas últimas décadas de sua vida, trabalhou com o pensamento voltado à brasileira
Maria Martins.
Maria Martins foi casada com o diplomata brasileiro Carlos Martins
que conheceu na França (1920) e este foi seu segundo casamento. Em função disso,
morou em Paris, Bélgica, EUA e Japão, onde o marido foi embaixador. Carismática,
erudita, poliglota, frequentava os artistas que estavam no topo dos movimentos.
Como André Breton, autor do manifesto surrealista. Ela se alinhou desde logo ao
surrealismo.
Trabalha com escultura em madeira em Paris, mas muda a técnica para
“cera perdida”, quando vai morar em NY. Esta técnica sobrepõe camadas sobre
camadas de cera que será substituída por bronze no derretimento quando escorre
para fora, se perdendo. Daí o nome. Esta técnica pede a “mão na massa”. É
visceral, orgânica.
Maria (preferia ser chamada pelo pelo primeiro nome) tem uma
obra de sensibilidade e metamorfose tropical. O surrealismo lhe caia como uma
luva. "Não esqueça que venho dos trópicos" é o nome de uma obra dela. Prezava os
títulos, certamente influenciada por Duchamp (a quem mais influenciou do que foi
influenciada).
A Amazônia é o seu motivo básico. Faz uma exposição em NY com
este título. Neste lugar-amazônia- tudo é úmido e em estado de transformação.
A matéria é o magma que ainda não é. Tudo palpita de vida na sombra
crepuscular eterna da floresta e q ainda traz a memória do caos.
A escultura de
Maria é assim como a Amazônia. É o resultado do fluxo entre as formas vegetais,
animais e humana. Não se sabe onde começa, nem onde termina. Algas, raízes,
lama, formas sexuais, viscerais, corpóreas. Este clima é o próprio fazer de sua
escultura. A vida está no sombrio, no crespo, no indomado. É arrebatador.
Ela
esculpe os mitos deste Brasil mágico e indomado e no mito fundador da Amazônia
reza que todo o ano o rio deve fecundar a floresta. O rio sai do leito pela
noite à procura da mulher mais bela entre as belas. Sai e desliza em meio à
floresta enrosca-se em troncos, folhagens, raízes e segue "derrotando animais,
enlouquecendo os pássaros" à procura da mais bela morena do crepúsculo da mata.
Com a cópula anual, vivifica a floresta.
Assim é a escultura de Maria Martins.
Assim é a própria Maria Martins, esta artista que ressurge agora com força, a
mesma força que arrebatou Duchamp já na maturidade e coberto de fama. Há trabalhos que ele moldou no corpo mesmo de Maria
e que está voyeuristicamente oculto/exposto numa sala do Museu de Arte da
Filadélfia.
Angela Weingärtner Becker