Auguste Rodin (1814-1917)


Rodin teve como ideal o renascentista Michelângelo que ele descobre em uma visita à Itália. Ao contrário dele, porém, que dizia ser necessário retirar a matéria para descobrir a figura que jazia adormecida na pedra, Rodin acrescentava matéria. Nesta concepção platônica de Michelangelo, Rodin seria um escultor “menor”. (Vejam-se seus “Escravos”.... Michelângelo com sua figura “non finita”, não terminada, mostra muito bem como a figura aparece no mármore do qual foi retirado o excesso). Rodin tinha em Michelângelo o seu mestre, mas a técnica era outra. Os tempos eram outros. O historiador de Arte Giulio Argan se refere a Rodin como o “Michelângelo da belle époque”.

No atelier de Rodin, vários modelos vivos andavam livremente. Quando um movimento lhe agradava, ele mandava parar e o modelava. Captava flashes. A fotografia veio influenciar seu modo de conceber a obra. Rilke escreve “Rodin supôs que movimentos singelos, simples, pouco aparentes que um modelo executa poderiam, quando captados rapidamente, conter uma força de expressão que não imaginamos, pois não estamos acostumados a acompanhá-los com atenção concentrada e ativa...assim ele registrou uma quantidade enorme de gestos jamais vistos, sempre perdidos e negligenciados, e evidenciou-se que a força de expressão que deles emanava era extraordinária...”
A Eterna Primavera, Auguste Rodin, MASP
Rodin nunca esculpia diretamente no mármore. Esculpia em argila densa, terracota, e moldava com as mãos. Depois transcrevia para o mármore ou bronze. Inicialmente baseava-se em modelo vivo. Com argila esculpe a forma em miniatura a partir do modelo vivo. Então cobre de gesso a argila ainda úmida. Fazia tudo primeiramente em gesso. Há quantidades inacreditáveis de modelos em gesso feitos por ele, explica Brolezzi, em aula no MASP.  Seu “desenho” era o gesso. A partir do modelo, com seus auxiliares- os canteiros que desbastavam a peça- vai transferir ao mármore. Para o bronze ele tira cópia em cera para começar o processo de fundição.

A Meditação, Auguste Rodin, MASP

O MASP possui duas obras de Rodin: A Meditação e A Eterna Primavera. Para a obra “A Meditação”, existem 12 versões, com algumas pequenas modificações e nomes diferentes. Na época, esta proliferação de esculturas muito parecidas, suscitaram críticas. No Museu D`Orsay praticamente a mesma obra do MASP está com o nome de “Alma Torturada”.  Aparece também como “Voz Interior” e “Alma Tortuosa”.                                                                                                                                                                 Em Rodin a matéria e' épica por si mesma. Muito sensual, sugere mais ao tato do que a visão. Em “Adão” (que está no Metropolitan Museum de NY) toda a musculatura é levada ao extremo. “Tem toda a “terribilita” de Michelângelo, a potência terrível do movimento. O corpo luta com a alma e a anatomia serve ao movimento. Não é realista mas ideal e épica. O movimento e extraído em seu esgotamento máximo”, nos fala Brolezzi.

Auguste Rodin começa sua vida de artista bem tarde. E é tarde que é reconhecido como escultor importante. Ele tinha 37 anos quando a primeira escultura foi exposta.

Na escola, Rodin  foi malsucedido e nunca aprendeu a escrever ou falar com correção, diz Rudolf Wittkower, grande estudioso da Escultura. Mas seu instinto estava sempre à flor da pele. Tinha, aliás, uma alma irascível, principalmente junto às mulheres. O exemplo mais conhecido é seu tumultuado caso com Camille Claudel, mas também com suas irmãs Marie e Rose. Bourdelle, seu aprendiz de escultura, trabalhou com ele por 15 anos e dizia que Rodin possuía a inteligência do fazer e que a teoria de Rodin só podia ser conhecida através de seus alunos e de suas mulheres. “O Sr. Rodin é um pedreiro, sua mão vale mais do que seu cérebro”.
Rodin, de fato, não é ligado ao mundo do intelecto. Ele se lança à matéria com intuição pura, sem erudição. Na obra “A Idade do Bronze” ele teria colocado o gesso direto no modelo vivo, Auguste Neyet, um soldado belga que lhe prestava serviço, conta Donald Reynolds, historiador de Arte. E isso se constituía em desonestidade.
O Beijo, Auguste Rodin

O artista se forma em Bruxelas, depois vai trabalhar em Paris. Segue para Meudon, em 1908, e volta a Paris, para o hotel de Biron que é cedido posteriormente pela prefeitura, desde que seja futuramente transformado no Museu Rodin.

Entre 1902 e 1906 terá como secretario o romântico e delicado poeta austro-alemão Rainer Maria Rilke. Eram opostos em tudo. Trabalham por 4 anos juntos até que Rilke é demitido por Rodin.

A obra que faz de Rodin um escultor das massas será “O Beijo “e “A Porta do Inferno” (6,35m de altura por 4m largura e mais de 20 anos para fazê-la). Será sua obra máxima onde vai se auto-citar em praticamente todas as suas grandes obras, como O Pensador, As Três Almas, O Angustiado e outras.
o Pensador, Auguste Rodin

Sobre “O Pensador” Rilke escreveu “toda a sua força concentra-se no pensar. Todo o seu corpo tornou-se crânio, e todo o sangue nas suas veias transformou-se em cérebro”. Hoje O Pensador, e o Beijo são patrimônios iconográficos da humanidade. Estão em nosso inconsciente coletivo.

Aos setenta anos, Rodin goza o auge de seu prestígio em toda a Europa, Estados Unidos e até no Japão.

O Monumento A Balzac (1891-97) suscita grande polêmica. Ninguém entende a escultura. “'Intimo demais, demasiado recolhido no silêncio de sua vestimenta” diria Rilke. Balzac foi retratado com corpo atarracado, nuca forte de onde levantava-se a farta cabeleira, a cabeça jogada para trás, vestido de roupão com capuz, como costumava trabalhar. O Estado a compra e proíbe que ele a reproduza.

Em 1916, por meio de três doações sucessivas, Rodin cede todo o seu acervo ao governo francês.
Auguste Rodin morre em 1917 e é sepultado em Meudon. Sobre sua tumba está a estátua do Pensador.

Angela Weingärtner Becker



Chaim Soutine (1893-1943)
 

CHAÏM SOUTINE (1894-1943),
UM ARTISTA GENIAL, uma tumultuada biografia

Que forte é a pintura de Soutine! Eu não consigo ficar indiferente. Quando observo, tenho o cuidado de não me deixar levar, não me deixar catapultar para dentro de sua obra. Tenho medo desta viagem labiríntica e ao mesmo tempo sou extremamente atraída pelo abismo.
Sabem como é.
Ele se lançava ferozmente sobre a tela, num ataque febril. Essa “possessão” esta loucura, esta fúria é perfeitamente sentida por nós na tinta pastosa para a qual somos densamente arrastados e absorvidos pelo redemoinho de seus quadros. Trata-se de grande força persuasiva, emotiva e expressiva.
Soutine nasce em Smilovichy, Lituânia, 400 habitantes. Neste minúsculo povoado judeu a pobreza era endêmica, a religiosidade ortodoxa, o conservadorismo absoluto. Sua atividade como pintor foi plena deste gueto (mas sem a doçura de Chagall ). “Os apátridas não abandonam nem renegam as tradições de seus países de origem, pelo contrário, introduzem-nas, combinando-os, na circulação da sociedade cosmopolita” observa Giulio Argan, em seu livro Arte Moderna. Com Soutine, o movimento foi de melancolia e liberação (nunca resolvida) daquela cidade de casas de madeira cinzentas, do tempo frio e cinzento.
Soutine era o décimo de onze filhos de um pai alfaiate e mãe muito dura. Onze filhos, imaginem. o trabalho árduo! Ela, velha antes do tempo, com muito medo, pouca comunicação, muita superstição e, claro, escassa afetividade.
Aos 13 anos, Soutine adora desenhar. Desenha em tudo, tipo muros e paredes. Começa um martírio de crueldades. Era ridicularizado pela família, pelas outras crianças e punido fisicamente. Seus irmãos batiam nele, dizendo que um judeu não devia pintar (as imagens eram proibidas pela religião). Essas pequenas torturas se tornaram um ritual constante na vida do menino q se escondia até que pela fome precisava sair do esconderijo e procurar comida. Mas ao menor ruído na cozinha, era surpreendido pelos irmãos que o aguardavam para bater mais ainda.
Certo dia, aos 16 anos, pediu a um senhor judeu para posar porque queria fazer o retrato. No dia seguinte, seus filhos e amigos pegaram Soutine e lhe deram uma surra. Estava quebrado. Sua mãe, então, deu queixa na polícia e Soutine recebeu a compensação de 25 rublos. Com este dinheiro foi para a cidade próxima, Minsk, para se tornar artista.
As coisas na vida dele aconteciam através da dor e humilhação.
Um ano depois, vai para Vilna e se matricula no curso de Belas Artes. No exame de admissão fica tão nervoso que erra a perspectiva ao desenhar um cubo e um cone, e chora muito. Com pena dele, o diretor da escola lhe dá nova chance. Sozinho na sala se sai maravilhosamente. Faz o curso de três anos com brilhantismo.
É ali que entra em contato com os mestres da pintura universal. É ali que ele busca temas evocativos de tristeza, miséria e sofrimento. Começa a desenvolver um estilo emotivo, agitado, enérgico, personalíssimo. A emoção transborda de seu trabalho e se torna turbulenta e movimentada num expressionismo veemente.
Muda-se para Paris em 1913 e, sendo um expressionista, matricula-se na Escola de Paris. Lá junta-se aos outros artistas em Montparnasse. Conhece Modigliani de quem fica amigo e serve como modelo para muitos retratos. Nos primeiros tempos, em Paris, come do pão que o diabo amassou. Muitas vezes ficava horas parado em frente a um café esperando que alguém lhe ofereça uma refeição.
Conta-se que expulsava os percevejos de sua cama com “o método da panelada” e o do querosene. Que improvisava ceroulas como camiseta. Mas apesar de tudo, para Soutine, os anos em Paris eram menos severos do que os tempos de sua infância. Sua energia para o trabalho o conservava bem vivo.
Seu estilo de empastar a cor era muito diferente de todos embora tivesse influências de van Gogh, El Greco, Rembrandt, Cézanne. De van Gogh tinha a característica profunda da personalidade melancólica e agitada, Cézanne lhe toca na questão espacial, cor, volumes e articulação de planos. El Greco lhe traz a distorção acomodada no espaço comprimido. Copia Rembrandt na pintura das carcaças de animais mortos.
Certa vez horrorizou os vizinhas que bateram em sua porta afim de descobrir de onde vinha o fedor de carne podre q impregnava tudo. Era de uma carcaça de boi q ele tinha levado para casa para pintar. Chamaram a polícia para a qual rapidamente Soutine faz um discurso da importância relativa da arte acima da higiene.
Ele pintava violenta, convulsiva e angustiadamente. Quando pinta paisagens “lemos” árvore, estrada e colina, com sentido diferente, diz Wendy Beckett, historiadora. Seus quadros são delirantes, de grande força, movimento e fluidez pesada.
Mas eis que chega o dia em que a sorte lhe bafeja. Em 1923, o colecionador americano Albert Barnes (que tive a graça de conhecer a fundação na Filadélfia) compra quase toda a sua produção e Soutine sai definitivamente da miséria.
Em 1937 é convidado a fazer parte da exposição dos artistas independentes, coisa rara entre artistas não-parisienses.
Mas chega a Segunda Guerra Mundial. Chaïm Soutine, oficializado como judeu, obriga-se a se refugiar nas cidadezinhas próximas de Paris onde tem de trocar de esconderijo constantemente. Torna-se ainda mais angustiado e doente. Em 1943 sofre uma ruptura de úlcera. Demora o atendimento para ser levado a Paris onde será operado. Morre na mesa de cirurgia.
Pode ser uma ilustração de criança
 Lituânia, numa cidadezinha de 400 habitantes. Neste povoado judeu a pobreza era endêmica, a religiosidade ortodoxa, o conservadorismo absoluto. Sua atividade como pintor foi plena deste gueto (mas sem a deliberada reminiscência como foi com Chagall). “Os apátridas não abandonam nem renegam as tradições de seus países de origem, pelo contrário, introduzem-nas, combinando-os, na circulação da sociedade cosmopolita” observa Giulio Argan, em seu livro Arte Moderna.


 
er Becker