Lucian Freud (1922-1911)




Sempre houve aqueles que rejeitaram a arte conceitual. Em paralelo à desconstrução da figura (arte abstrata modernista) vigorou uma ampla gama de trabalhos figurativos. Persistiam os que queriam a volta da “condição humana” na arte, como representante da tradição.

 Na Inglaterra, nos anos 80, havia um movimento pró-figurativo em decorrência da tradição britânica que considerava a arte conceitual como um desvio da verdadeira vocação da Arte. Queria-se um retorno aos temas humanísticos. É neste lugar que Lucian Freud se coloca. Mas também (e talvez principalmente) no mercado. Este se mostrou magnânimo com ele.



As questões por que Lucian Freud não lograva muitos elogios da crítica e, qual seria realmente o seu lugar na História da Arte, foram perguntas que sempre me fiz. A crítica de arte é, a este respeito, controversa. Há os que destacam a originalidade de Lucian Freud e outros que o consideram um déjá-vu na história da arte. Alguns afirmam que a sua pintura não foi mais artisticamente “necessária” quando apareceu. Seria um artista moderno fora de seu tempo (a arte moderna termina com a 2ª guerra).

 Toda a arte contemporânea (desde o pós-guerra) fez uso ousado do corpo humano. Ele não inventou nada, segundo grande parte dos hitoriadores, em matéria de realismo pictórico relativo ao corpo e à carne. Se considerarmos, por exemplo, ”A origem do mundo” (Courbet, 1866) podemos pensar em repetição, não em inovação. A sua pintura não chega a se ultrapassar e a se inscrever numa ordem simbólica que promove transformações. Seria esta a resposta sobre o motivo pelo qual a crítica não o avalia com o entusiasmo que esperei. Eu, porém, o vejo de forma muito mais entusiasmada. Acho que ele é  extraordinário forte, impactante.

Benefits Supervisor Sleeping, 1995

 Mas o mercado não pensou como a crítica de Arte. O quadro “Benefits Supervisor Sleeping”, 1995, foi vendido por 33,6 milhões de dólares na sede nova-iorquina da Christie's ,um record mundial em leilão, para um artista vivo. E, uma fortuna acumulada de 96 milhões de libras mostram o quanto ele foi procurado e valorizado.

Retrato de Rose, 1979

Lucian Freud é autobiográfico. O conteúdo da sua obra envolve suas esperanças, memórias, sensualidade. Pintou amigos, esposas, filhos (deviam ficar imóveis por longas 13 horas por dia!). A rainha Elizabeth, cujo retrato pintou em 2001, só conseguia pousar 2h de cada vez. O retrato mostra uma rainha ElizabethII bastante masculina, sob uma pesada coroa.O pintor estava tão preocupado em captar a "essência interior" da soberana que descartou um plano mais amplo e a fez em close.Comparou a dificuldade de sua tarefa com uma expedição ao Polo Norte.

Rainha Elisabeth II, 2001

 Nos anos 50, redescobriu para si a arte dos retratos e dos nus realistas. Em geral, seus modelos eram parentes e amigos. Dificilmente retratava quem se destacasse por beleza extraordinária com exceção da top-model Kate Moss e Jerry Hall, ex-esposa de Mick Jagger.


Kate Moss, 2002 Coleção Privada.


Lucian Freud é sobretudo um retratista. Não tinha interesse político ou social. Dizia: “Tudo é autobiográfico e tudo é um retrato, mesmo que se trate de uma cadeira". Freud pintava em superexposição dos corpos, às vezes deformados. E sempre com intimidade chocante. Ele devassava frontalmente seus modelos.Teve influência de Gustave Courbet, Otto Dix, Alberto Giacometti, Francis Bacon e outros.

Produzia seu trabalho isolado no ateliê, alheio ao contexto social.  . Para ele, Picasso era venenoso, Man Ray, vulgar, Max Ernst, pesado e inflexível. Lucian Freud vivia enrolado com pessoas não recomendáveis como agiotas e ladrões. Seu ateliê tinha uma porta de aço com a intenção de proteger o artista e sua valiosa obra de alguns “amigos”. Seus rolos também se estenderam ao terreno profissional. Brigou feio com 6 de seus marchands.


And the Bridegroom, 2001

Uma pergunta que não quer calar: Lucian Freud conseguiria a fama não fosse o fato de ser neto de Sigmund Freud? Seu grande tema era a alma humana – da mesma forma que para seu avô célebre. Isso não pode ser ignorado. A alma humana é o grande tema que jamais será substituído por outro mais interessante.

 O pai, Ernst, era o filho mais novo de Sigmund Freud. A família de judeus deixou a Alemanha em 1933, fugindo dos nazistas que acabavam de subir ao poder, e 6 anos mais tarde Lucian recebia a cidadania britânica.

Hoje, bisnetos do pai da psicanálise e filhos de Lucian Freud revelam por que trocaram a arte por vida tranquila. Lucy e David, filhos do pintor, contam que herdaram o talento do pai, mas abriram mão do reconhecimento artístico. Devem ter sentido o peso do nome. 
                                                        Angela Weingärtner Becker
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Francis Bacon




Nasce em outubro de 1909. É considerado inglês, apesar de ter nascido na Irlanda. Seu pai mudou-se com a família, para Londres no começo da 1ª. Guerra Mundial. Portador de asma, não teve educação formal, e sim com professores particulares. Sai de casa aos 16 anos, rejeitado, quando seu homossexualismo é descoberto pelos pais.

 Em 1925, muda-se para Londres. Posteriormente passa um período em Berlim e na França. Em 1928 fixa residência em Londres. Inicia-se na pintura como autodidata e trabalha como decorador.
Em 1945 já é considerado pintor figurativo importante.




Em 1953, faz sua primeira individual em NY. Representa a Grã-Bretanha na Bienal de Veneza, em 1954. Em 1959 está na Bienal de São Paulo. Uma grande retrospectiva de sua obra foi feita na Tate Gallery de Londres em 1962, e posteriormente em toda a Europa. Em 1964 foi feita uma em NY, no Guggenheim, e no Art Institute, de Chicago.

Francis Bacon morre em 1992 aos 82 anos, sem ter deixado uma produção maciça. Sabe-se que destruiu quase toda a sua obra, nos anos 40. Foi considerado o maior pintor vivo “se você olhar para os outros, verá que não tem muita concorrência” dizia, fugindo ao elogio.

Viveu pegando pesado na vida marginal. Nos anos 20 foi garoto de programa em Berlim e depois Paris. Frequentava festas milionárias e bares underground. À parte disso, trabalhava em regime monástico. Seu atelier era um cenário caótico. Latas de tintas, pincéis, telas, diagramas de filmes, radiografias (usava como modelo), papelada solta. Tudo misturado. 

Em 1959, faz no Brasil, sua 5ª exposição fora da Inglaterra (já navegamos com mais desenvoltura no cenário artístico mundial, ....eram tempos de JK).
Em 1998, na Bienal de São Paulo, tivemos 14 obras do pintor. Foi quando o conheci. Um raio me caiu na cabeça. É assim com quase todo o mundo.

Liberdade, desespero, vazio, absurdo, náusea, metamorfoses, ansiedade. É esta a sua linguagem. Um contínuo embate existencial. Em superfície de várias camadas, dá a sensação de carne mutilada. “Eu pinto sensações, a vida é sensação”.



estudo para um Papa IV






Ele tinha vivido durante a guerra em Paris, escondido em um asilo onde podia escutar os gritos dos prisioneiros mutilados e mortos pelos nazistas. Passa a pintar bocas abertas em gritos. Mas ele pinta não só a carne mutilada das vítimas que ouvia, mas a carne abstrata de todas as vítimas anônimas. Ao mesmo tempo que registra as atrocidades ele as homenageia. Dizia: “Sou otimista. Otimista em relação à nada.” Assim ele sonda uma camada existencial após outra. E tudo deforma e corrompe.


estudo de figura para a base de uma crucificação

Sua pintura trata do sub-humano, do demoníaco. Faz um desvendamento brutal da verdade. Liga-se à Velazquez, a quem idolatrava. Também Picasso. Numa série de 6 quadros, analisa o retrato do papa Inocêncio X, pintado por Velazquez. Pinta inúmeras vezes, obsessivamente. Elimina todos os ornamentos e aprisiona o papa dentro de um ringue de box, imagem que vai ser recorrente em sua obra. Deforma a figura, retorce sem piedade. Desfigura, transforma o que era forte em fraco, o que era severo em maligno, diz Argan, historiador de Arte. Talvez desvendasse o verdadeiro papa, mas não todo e completamente. É como se dissesse “vou parar por aqui, mas poderia ir além”. Argan diz que ele ao invés de espiritualizar o quadro de Velazquez, o corrompe. E Bacon diz “o divino de nossa época é o infame”. Então desfaz a figura diante do espectador boquiaberto.


Francis Bacon volta à figura tradicional, mas só para desvalorizá-la explicitamente. Com brutalidade. Faz a figura e a desfigura. O “sublime”, com ele, ganha o seu velho significado romântico de místico e satânico. Assim rebela-se contra a moral vitoriana que só dá valor a critérios sociais. Faz a figura, em seguida a degrada. Às vezes passa um pano sobre a pintura fresca, acelerando o tempo na tela, o tempo da degradação.

Não se pode dizer que ele pertence ao movimento pró- figurativismo que começava a surgir em oposição ao abstracionismo. Ele continua com o desaparecimento da figura. Ele a dissolve dramaticamente.

Não é difícil constatar que Bacon está em todo o lugar neste mundo contemporâneo. Basta ligar a tv e ver desabrocharrem flores de náusea dentro de nossas casas. Ele diz “quem pode concorrer com as notícias de tv?”.Sim, ele está sim, em todo o lugar: no Brasil e no mundo. Está palpitando sob aparências comportadas.

 Angela Weingärtner Becker