Rembrandt van Rijn

Rembrandt, teve dias gloriosos a ponto de colecionar obras de arte. Casa-se com uma jovem rica com quem tem um filho. Quando sua esposa morre, conhece a dor e a pobreza. Torna a casar-se, agora com sua empregada doméstica com quem tem uma filha. Morre na pobreza e na solidão pintando inúmeros autorretratos. Junto com Frida Kahlo, Egon Schiele, é um dos artistas que mais se autorretratou.

Ronda da Noite
Sua obra é numerosa e uma de suas mais conhecidas composições é a imensa “Ronda da Noite” que pude ver no Rijksmuseum.Um guarda do museu sentava-se ostensivamente em frente ao quadro.Achei desagradável a ideia do homem estar o dia inteiro sentado diante do quadro e observado diretamente pelas pessoas. Que mal estar deveria ele sentir por “atrapalhar” a visão dos observadores! Depois soube que a obra fora atacada em 1975 sofrendo cortes em ziguezague, por faca. Dez anos depois, outro visitante atirou ácido na pintura. Justificava-se, então, o cuidado. Mesmo com os raios-x da entrada e a proibição de carregar na mão, um lenço sequer.

O retorno do Filho Pródigo

Também o belíssimo “O retorno do filho pródigo” uma das preciosidades do museu Hermitage, em São Petersburgo, foi atacado com ácido, segundo a guia, mas não chequei esta informação. Nesta obra, Rembrandt nos oferece um espetáculo de profundo e pungente momento psicológico. Um intenso efeito de luz e sombra (diferente de Caravaggio que retirava as figuras do fundo escuro, sem tempo nem espaço) Rembrandt acaricia as figuras, embala-as em luz atmosférica, criando uma unidade e nos fazendo quase presentes na cena. Sua luz não vem de fora, vem de dentro, do invisível.

Compaixão e perdão passam a ser seus temas-e seus recorrentes autorretratos- depois que “ele sai de moda”, em Amsterdam. Na pintura “A mulher surpreendida em adultério”, a mulher ajoelhada, com a cabeça inclinada em uma poça de luz e seu acusador lhe apontando o braço que o liga à figura de Cristo: “Atirai a primeira pedra aquele dentre vós que estiver sem pecado”. Este quadro é quase uma ópera de grandeza e angústia moral.



Rembrandt com sensibilidade aguçada “até o espasmo” como diz o grande historiador de Arte Giulio Carlo Argan, pinta a mais comovente das naturezas mortas “O boi esquartejado” É uma natureza morta que tem “a imagem mais carregada de dor humana e mais desesperadamente religiosa que a pintura do século XVII europeu jamais produziu” diz Argan. Mais trágica do que uma crucificação ou que um massacre de inocentes ou que a dramática cena de Moisés na iminência de sacrificar seu filho, esta carcaça sanguinolenta pendurada em gancho de açougue, representa toda a dor da espécie humana. Rembrandt existe na carne deste animal e é como se nele tivesse um insigt da condição humana. Conforme Argan este também é um autorretrato do pintor, o mais verdadeiro entre tantos que ele pintou.

Rembrandt nasceu quatro anos antes da morte de Caravaggio e era oito anos mais jovem que Bernini.Nunca deixou sua Holanda natal e nunca viu um quadro de Caravaggio ou uma escultura de Bernini. Mas alguma coisa o uniu a estes dois artistas. A obra deles tem muito em comum, trazem em si o barroco e dentro dele, o universal.
  Angela Weingärtner Becker
Pietro de Cortona-O Triunfo da Divina Providência-1633-1639 Roma

O Barroco inventa a modernidade

O barroco exerce (pelo menos em mim) o fascínio da liberdade. Acredita-se que a modernidade tenha surgido do barroco, como produto da cultura, “arte filha da arte”, onde o imaginário do homem dentro de um sentido de irracionalidade (não seguindo mais rigosamente os cânones clássicos) foi transformada em estética. Já não contava a natureza nem a história como cópia fiel e sim o colorido infinito de tons existências, como fala o hitoriador Argan.
Roma foi o seu ponto de referência. O barroco era urbano por excelência. E aí, está outro aspecto de modernidade, bem como do nascimento do mercado, da propaganda que teve na gravura seu meio de difusão- inclusive nas Américas.
O barroco nasceu religioso (a Igreja católica revalorizou as imagens que a Reforma destronara, disseminou uma nova iconografia sacra com objetivo de devoção em massa e fim último de salvação) e muitas vezes foi considerado “devoto demais” mas extrapolou e se fez laico e político no século XVII e XVIII. Seus representantes eram Michelângelo, Caravaggio, os irmãos Carracci, Bernini, Borrromini, Guido Reni, Poussin, Velazquez, Zurbarán, só para citar alguns, pois a lista é interminável.
O sentimento em vez do raciocínio, a magia em vez da lógica numa concepção distinta, até então, da cultura .Há uma transposição da atividade artística da esfera do intelecto para a esfera da imaginação. A figura, não tendo mais esta ligação com a verdade copiada tal e qual é, passa para o verossímel, e assim é comunicada. Amplia-se sua gama de apresentações, ganha asas, comunica a possibilidade. E isto é modernidade. A figura age na esfera da ação moral e não intelectual(quando a técnica a antecede)o que valia era o apelo aos sentidos. A camisa de força do puramente mental é rompida e agora opera associações, escolhas, ganha autonomia- mas claro sem escapar da sua função útil sacra ou profana, já mencionada. A causa dos afetos é o belo e o belo não mais procede da natureza mas da prória arte “nada é belo em si, mas a beleza pode ser eleita pelo juízo da alma”e persuadem não tanto mais pelo que dizem , mas pelo modo que operam” diz o historiador Argan em seu belo livro Imagem e Persuasão.
“Nas coleções de príncipes e cardeais, os quadros são alinhados na parede, prontos para a consulta” há uma espécie de conversão textual da obra figurativa. Agora é o observador que interpreta e não mais o autor que por autoridade do mental diz o que o outro deve sentir. E isso também é muito, muito moderno.
Barroco, um pouco de seu significado

“baros”- do grego- “pesado” “obscuro”
Nos séculos XVII e XVIII a palavra foi usada como algo contorcido, bizarro, sem clareza, distante da lógica.
Há quem diga que a palavra “barroco” veio do português ou espanhol “barrueco” e fora usada pelos joalheiros para designar pérolas irregulares ou imperfeitas. Apesar de diferentes supostas origens, o significado de obscuridade permanece e se conserva no decorrer do século XVIII.

O Historiador de arte E. H Gombrich observa que a palavra “barroco” teria sido usada pelos críticos de um período ulterior querendo expor as novas tendências ao ridículo e que significaria absurdo, grotesco. Era uma resistência natural.Desejavam manter os cânones clássicos (comedimento, rigor matemático, temas pagãos, habilidade da técnica, etc) já que o barroco lhes parecia uma lamentável falta de gosto. Sabemos muito bem como as novas idéias são rejeitadas, isto não nos é estranho ainda hoje.


Podemos imaginar facilmente a chegada do barroco numa Roma clássica, de linhas retas e sóbrias, onde as imagens valiam por si mesmas com o ascetismo das proporções formais. Mesmo contendo em seu íntimo, características clássicas- o estilo novo sempre traz resquícios do anterior- trouxe grandes controvérsias.


No Barroco nada é rígido, pelo contrário, tudo pulsa espontaneamente, nos trazendo para dentro da obra, tomados pela emoção, pelo movimento e indo em direção ao útil. Comovente, penetrante e sedutora, a arte ganha uma função pela imaginação e esta função é de persuadir. Era o que a Igreja católica impunha pelo Concílio de Trento (durou quase 20 anos..1545-1563) isto é, codificar as crenças católicas básicas demonstrando que não haveria negociação ou acordo com os luteranos. Agora a Igreja adaptava ou destruía livremente monumentos antigos para que falassem a mesma língua de cultura de massa.Todos com a mesma iconografia católica em “mil possibilidades do verossímel” como diz o historiador Argan, numa retórica que “com frieza quase científica, questiona a alma humana e elabora todos os meios que possam servir para despertar suas reações”.Em outras palavras, a arte do barroco deixa o apenas "deleite" do clássico, para entrar no terreno da imaginação comovedora da devoção."Para além do deleite, é preciso buscar o útil", diz Argan.


Fico pensando em como a Igreja católica naqueles tempos, tomou a frente e repercutiu não só na arte religiosa mas também no civil-pois o barroco se estendeu para o mundo civil. Que inoperante é a Igreja hoje!Longe está das reformas...vem a reboco da História e pateticamente vimos que apenas no Concílio Vaticano II, o Papa João Paulo II autoriza o reexame do caso de Galileu com sua posterior absolvição.
Angela Weingärtner Becker

ESTÁTUA GREGA
(wislawa Szymborska)

Apesar da ajuda das pessoas e de outras forças da natureza,
mesmo assim, o tempo teve muito que fazer.
Primeiro privou-a do nariz, depois dos órgãos genitais,
um a um, dos dedos das mãos e dos pés,
com o decurso dos anos, dos braços, um após outro,
da coxa direita e da coxa esquerda,
das costas e das ancas, da cabeça e das nádegas,
e o que caiu por terra, desfez em pedaços,
cacos, cascalho, areia.

Quando algum dos vivos morre desta maneira,
a cada golpada, muito sangue escorre.

As estátuas de mármore, porém, perecem brancas
e nem sempre até ao fim.

Da estátua, de que aqui se fala, resta o tronco
que, em esforço, parece suster a respiração,
pois agora tem
de atrair
a si
toda a graça e peso
do resto que se perdeu.

E consegue-o,
ainda o consegue,
finge e deslumbra,
deslumbra e perdura –
E, aqui, também o Tempo merece um elogio:
deixou para amanhã
o que podia fazer hoje.




Giovanni Bellini e a Virgem com o Menino de pé

  Giovanni Bellini é um pintor da Renascença. Nasce e morre em Veneza (1430 - 1516). Sua importância no cenário da pintura veneziana é inquestionável.
Bellini faz numerosas madonnas (cerca de 15) e todas elas mantêm alguns atributos comuns sendo também de aspecto contido, como que prevendo o sofrimento do filho.Ela sofre sem se expor. Só mais tarde Antonello da Messina, vai fazer as “virgens sentimentais”.
No quadro A Virgem com o Menino de pé, há uma murada onde se apóia o menino que está pintado como se fosse mármore policrômico. Bellini tira proveito da técnica a óleo que dá ao manto da Virgem um aveludamento excepcional.O crítico de arte Berenson diz que seus panejamentos são tão macios  que “dá vontade de tocar”. A tecnologia do óleo cria condições do artista avançar na perfeição da imagem.
Percebemos que a obra “A Virgem com o Menino de pé” tem a forma triangular. O número 3 é realacionado  ao sagrado, desde o tempo de Pitágoras.A Virgem segue a iconografia, as regras pré-estabelecidas, uma gramática de antemão determinada. Cabe ao artista retirar  belezas diversas destas regras sem infringi-las.
A Virgem tem suas vestes em duas cores: o vermelho que significa terra e o azul que significa céu. Também isto é regrado. Platão já falava nesta síntese do mundo sensível e do mundo inteligível que aqui nas vestes de Maria é representado por estas cores.
Vê-se no quadro uma cortina que separa a paisagem da figura, fazendo um espaço matematizado para o pintor melhor distribuir os elementos, mas principalmente para representar a divisão dos mundos espiritual e material. O espaço sacro é separado do espaço terreno, e a Virgem e o menino se situam num tempo incorruptível. A paisagem é o mundo que passa, é o tempo do precário, daquilo que fenece.
A mureta serve para aqueles que observam a obra, do mundo sagrado da Virgem e do Menino. Giorgionne será um dos primeiros pintores de Veneza que pintará a paisagem sem separação, acontecendo no mesmo espaço, o sagrado e o profano. Isto acontece mais ou menos em 1505.
A representação em meio corpo é típica de Veneza e que nos diz  que só podemos ter acesso a um fragmento do sagrado. A verdade por inteiro só pode se revelar aos iniciados.
Os venezianos rejeitam a perspectiva pois sua cultura é ligada ao bizantino, dada ao grande comércio da cidade com o Oriente.Veneza será até o começo do século XV , a mais rica cidade do mundo porque mantém o monopólio  do comércio do Oriente.esta é uma das razões por que Veneza dialoga com o greco-romano, o medieval, o Renascimento e a pintura Flamenga.
Em 1504, Bellini pinta um quadro que sai fora do tema do Cristianismo.É o único quadro não-cristão do artista.O tema é pagão: ritual de Baco. E o gênero da paisagem nasce aqui.Com isto surge um novo capítulo da pintura de Veneza mas que só 100 anos depois foi difundida.
                                                            Nota: o texto é baseado nas aulas de História da Arte do Masp.
Angela Weingärtner Becker