François Clouet

François Clouet  (1510-1572)

A carta Amorosa, François Clouet
É considerado o maior pintor e desenhista francês da segunda metade do século XVI. Vindo de uma família de artistas, seu pai (Jean Clouet) foi pintor oficial de Francisco I, rei da França (foi ele quem deu início à construção do Louvre). Seu filho François segue os passos do pai e realiza magníficos retratos da realeza, pintando durante quatro reinados franceses, Francisco I, Henrique II, Francisco II e Carlos IX.

Francisco I Jean Clouet(pai de François Clouet)
Além de retratos, pinta cenas mitológicas com uma percepção satírica da política. É preciso ter perspicácia para decifrar suas imagens carregadas de códigos e representando as intrincadas rivalidades da corte. Sem conhecimento da História da França, é impossível decifrar todo o universo das representações. Renato Brolezzi, em sua magnífica aula, diz (referindo-se à obra do MASP) "esta obra é uma síntese do universo político, cultural, religioso da França pois o pintor Clouet confere sentido duplo ao episódio de Diana surpreendida por Acteon no banho". Irritada, a deusa transforma o caçador em um cervo para que seus cães o estraçalhem. Ao mesmo tempo aborda a morte do rei francês Henrique II e o casamento de Maria Stuart com o sucessor Francisco II(os traços de Diana são os de Maria Stuart e os da ninfa, de Catarina de Medici). No caso, o quadro escandaliza. Como teria o rei permitido tema tão satírico onde as duas famílias rivais(Guise-católicos e Condé-protestantes) são tão obviamente expostos? É que rei é rei, e ele estava acima das sátiras, ridículos que porventura seriam pintados. Mesmo que a única mídia disponível da época fosse a pintura, ora como entretenimento, ora como conhecimento, toda a sub-realidade dos palácios era pintada para quem soubesse "ler".

O Banho de Diana, François Clouet,1559-1560 (MASP)

As mulheres pintadas muito brancas- pois o mundo do trabalho degrada - esta era a ideia.Quem trabalha de sol a sol tem a pele bronzeada, logo é inferior. E além do mais, a nobreza, a política,  a religião são “brancas”. A alvura da pele é sinal de superioridade. Isto não passa pelo código racial. Assim como os seios à mostra não passa pelo código da erotização, mas da nutrição.
Dama no Banho-François Clouet 1570

O século XVI, em que Francisco I trata de trazer artistas do Renascimento italiano num projeto claro de renovar a cultura francesa (isto é, substituir o gótico pelo Renascimento italiano). São trazidos (entre outros) Leonardo da Vinci a quem o rei empresta uma residência em Cloux (2 anos depois Leonardo acaba morrendo lá, nos braços do próprio rei com quem tinha feito amizade). Esta presença dos italianos é fundamental para a França fazendo com que o Renascimento e o Gótico acabem dialogando, mesmo que com cem anos de atraso em relação à Itália.

O sfumato de Leonardo (técnica que não tem linhas delimitando as figuras, luz e cor fazem a atmosfera de “fumaça” numa transição suave entre os elementos do quadro) é apenas um dos muitos legados que os pintores renascentistas italianos trouxeram para a França.
Angela Weingärtner Becker

Frans Hals (1581-1666)

autorretrato

Não sabemos exatamente a data de seu nascimento.Foi, porém, entre 1581 a 1584. O lugar é ao norte da Bélgica, Antuérpia. Morre em Haarlem, Holanda onde viveu toda a sua vida.
Seus pais, são obrigados a fugir para Haarlem quando as tropas espanholas invadem a Antuérpia (em 1585 dizimam quase metade da Holanda).

Catharina Pietersdr. Hooft com o filho
Em 1610 Hals, com 17-18 anos já era pintor de atelier, especializado em retratos de cunho naturalista, como exigia a época. E, como diz o professor historiador de Arte Renato Brolezzi, “seus retratos são uma aula de antropologia do século 17” A indumentária serve a um parâmetro ético de comportamento do mundo protestante. A partir de 1517, Lutero, na Alemanha, traz uma nova maneira de pensar a fé. E, na sociedade dos Paises Baixos predomina o mundo calvinista. É a terra do trabalho e da tolerância. Há uma convivência pacífica entre as religiões: judeus, católicos, luteranos, calvinistas. A próspera Holanda, vai receber Espinoza, Descartes e a grande ciência experimental. Lá inventa-se o microscópio e também o telescópio (que depois Galileu vai aperfeiçar).

Descartes-Frans Hals


Ali neste espaço avançado da Europa não há aristocracia de sangue. A oposição é camponês/burguês. O comércio será a atividade que reinará. A bolsa de valores terá um grande momento. As bases do capitalismo não vêm da Inglaterra mas da Holanda. É aqui que nasce o empreendedor e será ele, o “aristocrático” burguês, na verdade. Ali não existe a classe clerical. E há uma interdependência das 12 províncias dos Países Baixos (a Holanda é uma delas). Não havia exército. As milícias fazem a ordem da cidade.

 Maria Pietersdochter Olycan

Tudo isso para explicar os retratos tão abundantes nesta sociedade onde havia gente muito rica e em grande número. O retrato tinha códigos, e Franz Hals pintava mais do que um mero homem de carne e osso. Captava o momento e este era quase sempre de júbilo, de orgulho e de alegria. Nas vestes suntuosas, no olhar penetrante, no leve sorriso o poder pessoal estava representado numa espécie de teatralidade. A ambiguidade oblíqua denunciava a astúcia da personalidade, numa enciclopédia de sentimentos. O impiedoso realismo nórdico declarava e escondia  a verdade no pincel de Hals.

Oficial Sentado, 1631 ( Obra do MASP)
Eles não construiram sobre o pântano roubado ao mar? Frans Hals construía seus retratos como se constrói sobre terreno profundo. Edificava através das tintas. Nesta sociedade, “casar era como comprar ações” ( diz Renato Brolezzi em sua magnífica aula de Arte). O homem é público, a mulher é privada. Daí a mulher sempre representada no trabalho, no âmbito do lar. “Eros sublimado”. Estava posta a necessidade do comedimento pessoal luterano para só depois conquistar o mundo.
O cavaleiro sorridente


Frans Hals usufruía do intenso mercado de Arte que circulava nesta rica sociedade. Todos tinham o direito de ter em suas paredes uma obra pintada: um retrato.
As milícias pintadas tinham uma nova ordem, uma nova idéia de indivíduo.Tudo Hals pintava sem esquecer da exploração psicológica de cada um. Dentro do coletivo, a diferença. Na pintura, as pinceladas não eram disfarçadas mas faziam parte da obra construída.
 Angela Weingärtner Becker

Jacques-Louis David (17481825)

autorretrato
“Pintor de Napoleão” é o pensamento que nos ocorre logo que deparamos com este nome. Foi o mais representativo artista do neoclassicismo francês. E, sim, pintor oficial da Corte Francesa e de Napoleão Bonaparte. Só com a queda  deste, é que ele perde sua relação umbilical com a política.

David fica órfão de pai muito cedo e é enviado para que seus tios tomem conta de sua educação. Por sofrer de um tumor na face que afetava sua fala, passa o tempo a desenhar. Contrariando seus tios e mãe que o queriam arquiteto, consegue entrar para o atelier do seu primo e maior pintor rococó de sua geração, François Boucher. Mas este o aceita por pouco tempo e envia-o para Joseph Vien, artista que já trabalhava na linha classicista. Em seguida David ingressa na Academia Real de Pintura e Escultura de Paris.

Madame Recamier

Suas pinturas não tem o sinal da mão, do pincel, parece que tudo já nasce na tela, feito por si. A superfície lisa das obras tem a ver com o desejo do pintor de unir os elementos de forma harmoniosa. Assim era "a graça" romana e antes dela, a grega. O objetivo neoclássico era buscar a beleza platônica jamais vista pelo olho e jamais esculpida pela mão humana. É uma idéia que jaz no intelecto e lá fica sempre como idéia impossível de se realizar.(O que vai suceder a esta escola é o romantismo que também tem o inalcançável o amor, beleza, virtude.)

O rapto das Sabinas
David, como todo artista que se prezava, viaja a Roma. De lá regressa à França de cabeça feita pelos novos ideais neoclassicistas. No seu quadro “O rapto das Sabinas" apesar das alusões a um acontecimento da história antiga, pode ser visto também como o assalto à Bastilha que, sabemos, era a prisão do Estado cuja queda marca o início da revolução francesa. A figura central (feminina) é a França, sem dúvida.

Napoleão cruzando os Alpes

David foi contratado como propagandista da Revolução porque ele já pintava de maneira clássica (oposta ao Rococó) e seus valores morais correspondiam aos valores defendidos pela Revolução.
Poucos estadistas foram tão apoiados pela propaganda como Napoleão. Uma poderosa imagem: "Napoleão cruzando os Alpes”. Junte-se emoção romântica e técnica clássica e temos o quadro em que Bonaparte exorta seu exército a atravessar os Alpes (empreitada quase inviável, só conseguida pelo general cartaginês Aníbal em 218.a.C.) Grandeza e determinação heróica é o que David exprime nesta obra.

A Coroação de Napoleão Bonaparte

Nobreza, heroísmo e sobretudo audácia, vemos no quadro “A Coroação de Napoleão Bonaparte”.Quadro de dimensões públicas (6,21mX9,79m) pintado por David nesta famosa ocasião (na Notre Dame,1804) em que Napoleão faz seu auto-coroamento e o da imperatriz Joséphine (o papa Pio VII havia sido convidado para fazer o ato, mas na hora “h” Napoleão retira de suas mãos a coroa, deixando claro que ele era o Poder, na França). Jacques-Louis David mostra, com evidência, o sentimento de frustração do papa. Na Roma antiga, nos desfiles triunfais, diz o historiador de Arte Sthefen Jones, um homem comum era colocado ao lado do general vitorioso para recordar-lhe que era apenas humano. Napoleão não tinha dúvida de que era divino.O deus Marte, certamente.

Na pintura "A morte de Marat” que retrata o assassinato do revolucionário francês, em casa, na banheira (ele sofria de dores que só se amainavam em água tépida) a inscrição À Marat, David que aparece na caixa, indica uma homenagem a Marat, que o pintor conhecia pessoalmente e que teria visto na véspera de sua morte tal como ali representado "esta pintura é a pietá da revolução francesa" diz Rodrigo Naves, crítico de Arte.

A morte de Marat

Exilado em Bruxelas, Jacques-Louis David falece,  por acidente, na saída do teatro.

Napoleão cai e, muitos artistas que tiveram ligações bonapartistas,foram demitidos ou exilados. Joachim Lebreton reune um grupo interessado em vir para o Brasil (Debret, primo de David, está no grupo). Aqui, com o barroco fortemente instalado, não havia interesse e nem mercado para a arte profana dos franceses. Mesmo apoiados pelo rei, a missão é recebida como importuna tanto por portugueses quanto por brasileiros. Diante de tantas dificuldades  Nicolas-Antoine Taunay abandona o país em 1821 (ano da morte de Napoleão). De todos os que vieram foram aproveitados pelo governo apenas cinco integrantes: Debret, Nicolas Taunay, Auguste Taunay, Montigny e Ovide.
Angela Weingärtner Becker
Johannes Vermeer (1632-1675)

Vermeer, autorretrato

Vermeer certamente foi um pintor barroco, como Franz Hals, como Rembrant. Se for para fazer um ranking de fama, ele estaria atrás apenas de Rembrant naquele século de ouro da arte holandesa. Ele vive toda a sua vida em sua terra natal, onde é sepultado na Igreja Velha de Delft.

Sabe-se que casou com Catharina Bolenes com quem teve 15 filhos.Viveu pobremente como diretor da guilda de pintores de São Lucas e seus rendimentos saíam do comércio de arte e não da venda de seus quadros. Trocava, às vezes quadro por comida. Quando morre, sua viúva vende tudo ao município e assim obtém uma pequena pensão.Um recurso usado para que aumentasse o valor dos quadros foi que, por vezes, eram vendidos com assinatura “alugada”. Imagina!

Vermeer morre aos 43 anos e é esquecido por um bom tempo, até que um artigo sobre ele é escrito em uma revista de prestígio. Só recentemente (1866) passa a ser reconhecido como o segundo maior pintor dos Países Baixos. (Há um filme feito em 2003 sobre sua vida "Moça com brinco de pérola".Filme de Peter Webber com Scarlett Johansson, Colin Firth.

Moça com brinco de pérola-Vermeer

Dos cerca de 70 trabalhos que fez, apenas 40 são validados como autênticos. Marcel Proust visita uma exposição de Vermeer em Paris e vê no quadro “A vista de Delft” um dos mais bonitos de todos os tempos. Há um relato em sua obra, da personagem Bergotte, que vai ao Louvre pouco antes de morrer quando medita sobre vida e a morte. Proust havia visto o quadro algumas semanas antes. Trata-se de uma paisagem, coisa rara na obra de Vermeer.

A vista de Delft-Vermeer
Johannes ou Jan Vermeer era um pintor de ambientes internos, quartos fechados onde mulheres são vistas muito envolvidas com o seu próprio trabalho. Sempre absortas numa espécie de santificação do trabalho doméstico. Há uma serenidade nos rostos e nas coisas como se elas tivessem parado o tempo e a eternidade entrasse no espaço e as imobilizasse. São mulheres protestantes, cujo trabalho está consagrado pela religião e elas, ao invés de ajoelhar e rezar como as santas católicas, elas trabalham. Há uma separação do tempo do trabalho como um tempo metafísico.O cotidiano se estabelece uma realidade perfeita. É uma dimensão íntima, exalada de cada uma, numa proximidade com o expectador mas também- e ao mesmo tempo-como distanciamento velado.

A Leiteira-Vermeer

Mulher segurando uma balança-Vermeer

Mulher de azul lendo uma carta-Vermeer
Cada uma parece ser uma natureza morta onde as coisas se comunicam entre si. A paisagem a que Proust se refere A vista de Delft, é também  praticamente uma natureza morta, tomada pela placidez e atmosfera unificadora.
"A mulher de azul lendo uma carta" esteve recentemente no Brasil, em turné antes de retornar a Amsterdã para a reabertura do Rijksmuseum.
 Angela Weingärtner Becker