Wassily Kandinsky (1866-1944)


Nasce em Moscou, em família abastada e culta. Desde cedo entra em contato com a Arte, principalmente a música. Com a música dodecafônica, por toda a vida, terá uma relação orgânica. (a música atonal –Shönberg, Stravinski- serão importantes para ele porque fogem do previsto, mostram o espanto, reelaboram o código tradicional).
Amarelo, vermelho e azul
Em 1896 vai à Munique, centro cultural da Europa. A cidade atrai artistas e cientistas. Embora a formação artística se dê em Munique, e ele ser um homem cosmopolita, está imbuído da cultura russa. Traz consigo a imagem do vitral, as procissões ortodoxas russas, o colorido, as formas flutuantes. Ele dirá “As formas só têm sentido se expressarem energia”. E assim faz um mergulho na cor como sendo um elemento quase místico. Ele buscava uma reelaboração da vida, uma energia vital cujo nascedouro era a música.

ComposiçãoIV
 Ocasionalmente misturava areia em suas cores para trabalhar a textura. Fala muito na “impressão” como sendo um estímulo do mundo exterior que pode ser pintado. Rompe com a representação, com a solidez geométrica e abre para outros estados de consciência. Pinta o seu interior. A música pura será o fermento da sua pintura abstrata. Pretendeu que as suas formas fossem sutilmente harmonizadas para ressoar com a própria alma do observador.Diante de sua obra é preciso parar tudo.Desarmar-se e ter um olhar puro.Descontaminar-se tanto quanto é possível e deixar que a imagem entre e fale por si, pela sua geometria, pela sua cor. Há harmonias internas a descobrir. Há o diálogo entre as diferenças, entre as semelhanças, equilíbrios e desequilíbrios se organizando em microcosmos de átomos.

ComposiçãoVII

A pintura de Kandinsky não busca agradar os sentidos, nem representar nada. Não há mímeses. São harmonias de cores quentes e frias. É como uma música que é feita de acordes. Está apresentando uma harmonia secreta. Não é fácil despojar-se diante de suas telas, mas esta atitude é fundamental para a apreciação da obra.É quase dizer, “dispa-se e assim veja Kandinsky”. Ele busca a pureza das sensações primárias. É absolutamente musical. Quando perguntaram a ele o que significava uma determinada obra sua, ele responde “Isto se significa”, diz o professor Renato Brolezzi em suas magníficas aulas- na qual este artigo é baseado.

Kandinsky é considerado o primeiro pintor ocidental a produzir uma tela abstrata. É como se dissesse “Não procurem buscar elementos do mundo. Mergulhem nas cores para despertar estados de alma para além do visível”. Kandinsky conhece a teoria das cores a fundo.
Kandisnky será, em sua volta à Rússia, Ministro da Educação. Em 1923 Stalin dá o golpe e vai proibir este tipo de Arte. (a arte que transforma sempre é proibida pelo autoritarismo!). Quer implantar a arte que o povo entende (ou seja, quer manipular pela arte) Kandisnky “fala” em suas pinturas, de liberdade não atrelada às regras dadas e é considerado lá como “arte burguesa decadente”.


Em 1921 deixa a Rússia e vai para Berlim. Desgraçados, a maioria dos pintores russos da época se suicida ou foge. Uma longa agonia da Arte acontece na Rússia. Graças a Paul Klee torna-se professor da Bauhaus, centro de vanguarda, escola de artes aplicadas. Kandinsky ensina vitral, tentando trazer para a Bauhaus a nova espiritualidade, a nova poética.
Em 1933 Hitler termina com a Bauhaus. O nazismo tem um projeto também estético (eliminação do imperfeito, do doentio). Para o Nacional Socialismo (nazismo) não pode haver o triunfo do indivíduo forte e criativo. Isto é mortal para Kandinsky, que ganha o rótulo de “cancro da bolchevização da Arte”.
Em 1937-com a famosa exposição de Arte Degenerada- estão lá presentes Paul Klee e Kandinsky. Ele foge novamente a Paris. Sua vida é uma história de deslocamentos e rejeições. Mudou duas vezes de nacionalidade (alemã e francesa). Quando os nazistas invadiram a França, estava velho demais para nova mudança e cuidou de viver na obscuridade. Tornou-se discreto e viveu tão delicadamente quanto suas pinturas.

Morre aos 78 anos aquele que fez uma das maiores revoluções de todos os tempos, comparado no campo das artes com a grandeza de Einstein e Freud. Junto a Piet Mondrian e Kasimir Malevich, Wassily Kandinsky faz parte do "trio sagrado" da abstração, sendo ele o mais famoso. Em recente visita ao Museu Russo, quase nada de Kandinsky havia. Mas, durante toda a visita (falada em russo e traduzida para o espanhol por Olga) conheci a tradição que afinal de contas, conta muito, conta sempre, na obra de todo o artista.
Angela Weingärtner Becker

Henri Matisse (1869-1954)



Confesso que ao percorrer o Hermitage, bem no fundo de mim pairava um desejo especial, quase como o impulso propulsor da visita. Tratava-se de ver o icônico quadro de Matisse: “A Dança” (1909), feito especialmente para Sergei Shchukim.  É a mais famosa obra (e também a de maiores proporções) que, junto com “A Música” foram feitas especialmente para decorar sua mansão-palácio. Este mesmo colecionador de arte comprou 258 famosas pinturas que incluem Picasso, Monet, Renoir, Cézanne,van Gogh, só pra citar alguns. Foi a maior coleção particular de arte moderna antes do MOMA de NY, como disse o professor de História da Arte, Renato Brolezzi. Com a revolução de 1917, o governo apropria-se da sua coleção.

A Dança
Também no Hermitage encontrei -entre muitos Matisses- o famoso “A Conversação” onde um casal conversa, estáticos como numa pintura bizantina, tendo entre eles uma janela-surpresa que se abre dentro do azul parado.Na falta de anatomia e silêncio do casal, uma iluminada janela. Não há conflito, em Matisse nunca há conflito. Há verossimilhança e equilíbrio absolutos.

A conversação

Matisse nasce de uma família modesta, entra no curso de direito na Sorbonne, e perde-se num mundo mercantilista até que uma crise de apendicite (mergulhei na crise absoluta, diz) funciona como uma revelação e lhe abre caminho para pintura. Abandona o curso e toma aulas de desenho. “Quando comecei a pintar, senti-me transportado ao paraíso” diz ele, embora a arte lhe imponha solidão, sacrifício e até uma certa dose de heroísmo.

      Entra para a academia de Belas Artes onde conhece o pintor simbolista Gustave Moreau, de uma sensibilidade bastante aflorada, que retratava sempre a femme fatale, o poder feminino que pode destruir o homem, temática simbolista.

É o fin-de-siècle, é Paris.

Estúdio Vermelho

Matisse vai comprar obsessivamente, tapetes orientais, viaja ao

 norte da África, ao deserto. Esta experiência vai fasciná-lo.

Em 1896 casa e tem dois filhos. Amélie Parayre, trabalha para

 manter as crianças e o próprio Matisse. É esposa e provedora.

      Como a maioria dos pintores, Matisse também vai até a

 Provence, atrás da luz. Lá encontra Signac e Seurat, pontilhistas,

 que dão um caráter científico à cor. Pela cor, Matisse vai dar

 suntuosidade a cada quadro seu. “A cor tem um valor expressivo

 em si mesmo”. É como se dissesse que quando pinta um verde,

 não significa grama, mas “o verde”. Ele pinta “o azul”, não pinta
 o céu.
Odalisca

Matisse faz uma arte em que busca a voluptuosidade da cor. Não

 há perspectiva, há cor. Tudo é plano e de uma harmonia cromática

 “de poltrona confortável”. Ele mesmo disse “eu sonho com a arte

 da serenidade, algo como uma boa poltrona em que se descansar”.

 De fato, a tapeçaria, as tramas, as cores brilhantes, os estampados

 fazem o mundo de Matisse. É preciso ter um olhar primitivo e algo

 oriental para apreciar Matisse.

 nu azul


      No final da vida, já doente, ele, com a motricidade fina

 prejudicada, recorta.”Agora me restou pensar a cor como objeto”.

 Ele recortava e colava a cor.

Matisse e Picasso fazem a dupla dos maiores pintores do século

 XX. “Mademoiselles D’Avignon” de Picasso e “A Dança”de

Matisse, são os dois grandes quadros modernos.

Angela Weingärtner Becker
Antônio Canova (1757-1822)

Conforme a lenda de Cupido e Psiquê, após noites de amor intenso e anônimo na escuridão, Psiquê acende uma lâmpada e a levanta à altura do rosto do seu amor deitado em seu leito. Curiosa, queria conhecer quem tanto prazer lhe dava. A lâmpada cai e derrama azeite quente sobre Cupido que...foge para sempre. Ao conhecê-lo, ela o perde.
Cupido e Psiquê

Está aí um grupo escultórico que gostaria de ver “Alla tenue lampada” passeio noturno com lanterna, que é feito no museu de Antônio Canova, em Possagno, Itália, sua cidade natal. Porque é assim que “Il cantore della bellezza eterna”, maior escultor do neoclassicismo, um novo Fídeas, deveria ser visto. Ao menos esta escultura que tive a graça de ver duplicadas, tanto no Louvre como no Hermitage.


As três graças

Antônio Canova se reporta com perfeição à escultura grega. O esplendor do corpo feminino, o sonho, a paixão contida, tudo parece flexibilidade e não pedra. De imediato ele nos carrega junto com a dança que são suas esculturas. Com suavidade, leveza, voamos com ele. O vento nas vestes, a delicadeza dos gestos, a dulcíssima sensação de estar entre bibelôs gigantes.O branco se torna luminescente sem deixar de ser carne.

Canova tem mesmo uma estreita relação com a dança. É apreciador, frequentava o teatro, era apaixonado pela música e tinha um amigo, bailarino e coreógrafo, Carlo Blasis, do teatro Scala di Milano, autor de uma enciclopédia de dança.

A grande Guerra foi violenta para as obras de Canova. Braços, mãos, asas de anos, narizes e detalhes tiveram de ser reconstruídos.
Desde Bernini foi considerado o melhor escultor. E foi referência por todo o século XIX. Quem vê Canova logo pensa em Jacques-Louis David, também expoente do neoclassicismo, porém como pintor.

Orfeu

Como muitos, foi enviado à Roma, cidade-museu, para estudar. Teve sucesso imediato. Obteve as graças do Vaticano, as graças de Napoleão Bonaparte. Encomendas e ofertas de toda a Europa. Isto lhe causou grande estresse e dor. Teve seu peito afundado por um apetrecho de escultura -o trapano- que lhe comprimiu o esterno. Foi preciso largar a escultura e dedicar-se à pintura. Passeia pela Alemanha, Áustria onde a arquiduquesa Maria Cristina lhe encomenda um monumento mortuário chamado cenotáfio que se revelou o melhor de todos já feitos.

      Monumento à Maria Cristina da Áustria-detalhe
Em 1802 é convidado por Napoleão para fazer sua estátua. Fica seu amigo pessoal bem como de David, pintor oficial da corte. Também o papa lhe dá o cargo de Inspetor geral das Antigas e Belas Artes do Vaticano. Ali trabalha com gosto e resgata  o espólio artístico arrebatado da Itália. Entre eles o famoso Laocoonte.
Antônio Canova

O grande escultor, era simples e frugal. Discreto e culto. Inteligente e afável. Sempre disposto a ajudar os iniciantes.Generoso a ponto de comprar obras de Arte e anonimamente entregá-las a museus. Gostava da rotina, levantava cedo e trabalhava sem parar. Por duas vezes quase se casou, mas permaneceu solteiro. Homem de poucas palavras, ele falava através do mármore polido com perfeição. Sua obra tem luz de dentro para fora. E voam, e deslizam e dançam.

Gustav Klimt—1862-1918
Gustav Klimt

Estar em Viena, justo no ano em que são festejados os 150 anos de nascimento do pintor austríaco Gustav Klimt, foi para mim um esplendoroso acontecimento. Pude ver grande parte de sua obra, tanto no Museu Belvedere, no Leopold Museum e no Museu de História da Arte. E -o que me agradou muitíssimo- sempre havia a comparação da obra de Klimt com a de Egon Schiele, meu pintor preferido.
Precoce, desde os 14 anos, quando ingressou na Escola de Artes Decorativas, logo foi reconhecido como talentoso.
Destacou-se dentro do movimento Art Nouveau austríaco, aliás foi seu expoente. Fez muitos afrescos em instituições importantes. Destes -Filosofia, Medicina e Jurisprudência- destinados ao auditório de uma universidade, causaram escândalos por serem considerados "perigosamente radicais", pornográficos e perversos. Corriam os anos de 1900 a1907. Em maio de 1945 todas as três pinturas foram destruídas pela SS nazista.

Emily e Klimt

Pude ver os murais, a pintura dos cantos e dos intercolúnios (espaços de pintura entre colunas) do Museu de História da Arte. Com as mulheres ali representadas fiquei pasma ao ver como estão perfeitamente bem inseridas naquele prédio barroco! Evocam o clássico, o bizantino,  mas são modernas, ao mesmo tempo.Que mágica, este homem fez!
Klimt foi generoso em vida. Sustentava seus parentes, atendia a família, mãe e irmã. Ajudou dois irmãos que também trabalhavam em arte. Teve várias mulheres (elas estavam disponíveis a ele em sua porta do atelier, conforme explicou a guia). Teve também vários filhos -14 filhos- dos quais só reconheceu oficialmente 3 deles. Adorava gatos e chegou a ter 22 felinos que, com certeza, inspiraram a elegância de suas figuras.O garbo, o mistério felino está presente no tema principal a que se dedicou: as mulheres.

Sua reputação de pintor de excelência virou moda na Áustria e era  requisitado em abundância pelas mulheres, para serem retratadas. A alta sociedade queria ser imortalizada pelas suas mãos. Com Emily Flöge teve interessante relação. Em seu atelier, em meio a  mulheres desnudas, ele, sempre vestido com uma bata até os pés, fazia uma figura dândi, moda da época.



Aliás, época de Freud, que muito influenciou sua pintura com a teoria do incosciente, do amor, dos sonhos, da morte. Sua pintura mostrava o erótico, a sexualidade, a morte.  Cheio de simbolismos, ele mesclava Grécia antiga com vestuário contemporâneo.O vestuário ganhava tratamento com muita ornamentação enquanto o rosto clássico permitia a identificação da retratada.O exotismo lhe dava um toque universal de tempo e espaço.A época descobria a beleza oriental.

 Mas, claro, Klimt tinha críticos e rejeição. Por usar espaços imensos de vazio, por usar muito dourado, por ser incompreensível em suas alegorias, por ser banal, inclusive, foi acusado.


O que sei é que diante de “O beijo” ou “Der Kuss”  (1907/1908), auge de seu período dourado, precisamos parar e contemplar. É de uma beleza rara, dourada, extasiante. Homem e mulher formam uma única massa, ele com ornamentos retangulares nas vestes e ela de flores vestida.Os dois sobre um ninho de flores miúdas e cintilantes. Reflexos dourados, bizantinos. Erotismo e dor, difícil distinguir um do outro. Eros e Tânatos. A obra hipnotiza. É necessária uma firme determinação interna para sair de sua frente porque parece que o lugar pra se ser feliz é ali.
“O beijo” é uma das mais populares e reproduzidas obras de arte no mundo. 
        Angela Weingärtner Becker