Henri de Toulouse Lautrec (1864-1901)

De Toulouse-Lautrec, muitos de nós têm em mente, mais do que seus quadros e cartazes, o seu porte físico: 1,52m de altura. Seus membros inferiores, aos 14 anos, após duas quedas consecutivas, param de crescer. Seu dorso é de tamanho normal. É errado dizer que ele era anão. Ele nasce com propensão à deformidade dos ossos. É de família rica e aristocrática. De uma aristocracia decadente, sem poder político mas ainda com posses e valor simbólico. O pintor não depende de seu trabalho para viver.

 Alone
Sai de sua casa em Toulouse (cidade que sua família dá o nome) e vai a Paris para tentar ser pintor. Sua mãe zelosa o acopanha, mas não fica em Montmartre, onde o filho se instala. Ela passa a morar em uma propriedade nos Champs Élysées. Montmarte é o lugar dos artistas, das prostitutas, dos operários, teatro de variedades, circo, cabarés, bordeis. Do Le Chat Noir, do Moulin Rouge. Em Paris ele estuda pintura e vai ao Louvre estudar História da Arte.
Mulher sentada

 A noite de Toulouse começa cedo. Às 19 horas, lá está ele,  rabiscando nervosamente, a entrada das dançarinas, dos garçons, das prostitutas. E de lá só sai quando amanhece. Passa a noite bebendo e desenhando. Absinto. Espirituoso, popular, libidinoso e mordaz, torna-se “móveis e utensílios” do Moulin Rouge. E desenha com traços cortantes a vida de ambientes fechados, artificiais e brilhantes.
Suzanne Valadon
Capta sobre cartão, com grafismos rápidos, o estímulo psicológico do que vê e quando chega em casa, aplica as cores. Mesmo pintando, a própria cor é veloz, escorregadia, cheia de transparências inconsistentes. Parece com sua vida que lhe escorrega rapidamente. Sua mãe é chamada porque ele se deteriora a olhos vistos. É hospitalizado mas carrega consigo sua  bengala oca,  cheia de....absinto! Volta para casa e tudo recomeça: a noite inicia cedo e termina tarde. Ele se entrega ao mundo underground de Paris. Dorme pouco e trabalha muito. A arte se torna “o ofício de viver” (o historiador Argan cita Pavese).

Toilette

Cor e linha são trabalhadas flutuantes e nervosamente. Não pinta a realidade. Pinta a forma como compreende o mundo na dissolução das coisas. Na virada do século é corrosivo com o clássico. Desconstrói e reconstrói  a realidade segundo um tempo caótico de uma Paris já com 3 milhões de habitantes, onde a classe operária são pessoas saídas da zona rural que vêm abarrotar os fétidos subúrbios parisienses. Ele, Toulouse-Lautrec, percebe tudo e coloca a linha em alucinatório movimento, diz Renato Brolezzi em suas maravilhosas aulas no MASP. A linha já não pára no contorno da cor, mas trepida no quadro, num gesto de independência.

Também, como os impressionistas, Toulouse estuda as gravuras japonesas que mostram apenas o essencial. Vai ser o primeiro a fazer este elemento urbano e publicitário: o cartaz. E estes se multiplicam pela cidade com Jane Avril, La Goulue(a gulosa) Monsieur Valentin, Le Desossé (o desossado) dançarinas de can-can, público da noite.O cancan desconstruía o movimento clássico das bailarinas de Degas. Ele desmonta a convenção humana do tempo.“Sem Toulouse, não haveria Picasso” diz Brolezzi, “toda a história da arte está neste homem”, conclui. Ele traduz toda uma maneira de pensar o desenho, a cor, a concepção fotográfica da composição. Havia estudado muito, pois sem conhecer a tradição não se pode contrapôr-se a ela. Já não é a relação newtoniana que aqui conta, seu tempo não é linear.


Toulouse Lautrec, que privilegiou o mundo efêmero fez uma escolha: escolheu sua pintura e entregou sua vida. Morre completamente degradado pelo absinto, no ano de 1901. Morre o inventor do cartaz e uma  sutil compreensão do novo tempo de impermanências, o tempo da modernidade. Ele tinha apenas 37 anos.


Nenhum comentário: