Venezianos e Florentinos, cor e desenho.
Há na Arte Italiana três fontes que se podem seguir historicamente através de seus pintores. A de Roma com sua elegância maciça, fundada numa grandeza monumental, numa amplidão clássica e finura intelectual. A de Veneza definida pelo seu arquipélago e que conhece Bizâncio e o Islã através de seu entreposto comercial. E a de Florença (mais chegada a Roma), com sua vocação para as futuras indústrias e atividades bancárias.
São panoramas, mas que devem ser pensados com leveza porque haverá artistas que penderão ora para um lado, ora para outro(Rafael, por exemplo). E, quando da descoberta de Pompéia, toda a Itália é levada a se inspirar a partir do antigo. Na verdade, toda a Europa fará isto.
Rafael Sanzio "O casamento de Maria"
Podemos considerar Florença, Roma e Veneza como três berços de onde se irradiarão as artes italianas.
Florença está mais próxima à forma geométrica, à linha. Veneza à cor. Venezianos e florentinos fazem as relações da pintura-e isto é bem conhecido- os primeiros pela cor e os segundos pelo desenho.
Tradicionalmente se atribui à cor, o sensível e à linha, a razão.
Na tradição florentina, a linha conduz a composição, com figuras bem delineadas e economia formal. O princípio organizador é a simetria, o equilíbrio. Há um privilégio do contorno.
Paolo Uccello-A Rota de São Romano- Florença
A proximidade de Veneza com o mar, a luz irradiada, a atmosfera que funde em névoa os sólidos, embaraçando a vista, põe a perder os contornos. Aqui vai se produzir uma arte onde as cores se fundem e há um doce esvanecimento da forma, como se baixasse uma neblina unindo as coisas no quadro.
A proximidade de Florença com Roma, com a antiguidade greco-romana, torna a pintura mais universalizante, próxima ao desenho. O historiador de Arte Vasari defende a arte florentina como “a arte” oriunda do desenho. O desenho é quase um conceito, um juízo da percepção. Disegno em italiano é desenho e desígnio (projeto). O traço é privilegiado, abstrato (a natureza não tem linhas).
Tiziano-"Danae"-Veneza
A concepção de cor dos florentinos distingue-se da concepção de cor dos venezianos. Enquanto Florença se preocupa com a construção, Veneza se preocupa com a atmosfera irradiante da cor. A aproximação de Veneza com Constantinopla vai produzir uma cor dourada (vide fundo da pintura bizantina) o que em Florença não se deu. Em Veneza temos o culto dos sentidos, regozijo dos sentidos. Em Florença, sendo mais protestante, mais calvinista, tende para o rigor, a severidade da delimitação.
Veneza é um entreposto em que há uma diversidade nas pessoas de várias nacionalidades cuja presença fulgurava em variedades. Veneza tendo em baixo o mar e em cima o céu fica entre duas luzes, como disse alguém. Isto retira dos corpos sua solidez. Algo do reflexo e da difusão da água coloca em cheque as linhas, a geometria.
Roma -diz André Chastel- tão importante nos séculos XI e XII, mostra-se estranhamente inativa durante o período gótico: sua paisagem de ruínas está como que morta.Seu despertar artístico tardio caracterizará a fase central do Renascimento.