Renascimento: uma descomual mudança de paradigma

A Dama do Arminho (1485-1490), Leonardo da Vinci
O Brasil, São Paulo, (e em outubro, Brasília) está recebendo a exposição “Mestres do Renascimento”. Antes de olhar as 57 obras (entre elas Rafael, Da Vinci, Michelângelo, Botticelli, Bellini, Tintoretto e Ticiano) sempre é bom ler alguma coisa capaz de contextualizar este ápice da cultura universal que foi o que (a posteriori, século XX) chamou-se de Renascimento.
Como se deu esta conjunção de fatores para que entre 1500 e 1600, surgissem tantos artistas e cientistas excepcionais?
Mais uma vez a resposta é em grande parte econômica. Nobres, religiosos e empresários voltaram-se para as artes e ciências, para o luxo e ostentação. Isto aconteceu em vários lugares da Europa, mas mais esplendorosamente na Itália, Roma, Florença e Veneza.
Imaginemos Florença e os Medicis (que estabeleceram o mecenato) em seus famosos jardins. Lá passeavam filósofos, matemáticos, artistas, literatos todos com os olhos voltados para a racionalidade da Grécia, sua arte, política e filosofia. Imaginemos os italianos tão organizadamente bélicos, agora embevecidos de arte e ciência. Do Teocentrismo medieval avançam para o Humanismo. A Terra já não é mais o centro do universo (Copérnico e depois Galileu).
Começa uma ampla e profunda revolução social, técnica e industrial. Com a mudança de paradigma, a mentalidade científica, racionalista e prática, toma o lugar da religião, do dogma, da superstição. O conhecimento muda. Outros povos (América) são descobertos. O mundo é muito maior do que se pensava. Sim, a terra não mais é plana. Começam os tempos modernos, onde a manufatura artesanal e local passa a ser substituída pela nacional. Intensifica-se a circulação de mercadorias pelo aumento considerável da população (melhora da higiene pública) O homem pensa mais na vida do que na morte. Crescem as ciências exatas: física, química, mecânica, náutica etc que permitem ampliar o domínio da natureza. Aparecem os relógios públicos e de bolso. Bancos, créditos e letras de câmbio. Surge o dinheiro sem nacionalidade. As grandes fortunas se internacionalizam (Medicis, Fugger,Welser). Eles passam a ser “os aristocratas”, não mais de sangue, mas de dinheiro.Há rivalidades exibição de poder. Subvencionam guerras e emprestam aos papas graças aos negócios bancários. São donos de minas. Surge a Imprensa que democratiza a cultura: 30 mil livros de tratados de medicina, mecânica, geologia, artes, circulam. As navegações são orientadas pela bússola,  caminho é traçado com muito mais segurança do destino final. Ocidente e Oriente conversam e trocam.
Acumulação e concentração de capital lançam os rudimentos do imperialismo econômicos modernos.O artista trabalha agora não mais somente para a Igreja ou para o Rei, mas para a burguesia rica que anseia por luxo. E isto vem impulsionar as indústrias artesanais e a Arte. Surge a burguesia urbana e industrial e o proletariado urbano assalariado. A Igreja Católica absoluta e soberana entra em crise: Lutero faz a Reforma protestante em 1520.
 O artista, cujo mérito era atribuído ao “dom divino” já tem mérito próprio. Nasce o conceito de gênio. Ele vai se inspirar no modelo greco-romano: perfeição da forma, equilíbrio, harmonia e, toma a natureza como sua fonte e referência. As Artes se tornam autônomas. Pintura é pintura e escultura é escultura. Leonardo da Vinci é o principal nome da pintura e Michelângelo da escultura. Leonardo emprega o sfumato e o claro-escuro (a linha é diluída, não há passagem brusca entre figura e fundo).A santíssima trindade das Artes são Rafael, Michelângelo e Leonardo da Vinci. Muitos outros nomes porém, poderiam ser enfileirados aqui numa sucessão incrível de genialidades.
Angela Weingärtner Becker

Jean-Baptiste Camille Corot - Música Brahms


Jean-Baptiste Camille Corot (1796-1875)

“Nem romântico, nem realista” assim começa Wendy Beckett a falar de Camille Corot. “ele achava que estas duas abordagens não precisavam necessariamente se opor”. Lirismo e verdade objetiva conviviam nele. E, penso, foi justamente esta simplicidade e naturalidade que encantou as pessoas. E assim é até hoje.

Viajou para Roma em três ocasiões (1825, 1834,1843). Pode-se dizer que é o mais italiano dos pintores franceses. Fez a “lição de casa” que todo o pintor fazia: viajar para Roma, o centro das Artes. Lá pintou ruínas e paisagens que muito influenciaram nas paisagens de sua terra natal. Foi ali que experimentou pela primeira vez pintar ao ar livre (plein air). E passou a dar muita importância aos esboços in situ. Aprendeu técnicas e desenvolveu um estilo de “sutis contrastes tonais” como diz Donald Reynolds. Uma personagem de Oscar Wilde descreve os “crepúsculos de prata” e “auroras rosadas” pintadas por Corot.Também Proust põe uma personagem a falar de Corot. Obras suas também serviram de pano de boca para balés russos. Ele foi popular e teve telas que muito se assemelhavam ao impressionismo, diz o mesmo historiador de arte.

Corot influenciou jovens pintores e os encorajou, principalmente aqueles que pintavam realisticamente. Como Constable, Camille Corot começou determinado a apenas representar a natureza e mais.nada além. Gostava da maneira clássica de pintar. Há um silêncio intenso e doce em suas paisagens, do agrado quase instantâneo de quem as olha. Há uma sensação de antiguidade e subliminarmente gostamos desta segurança. “Mas na verdade, diz Gombrich, ele capturou, mais do que detalhes, o conjunto, os tons gerais na luz radiante e na atmosfera”. Suas paisagens são rurais, idílicas. Era um passo para o impressionismo. Principalmente suas primeiras obras. Usava de figuras bíblicas e mitológicas, pois gregos e romanos são os pais da cultura francesa e o novo nada mais é do que um diálogo com a tradição.

A poética da paisagem, o onírico somado à solidez, foi o que lhe deu fama internacional. Ele fazia paisagens espirituais. Em qualquer museu que entramos, suas pinturas nos chamam com sons de farfalhar de folhagens rendadas. Poucos pintores tiveram a delicadeza dele na passagem de uma cor à outra. Mesmo que sua última fase apresenta um certo declínio em relação à inigualável magia de suas primeiras obras.Mas nunca perdeu a tranquilidade contemplativa, diz Wendy Beckett.

Corot considerava uma obra de arte, um pensamento de emoção. Ele não foi um intelectual. Era humilde, simples, e se definia como artesão. Filho de pais comerciantes, só aos 26 anos realmente se decidiu a ser pintor.Em 1817 recebe o Grand Prix du paysage historique. Ele conhecia como ninguém a harmonia das cores, dos matizes, das formas numa matemática invisível,de uma conversa harmoniosa das formas e cores entre si. Contrastes e passagens suaves que fazia, agradaram muito ao pintor francês, seu contemporâneo, Delacroix.

Jean-Baptiste Camille Corot era um homem bom. Tinha paciência para com os jovens e ajudou finaceiramente à viúva de Millet e ao pintor Daumier quando este ficou velho e cego. Também dizem que assinava telas aos menos afortunados do que ele.
Angela Weingärtner Becker


John Constable

               
John Constable (1776-18837)
John Constable-autorretrato

                           


Com biografia discreta, quase não viajou. E, como seu pai, próspero comerciante de grãos, nem a Londres lhe apetecia ir. Nasceu em Suffolk, Inglaterra, e sua arte derivou diretamente do solo natal. O pai, dono de moinhos e de um extenso vale, viveu intimamente com a natureza que depois derivaria em telas. Estava em plena época da Revolução Industrial, mas não foi afetado pelo trem a vapor, pela fumaça das fábricas, pelo frenesi do que estava “no ar”. Não era um homem da modernidade. Foi um pintor não-teórico, mesmo tendo estudado na Royal Academy de Londres.


A carroça de Feno

Constable pinta para a elite do país, sofisticada, sutil, discreta. “Todas as condições técnicas do impressionismo já estão em Constable” diz Renato Brolezzi, mas ele tem obsessão pela complexidade e não pinta como os impressionistas “está afinado com duas noções: o belo e o sublime”. (Os objetos belos devem ser pequenos, lisos, cores puras, luz suave e fundada no prazer. Já os sublimes possuem dimensões grandes, linhas retas, masculinas, ásperas, trevas, solidez fundada na dor.) No sublime, a tragédia grandiosa. No lirismo, a beleza, a miniatura, o feminino, o belo.

O historiador Donald Reynolds diz que as telas de Constable propõe a questão “para que olhar mais além?”. Ele quer ver o que está diante dos olhos, sem acrescentar nada, apreciando aquilo que o momento oferece."..mesmo assim Constable fala de recordação, porém não mais do que isso” (tipo reflexões morais, por exemplo).O olho vê um quadro de Constable como uma festa, porém também vê a alma que cada coisa tem.


Para Constable a tradição -no sentido de igualar, ultrapassar- não era importante. Ele queria pintar o que via. Queria tão somente a verdade, diz o historiador Gombrich. Ele detestava o que chamava de “bravura”(fazer algo além da verdade).O modelo, na época, era Claude Lorrain, que desenvolvera um esquema pelo qual praticamente qualquer um podia fazer uma obra relativamente agradável: uma árvore em primeiro plano e atrás, uma paisagem que se abria para uma vista longínqua. O esquema das cores também tinha uma elaboração fixa: no primeiro plano cores quentes que esfriava-se ao distanciar-se. Era uma “receita”, truques para pintar nuvens, troncos de árvores, enfim.

Constable saiu destas convenções embora não tenha sido audacioso. Fazia esboços direto na natureza e depois terminava no atelier. Diz Gombrich que estes esboços eram mais arrojados do que o trabalho terminado. Mesmo assim, ele causava grande atenção pela técnica perfeita. O quadro que o tornou famoso em Paris (para onde o enviou) foi uma cena rural “A Carroça de Feno” (1824). Nele podemos viajar, entrar, seguir o rio e ver as nuvens preparando-se para uma tempestade. Ali vemos um Constable que se submete à natureza, que não quer ir além, nem ficar aquém. Não há essa pretensão. Há uma honestidade presente sem projeção dos seus sentimentos .

A Catedral de Salisbury-MASP

O MASP possui uma belíssima obra de John Constable "A catedral de Salisbury".A catedral é um dos signos da Inglaterra anglicana, exemplo do gótico inglês. Ela está por detrás da paisagem, como uma surpresa que se descortina entre as árvores. Constable não está preocupado em fazer a apologia do gótico. A paisagem é de pincelada solta, com detalhes precisos. Entre claros e escuros faz a sinfonia do agradável.
Angela Weingärtner Becker