Kurt Schwitters (1887-1948)


 Kurt Schwitters é um daqueles seres que acreditamos ser de outro planeta.Tão original que sacode até o mais indiferente entre nós. Sempre a buscar uma estranha coerência de si e do mundo, nada que seja beleza ou sublime (na acepção de Edmund Burke).  Muito tempo foi preciso para o artista ser aceito em sua cidade natal, Hannover, no século 20. Para isto contribuiu a própria história da Alemanha que ele viveu em altos e baixos. E, evidentemente, não seria aceito pela Alemanha nazista. Tornou-se antipático à burguesia e passou a ser visto como uma ameaça ao regime nazista. Foi considerado um degenerado, claro. Partiu, então, de sua terra natal, para exilar-se na Noruega e posteriormente, perseguido pela Gestapo, fugiu para o Reino Unido. Nunca mais voltou à Alemanha. E esta só o redescobriria postumamente.

"O relativo esquecimento da obra de Kurt Schwitters na arte moderna seria tão grave quanto esquecer o abstracionismo", disse um historiador em NY,1991, quando da exposição “Conflitos com o Modernismo ou a ausência de Kurt Schwitters”. Ele teria trazido a arte de volta para a esfera física, num movimento contrário ao abstracionismo mas igualmente fundamental para a arte de hoje. 





Kurt Schwitters fez poesia (eram grandes colagens de palavras catadas ao léu) teatro, ensaios. Foi crítico, editor, publicitário e agitador cultural. Está presente em todo o gênero de arte incluindo declamação e música (usa sons primordiais, e efeitos ótico-acústicos-ver o vídeo abaixo). No entanto, a colagem é sua base artística. 


Estudou em Hannover, Dresden e Berlin. No começo- como soe acontecer- faz uma arte acadêmica. Parece-nos impossível, ele com um vulcão inteiro a expressar, contrário a todo tipo de consenso e a tudo que se estabelecesse como regra!“A arte não quer influências e não quer influenciar, mas libertar da vida, de todas as coisas que nos sobrecarregam....”,teria dito, antecipando em décadas alguns processos incorporados aos artistas contemporâneos.



Faz colagens (em sobreposições) realizadas com lixo industrial, todo o tipo de material.“Por economia pegava aquilo que encontrava, pois éramos um país empobrecido. Também se pode gritar com resíduos de lixo, e eu fazia isso colando e pregando-os”.

 À racionalidade junta a casualidade. Dá o nome de “merz” palavra criada com um pedaço da palavra "comércio" (Kommerz) que para ele significava arte total sem fazer diferença entre poemas, colagens, música, etc. Ele criara algo novo daí a necessidade de um nome novo. “Merz” foi o movimento de um homem só, o de Kurt Schwitters, que desestabilizava tudo o que era burguês (mas com senso de humor dizia de si mesmo “eu sou um burguês idiota”). Foi além do dadaísmo. Foi libertário. Em 1936 destroem na Alemanha grande parte de sua obra.



 No Brasil apresentou-se na Bienal de 1961, e na Pinacoteca em 2007. Está longe, porém, de ser conhecido fora do circuito artístico. O trágico e o dramático que constrói causa estranheza. Mas quem o compreende, é fisgado para sempre. Hélio Oiticica é um deles e diz: Schwitters inaugura um dos maiores caminhos da arte de hoje de onde derivam o novo dadaísmo, a arte bruta, toda a arte designada pelo termo assemblage.

Diferente do cubismo que colava mostrando que um objeto “saído da realidade” poderia compor a arte sem alterar sua substância, para Schwitters não existe este problema espacial, diz Argan. Ele cola alucinadamente e faz estruturas.Vai construindo seu Merzbau, uma espécie de coluna central que cresce com tudo o que ele encontra por acaso, dia após dia, coisas que por um instante lhe chamaram a atenção. O gesto de pegar e colar barbantes, arames, rolhas, botões, cacos de vidro, jornais, ferros velhos, bilhetes de ônibus, trapos enfim, sem ordem nem finalidade, é o que constitui sua arte.Coisas que até então tinham um prazo de validade curto, passam a ter vida eterna nos quadros e instalações de Schwitters. “são testemunhos breves, truncados, dissociados de uma crônica cotidiana amorfa, opaca, desordenada como a das personagens de Ulisses de Joyce”, diz Argan . Também Haroldo de Campos concorda que sua arte tem conexões formais com a (posterior) obra de e.e.cummings e com James Joyce. No descarte que usa não há a preocupação de “revelar a beleza secreta” ou coisa assim. É simplesmente uma trama vivida, uma poética do acaso, do objeto encontrado ou talvez “do inconsciente que, como motivação profunda, determina o fluxo incoerente da vida cotidiana”(Argan)





Em 1923 faz sua "Merzbau" (Casa Merz), primeiro grande trabalho de ocupação espacial que tomava toda a residência do artista em Hannover, foi considerada a primeira instalação artística. Consistia em um apartamento com malas, roupas presas através de arames na parede que subiam e desciam escadas e tomavam toda a casa até que sem espaço teve que quebrar o teto e subir com seus bizarros objetos achados ou presenteados por seus amigos. Era uma catedral gótica pessoal que invadia todos os cômodos (8, ao todo!). Do estúdio do artista, crescem como um ser vivo. Entre os nichos desta instalação gigantesca, havia espaços reservados: “espaço Hans Arp” “espaço Goethe” “Mis-van-der-Rhoe”, além de uma caverna para os “assassinos”(nazistas?). Enfim referências pessoais misturadas com referências históricas. (Hélio Oiticica vai se inspirar nestes ambientes da “torre" de Schwitters.

 Tendo morrido na pobreza e em relativa obscuridade, o sentido de sua obra e muitos dos seus trabalhos tiveram que ser resgatados posteriormente, tendo grande parte deles se perdido. Neste resgate foi possível reconhecer a enorme influência de Schwitters sobre a arte do século XX e início do século XXI.
No final de sua vida, na Inglaterra, antecipa-se à Pop Art usando recortes publicitários, quadrinhos, anúncios e obras de grandes mestres. Antes de falecer pratica uma pintura mais convencional, como era no início.Demonstrou que  nunca fora por inabilidade que rompeu tão dramaticamente com a arte convencional.
Schwitters, o criador da instalação, visionário da arte pop e conceitual, morreu em 1948, na pobreza e obscuridade.
Angela Weingärtner Becker

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