Museu Nacional de Arte da Catalunha (MNAC)

Quem for a Barcelona não pode perder o Museu Nacional da Catalunha, situado no Palácio Nacional, na montanha de Montjuïc.
 Ao chegar – e chega-se facilmente de metrô- vemos um espaço majestoso, com águas que descem lá de cima, chegando por escadarias até  em baixo, onde realizam um balé mágico do qual é difícil arredar os olhos.
em frente ao Museu 
Fui num dia azul e agradável e fiquei hipnotizada pelas fontes, pelo verde, pelo sol, pelo barulho das águas generosas. Em cima, bem no alto, ergue-se o majestoso museu.  Pode-se chegar a ele com conforto, por escadas rolantes que docemente nos conduzem ao Palácio transformado no MNAC, que reúne mais de 1000 anos de arte catalã, desde o século X ao século XX. Lá dentro nos espera a grande beleza, o espetáculo da maior coleção de arte românica do mundo. E não só isso.
Todas as disciplinas artísticas estão ali representadas: escultura, pintura, desenhos, cartazes, numismática, fotografia, enfim. Nomes famosos como El Greco, Zurbarán, Velázquez, Fortuny, Gaudí, Casas, Torres-García, Julio González, Dalí y Picasso.  Também temos lá outros nomes de peso das artes universais.
Mas o que quero muito falar aqui é sobre a coleção de arte românica abrigada pelo museu. É algo tão bem cuidado, de uma organização tão brilhante que não temos como não ficar boquiabertos. Eu nunca tinha ouvido falar desta grandiosidade. A série de pinturas murais são únicas no mundo e a maior parte  encontradas na própria Catalunha, nas igrejas românicas dos Pirineus, no chamado vale do Boí, hoje patrimônio da Humanidade.
E o que é arte Românica? O nome “românico” é do século XIX e compreende a arte feita entre os séculos XI e XIII (que depois vai se tornar arte gótica). Significa “semelhante ao romano” principalmente no uso da abóbada sustentada por pilares que substituiram o telhado de madeira. Eram muitos os relatos de incêndios antes desta inovação.
 A maioria das obras românicas pintadas e esculpidas é coletiva e anônima. Não havia ainda a questão autoral. No máximo fica-se sabendo o nome do mestre da oficina. Erroneamente pensamos em arte românica como pobre e rústica. Mas é de  alta sofisticação. Basta dar uma volta neste museu para compreender isto. Caracteriza-se pela valorização do espírito, pela concepção de mundo dominada pelo deus proposto pelo cristianismo. Então o que se vê são altares, crucifixos, vasos, baldaquinos, predelas, cetros, capitéis, cristos pantocrator (aquele que abençoa) virgens, profetas, anjos, santos e a narração de milagres e passagens da bíblia.  
Era esta a arte feita na Itália, Alemanha, Espanha, Inglaterra quase exclusivamente pelas ordens religiosas (beneditinos, os mendicantes, dominicanos, franciscanos) e também pelos monges armados militares: os Templários e Hospitalários.
 No ano mil, a Europa contava que o mundo iria acabar. Houve bruscas mudanças na conduta individual, desespero e zelo religioso. Mas o mundo não acabou e a Europa se cobriu de igrejas. Grandes e sólidas, as fortalezas de Deus juntavam-se a mais de mil mosteiros no final do século XII. A mais famosa das catedrais foi a conhecida Catedral de Pisa e seu campanário, a Torre de Pisa, cuja construção iniciou-se em 1.174  e que se inclinou porque, com o passar do tempo, o terreno cedeu.
 O fato é que se exaltou a fé e expandiu-se a arte românica. Pesadas igrejas de pedra e tijolos se ergueram com solidez e força. Sombrias, com um mínimo de aberturas e grandes portas sólidas. A decoração das grossas paredes é o afresco, o mosaico e tapetes.  Eram nessas igrejas que os peregrinos, que percorriam grandes distâncias, se hospedavam. Os mais procurados se encontravam em Jerusalém, Roma e Santiago de Compostela. 
Neste período românico a arte tem finalidades didáticas. Era preciso difundir a religião mas sobretudo combater as heresias e as superstições. A imagem, portanto, tinha uma importância crucial. Os livros eram raros e destinados à nobreza e clero. O povo era analfabeto. Ilustrações sobre a criação do universo e do homem eram extraídas dos livros religiosos e afrescadas em conventos, mosteiros e igrejas. Esse tipo de pintura praticamente não possuía nada de profano. Caracterizava-se pela deformação, falta de movimento, colorismo (cores chapadas, meios-tons, jogos de luz e sombras) O misticismo é intenso. A apresentação é concisa, esquemática, abstrata. Em pouquíssimo espaço, muita informação. Nada poderia tirar a atenção do espectador sobre a  mensagem. 

 Não havia nenhuma intenção de imitar a realidade. A rígida escultura não observa a anatomia. Tudo é convencional e carregado de significações simbólicas. As figuras humanas são alongadas, os panejamentos estilizados, as madeixas desenhadas com rigor, os olhos parados. Toda a lógica vai em direção da arte bizantina.

Ao andar por entre as obras românicas do museu é excitante poder mergulhar na época e imaginar um copista num mosteiro (espanhol de preferência) debruçado sobre um livro, caprichando no ornamento da letra inicial de um texto religioso. Ao fundo ouve-se um coro de monges em louvores aos céus! Este copista certamente era analfabeto e não sabia o que escrevia. Mas seria capaz de pintar com maestria, copiar com desenvoltura, fazer trabalhos em marfim e ouro em urdiduras finamente lavradas. Aliás, eram os escritórios dos monastérios que preservavam a cultura.

Em minha frente desenhava-se o homem medieval: da manhã à noite fazia especulações metafísicas, discutia revelações divinas. O medo, a superstição a negação do corpo. Uma fé ingênua, mística e visionária lhe ditava o comportamento. Temia a natureza, pois ali estavam os instintos e as paixões, a tentação e o pecado. À noite deitava com o espanto do inferno eterno.


A arte românica reflete tudo isso e da maneira mais curiosa e encantadora que se possa imaginar. Não percam este museu. Vale a pena esta viagem.


Angela Weingärtner Becker


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