José Leonilson
Bezerra Dias
José Leonilson
Neste ano
de 2014, em Londres, na Tate Modern, eu me deparo (com muita surpresa) com a
única obra de um brasileiro. Reconheço
de longe a autoria mas, confesso, nunca antes ela havia me tomado com a força
que podia. Leonilson já me passara várias vezes pela frente. Eu sabia dos
traços principais da obra, mas ele ainda não havia “me entregado seu
coração”.
Seus
trabalhos de modesta aparência e de modestas dimensões, não tinham chegado até
mim, talvez por esses motivos mesmo. Quase não perdôo a minha falta. Um livro
sobre ele, “São tantas as verdades-Leonilson” escrito por Lisette Lagnado,
jazia perdido em minha casa.
Mas a hora havia chegado. Olhei para aquela obra de voal branco, costurada
em outro pedaço levemente cinza. Havia palavras bordads tais como medo, amor, delicadeza, solidão. E eis que uma doçura imensa me cobriu.
A verdade é que a obra me catapultou para dentro de si. A cada pessoa que
passava, ela farfalhava leve, delicada e, ao mesmo tempo, podia-se ver ali toda a condição humana. Forte e tênue.Tocava-me a solidão, o medo, o afeto, a morte, a
delicadeza, o amor, o tempo. Penso que jamais vou esquecer este impacto.
Palavras não dão conta de sua obra, é preciso vivenciá-la. Ele havia tornado
pública o seu interior psíquico. E isto comove. Assim como van
Gogh comove pela exposição do hospício onde foi tratado, da orelha decepada,
dos trigais onde enlouqueceu de vez. Assim como Frida Kahlo comove pela pintura
dos seus abortos, do seu acidente. Assim como Bispo do Rosário comove pelas canecas
enfileiradas, pelo seu manto
feito para encontrar Deus.
Com suas experiências intimistas, ele fala baixinho com a gente. Apresenta-se em
nível confessional. E é assim que se dá a epifania.
Em 1991, descobre-se portador
do HIV e a convivência com a doença domina por completo a sua obra. Em 1992
começam suas internações. Refina-se ainda mais o seu gesto artístico e a expressão
da sua condição. A obra ganha espiritualidade. Agora apresenta-se com a visceralidade dos órgãos: pulmão, coração, esqueletos, crânios.
O lirismo, o romantismo, a delicadeza, o sofrimento permeiam a obra. Ele borda com uma delicadeza de asa de anjo. E a metáfora não é gratuita. De família católica nordestina, traz em sua obra a herança da terra, da literatura de cordel, do artesanato, das crenças populares, mas sobretudo da religião. Começa a usar materiais como flores, margaridas, copos de leite, primulas, lírios, todos símbolos cristãos da inocência e da morte.
Na medida que acontece a desmaterialização do seu corpo (vai perdendo peso e mostrando os inequívocos sinais da doença) esta mesma desmaterialização acontece na obra. Cada uma – e não se trata de uma comparação gratuita- é, sim, um pedaço de sua alma. Tanto aprofunda a reflexão que torna banal a sua doença e assim ao alcance de todos, como diz Lisette Lagnado. Seus bordados dos últimos meses devem ser vistos como autorretratos, diz a autora.
A obra de Leonilson repele o discurso da palavra dicionarizada (de tão afetiva que é) além de ser cheia de alegorias e simbolismos. A palavra é rasa, insuficiente, vazia. Cada peça é uma folha de diário, disse alguém. Cada peça é um pedaço do seu coração exposto na parede.
Talvez pelo profundo envolvimento que por fim se nos impõe, talvez pela consciência de estarmos pisando em terreno sagrado, José Leonilson, com seus bordados, seus pingentes de restos de candelabro, suas camisas usadas como materiais, ele nos toma por inteiro. "Voilá mon coeur" é o título de uma obra, “O que você desejar, o que você quiser, eu estou aqui, pronto para servi-lo” é o título de outra. O que dizer? O quê?
O lirismo, o romantismo, a delicadeza, o sofrimento permeiam a obra. Ele borda com uma delicadeza de asa de anjo. E a metáfora não é gratuita. De família católica nordestina, traz em sua obra a herança da terra, da literatura de cordel, do artesanato, das crenças populares, mas sobretudo da religião. Começa a usar materiais como flores, margaridas, copos de leite, primulas, lírios, todos símbolos cristãos da inocência e da morte.
A obra de Leonilson repele o discurso da palavra dicionarizada (de tão afetiva que é) além de ser cheia de alegorias e simbolismos. A palavra é rasa, insuficiente, vazia. Cada peça é uma folha de diário, disse alguém. Cada peça é um pedaço do seu coração exposto na parede.
Talvez pelo profundo envolvimento que por fim se nos impõe, talvez pela consciência de estarmos pisando em terreno sagrado, José Leonilson, com seus bordados, seus pingentes de restos de candelabro, suas camisas usadas como materiais, ele nos toma por inteiro. "Voilá mon coeur" é o título de uma obra, “O que você desejar, o que você quiser, eu estou aqui, pronto para servi-lo” é o título de outra. O que dizer? O quê?
Angela Weingärtner Becker
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