O BOI ESQUARTEJADO
1655. Louvre, Paris.
Rembrandt Harmenszoon van Rijn .
Esta obra apresenta a carcaça de um boi pendurado em uma construção de madeira em um quarto sombrio que funciona como matadouro. O animal foi esfolado e decapitado. A carcaça é iluminada por uma fonte de luz que não pode ser identificada. Na porta, há uma mulher com um chapéu branco, e ela parece observar tanto o boi morto quanto o espectador.
A atmosfera sepulcral, transmite pesar e ao mesmo tempo frieza e fazem referência aos vestígios de sangue ainda fresco do animal. Um animal que há bem pouco tempo, respirava.
Rembrandt com sensibilidade aguçada “até o espasmo” como diz o historiador de Arte Giulio Carlo Argan, pinta a mais comovente das naturezas mortas. Aquela que tem “a imagem mais carregada de dor humana e mais desesperadamente religiosa que a pintura do século XVII jamais produziu”. E continua:
“Mais trágica do que uma crucificação ou que um massacre de inocentes ou que a dramática cena de Moisés na iminência de sacrificar seu filho” esta carcaça sanguinolenta pendurada em um açougue, representa toda a dor da espécie humana.
Rembrandt existe na carne deste animal e é como se, de repente, uma revelação da condição humana tivesse iluminado Rembrandt para nos dizer que aquele pedaço de boi somos nós. “O boi é a vítima” como nós somos vítimas, cada um de nós é vítima, dos outros e da sociedade.
Conforme Argan, a obra também seria um autorretrato, o mais verdadeiro entre tantos que Rembrandt pintou. Mas note-se que ele não sente simpatia ou pena do animal que pinta. Ele se identifica, ele existe nele, no animal ali esquartejado. Por isso q este quadro seria um autorretrato.
Com pinceladas intensas e espessas Rembrandt constrói esta carcaça quase como pedaços de carne arrancados do boi.
Rembrandt tem vasta cultura humanística e se aproxima do Deus de Espinosa na concepção de que Deus está nas coisas, é imanente. Deus está nesta carcaça de boi.
Com seu boi esquartejado ele não persuade, nem julga. A imagem é solicitação ao agir e pensar. Rembrandt não se coloca como alguém que descreve a morte de um animal. Ele constrói na dor e no sofrimento, na condição do tempo que se atravessa.
E é fato que será o artista preferido dos românticos, diz Argan (Delacroix, por exemplo).
Rembrandt, o humanista. Não admira que a maioria de seus quadros representem velhos com o tempo inscrito nos rostos. Velhos sofridos e perplexos. E tragicamente humanos.
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