O Maneirismo
Parmigianino: Madonna do pescoço longo, 1534-40. Uffizi
Erwin Panofsky, historiador de arte alemão, diz em seu livro “Idea: a evolução do conceito de belo” que no Renascimento havia uma tranquilidade que consistia em harmonizar tudo o que parecia de mais oposto na História da Arte. De modo geral, os pintores se colocavam em oposição à Idade Média e suas ideias se agrupavam, digamos, sob o mesmo guarda-chuva.
Já no Barroco havia um esforço ambíguo de, ao mesmo tempo, preservar o pensamento classicista e ultrapassá-lo. Pelo menos 3 correntes de pensamento se enfrentavam: uma queria continuar o que estava posto no Renascimento, a outra que buscava ressaltar a cor e luz(corrente veneziana) e a outra, denominada Maneirismo, quer ultrapassar o classicismo, “modificando e agrupando de outro modo as formas plásticas”, diz Panofsky.
El Greco: A Visão de São João-1609
No Maneirismo o postulado da harmonia das proporções (tão caro ao Renascimento) parece ser sacrificado e rompe-se com as formas equilibradas e universalmente aceitas do classicismo.
Foram artistas como Parmigianino, Pontorno,Bronzino, Rosso- El Greco-só para citar alguns, que produzem uma revolução nas Artes. “uma exacerbação das formas” para usar as palavras de Rodrigo Naves “como se houvesse um esgotamento quase pejorativo, um certo cansaço em relação às conquistas do Renascimento”. E continua: “Todos os recursos que foram conquistados no Renascimento-escorço, perspectiva, cores naturais etc-passam pelo “capricho” que seria quase um exibicionismo da técnica.
Rosso Fiorentino: Moisés defendendo as filhas de Jetro, 1523-24. Uffizi
Ao me deparar pela primeira vez com Maneirismo, surpreendi-me com suas formas (mais do que com suas ideias) pois havia muito do que viria a ser o Modernismo, num futuro longínquo e bem próximo a mim. Observei que fora lá que começara a pluralidade de ideias, lá que se iniciara alguma coisa que se chamará de “conceitual”: uma arte afastada do que seja a “mímeses” ou cópia fiel da natureza.
El Greco:Enterro do Conde de Orgaz
Os artistas maneiristas amontoam as formas num único plano (ver El Greco) usam a cor afastada do real e, muitos deles, aplicam-na quase violentamente no quadro, distorcem os corpos de uma forma nada matemática, abusam do escorso em figuras que se distanciam da realidade. A figura humana em forma de “S”, com a famosa aparência “desossada”, não corresponde nem no desenho nem na cor aos preceitos classicistas.Os maneiristas conhecem a teoria mas dispensam-na e criam conforme “à maneira”, isto é, o estilo. Que, pode sim, ter como modelo, a figura de Michelângelo, por muitos considerado um maneirista.
Cellini-Fontana del Nettuno-Firenzi
“As matemáticas, diz Panofsky, são atacadas com ódio” O espírito do artista é livre e aberto(volto a dizer na prática, não na teoria).O artista conhece a teoria e vive nesta tensão dualista, tanto que, a despeito de negar as regras, ele deve conhecer a anatomia, por exemplo, até para poder exacerbá-la).
Panofsky diz que esta oposição entre liberdade e seguimento das regras já existia anteriormente quando “se exortava o artista a embelezar os dados da realidade” mas só agora, no maneirismo, há uma consciência sobre a questão.
É nesta visão de Arte que a personalidade do artista vem mais à tona e a questão do sujeito e objeto é colocada muito semelhantemente aos tempos modernos (embora se atribua a fonte da ideia a Deus, ideia esta que está colocada dentro do artista). Zuccari, tratadista da história das ideias, usa da etimologia Disegno=segno di Dio in noi. Este será expresso com a particularidade de cada artista. Ele não ignora que o homem é um ser sensível, e entende que os sentidos seriam convocados para esclarecer a ideia interior, a priori metafísica.
Agnelo Bronzino: Alegoria do Triunfo de Vênus, 1540/50
Panofsky diz que finalmente o homem adquire consciência de seu dom. Mesmo que este seja entendido como emanação divina. Parece que precisa justificar do ponto de vista da divindade, esta espontaneidade que agora usa. E como usa! Vejam-se os gestos, a movimentação, as expressões vivas das paixões, o trompe-l’oeil, etc. As teorias neoplatônicas estão detonadas na prática, embora na teoria persistam, mais ainda ligadas ao Bem, ao Belo, ao brilho da Luz, emanado da face divina e resolvendo-se por referência a Deus.
É interessante ver a produção dos artistas maneiristas com suas formas caprichosas (sempre usando esta palavra na acepção de diferente, estranho, estilizado, labiríntico, espiralado).e ver como a exacerbação das formas levou a resultados espantosos em alguns momentos deste movimento, com o afastamento da mímeses e toda a diversidade que isto implica.
Angela Weingärtner Becker