TURNER, energias arrebatadoras
Navio de escravos, 1840
William TURNER (1775 —1851)
Tudo é movimento, volúpia e esplendor. Tudo nos traga.
Vejamos a obra “Navio a Vapor numa Tempestade” 1842. Audacioso, ele pinta uma borrasca do outro mundo, num mar, sob nevasca. Mar enraivecido, ondas ameaçadoras, barco ameaçado, em iminente desastre.
Não saberíamos descrever esta experiência. Nunca estivemos num barco em tormenta, no mar. Em nossa imaginação, porém, é assim que é. Poucos sabem, na verdade. Uma boa aproximação disso se pode ter em Edgar Allan Poe no -locus horrendus- de seu conto “Manuscrito encontrado em uma garrafa”.Poe sabia, ôh se sabia. Quem quiser ter a sensação de arrojar-se dentro de uma tempestade no mar, leia.
Conta-se que ele pediu que o amarrassem ao mastro de um vapor e assim ficou por 4 horas observando uma tempestade. Imaginem a cena, amarrado no mastro na violência de uma nevasca no mar. Foi talvez o primeiro a desenhar e pintar in loco, como logo fariam os impressionistas. Há quem o considere um precursor. Também precursor da pintura abstrata, pois desmaterializa as coisas. Jamais se poderia reconstruir um barco a partir de sua pintura. É só uma mancha com outra mancha acima, a bandeira.
Para Turner reservamos a palavra esplendor. Ele trabalha a luz de dentro para fora, de forma a provocar energias arrebatadoras.
Aceitemos a palavra"sublime" como Edmund Burque pensou: sublime é algo que se vincula à emoção. O mundo exterior une-se ao mundo interior. Em Caspar David Friedrich, o oposto, a indefinição silenciosa, oprimida, parada. É bom de olhar um após o outro. Os contrastes se realçam. No entanto, sabemos todos como são nossas tempestades internas, “nossos mares interiores ficaram sem praias”, disse García Lorca.
Com 14 anos, Turner entra para a Academia Real. Com 15 já apresenta um trabalho. Desde cedo deixava os outros perplexos. Levava a marca do gênio.
Turner não tinha, porém, o famoso “ar de artista”. Foi visto como um londrino caipira, desasseado, inarticulado, excêntrico. E muito recluso. Era um homem solitário, sem amigos e quando pintava não permitia a presença de ninguém. Sempre absorto em outro mundo, esquecia-se. (Vejam o filme na Netflix “Mister Turner”-2014dirigido por Mike Leigh).
Estudou os paisagistas de sua geração: amava Claude Lorrain acima de tudo. Gainsborough, Constable, seu rival. Estuda os paisagistas holandeses. No começo não era a luz. Telas escuras, sombrias conturbadas. Na metade de sua carreira a luz começa a fasciná-lo e a sombra passa a ser só um motivo de contraste.
Em 1818 começa a fazer viagens para a Itália. Cinco viagens. Embebeda-se de luz, em Veneza, mas não só. Apreende o esplendor. A partir daí suas obras são glória, luz, torvelinho.
Os títulos passam a ser esclarecedores porque tudo está dissolvido.
Poucas coisas podem ser mais estimulantes do que deparar-se com a força de um grande Turner. É preciso deixar-se levar, mas não muito, aconselho, é perigoso.
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