FRA ANGÉLICO (1395-1455)



"A Deposição"

Fra Angélico (ou Giovanni da Fiesole, nome que recebeu na ordem dominicana) foi considerado, sobretudo pelos românticos, o protótipo do artista místico, mergulhado na contemplação de inefáveis visões celestiais. E realmente foi homem religioso, erudito, de vida santa e é considerado, entre todos, um dos mais espirituais. O nome “Angélico” foi acrescentado mais tarde. Recebe o apelido meramente honorífico (não foi dado pela igreja).

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Sua pintura é ligada estreitamente com a cultura religiosa de seu tempo, crenças fundadas na tradição do pensamento mais severo.
Mas toda esta base religiosa era vigiada, medida, executada pelas grandes idéias do Renascimento.
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Ele foi um renascentista, reconhecia que havia uma grande revolução em andamento e contribuiu para a realização daquela revolução, mesmo que via tb a necessidade de trazer para a atualidade, as fontes genuínas do pensamento cristão.
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Para ele, “toda a história é uma história religiosa e o fim último continua sendo a salvação da alma” diz Argan no livro "Clássico e Anticlássico", no qual me baseei para escrever este texto.


"A coroação da Virgem"

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Sua pintura possui um sólido fundamento doutrinário, tomista e como São Tomás era o “doctor angelicus” ele foi apelidado “Angélico”.
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A pintura do frade não era só uma pintura mística, longe disso. Era dotada de uma intencionalidade precisa. Ele estava por dentro e em contato com as correntes de artes mais avançadas do séc XV.

"A Anunciação"


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Nossa tendência é ver sua pintura clara, luminosa como uma pintura quase ingênua, uma pintura “santa” feita por um santo. Eu mesma sempre o vi desta forma superficial. Não. Angélico falava um latim polido, era um orador eficaz, de escrita elegante, conhecia os clássicos. Ele usava a perspectiva, sabia colocar as figuras no espaço onde “até as sombras são luminosas” como disse o historiador Ruskin, “até a escuridão máxima é cor”.
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Angélico ilumina tudo para que a harmonia seja alcançada. Para isso, queima todas as coisas frias, as tumescências, a tola sensualidade. Assim é destruído tudo o que é contraste, assim é destruído "o mal". Feito isso, a natureza se desvela a nossos olhos com harmonia e paz a fim de que o intelecto sedento descanse. Sendo assim como negar que a pintura de Fra Angélico não seja antes de tudo pregação? pergunta Argan. Mas não só.
Guido (nome de nascença) nasceu perto de Florença, em Mugello, por volta de 1395. Em 1417-18 entrou para a ordem dos Dominicanos. Já pintava neste momento, antes de se tornar monge. Há quem afirme que trabalhava com iluminuras, é bem possível.
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Em 1432 faz uma Anunciação, em 1433 executa um grande tabernáculo encomendado pelo grande Ghiberti. Em 1438 foi recomendado a Piero de Médici como “um grande mestre” de Florença. Seguem-se as encomendas de porte como pintar retábulos no convento florentino de San Marco, depois a decoração das celas, um altar.
Ele já adquirira grande fama. O papa resolve agraciá-lo com a cátedra de arcebispo a que renuncia por modéstia. Em fins de 1445 (sob o papa Eugênio IV) é chamado à Roma, fato considerado o ápice de qualquer carreira artística da época.
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Lá trabalhou nos palácios do Vaticano e volta em 1450 para Fiesole, se tornando prior do convento de San Domênico. A estas alturas está entre os grandes do Renascimento.
Torna a Roma em 1453 para trabalhar nos afrescos de Minerva e morre lá em 1455.
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O pintor Angélico figurava as coisas de forma a nelas ver Deus. Era demasiado teólogo para pensar que Deus pudesse ser contemplado diretamente, de maneira física. Então exalava Deus através do que pintava. Na natureza que Deus criara, estava a sua essência. Ali “o bem” era escolhido e o mal eliminado. Não é para menos que Angélico é, entre os artistas da primeira metade do séc XV, o que mais explicitamente procura definir um cânone de beleza ideal. Mas não é um teólogo, apenas. Ao mesmo tempo que busca a doutrina, participa da discussão contemporânea da arte.
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O crítico Giulio Carlo Argan diz que Vasari (considerado o primeiro historiador de Arte) é o responsável pela lenda em torno do nome de Fra Angélico. Ele defende que Fra Angélico é um santo, logo toda a sua pintura é santa. Antes de começar a pintar ele rezava e chorava. Entoava hinos enquanto pintava, portanto sua obra seria consequência de um arrebatamento de êxtase religioso, uma revelação. Vimos aqui que sim, mas nem tanto.
Em 1982, Fra Angélico foi beatificado pelo Papa João Paulo II e é considerado o patrono dos artistas.
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