Museo dell’Ópera del Duomo, Florença. (parte final)
O empoeirado e velho museu, mais depósito do que outra coisa, dá lugar a um museu moderno, dentro dos cânones atuais de museologia. Recebe  obras da Catedral, do Batistério, do Campanário e outras tantas. É  feito de obras retiradas do complexo arquitetônico do centro de Florença que estão sendo deterioradas pela poluição. Como exemplo, dois magníficos coros (de Luca della Robbia e Donatello) que foram substituídos por outros maiores para o casamento do filho de Cosimo II de Médici, em 1688. Ou quando Francesco de Medici fez desmontar a fachada da Catedral por achá-la antiquada. Outras, retiradas da Catedral  Santa Reparata, esta que foi demolida e deu lugar ao Duomo atual. Do Campanário vieram os 10 painéis de bronze, com temas  bíblicos, feitos por Ghiberti e estão preservados  em contêiners transparentes cheios nitrogênio. Obras originais são substituídas por réplicas por causa da poluição.
Sempre que vejo este ato de preservação, lembro dos 12 Profetas de Aleijadinho, sob sol, chuva e poluição. Recentemente fizeram guerra com produtos químicos aos fungos e liquens que os envelheciam. Mas continua lá, ao ar livre, o maior conjunto estatuário barroco do mundo, e a obra maior de Aleijadinho, que em 1985 virou patrimônio da humanidade. Continuam lá fora no tempo. No MAB, Museu da FAAp, em São Paulo, há réplicas dos profetas. As réplicas estão fora de perigo, sob teto, resguardadas...ai...ai...ai

O Museo dell’Ópera del Duomo é moderno. As peças foram colocadas com requinte, em vitrines de luxo. Cada uma com seu “pedestal” ou “altar”. Quero dizer, estão num espaço digno, sagrado, merecido.
Detalhe da Cantoria, Lucca della Robia, 1433-38, uma série de 10 painéis em mármore com relevos de meninos cantores e dançarinos, com formas graciosas e fluentes. 

Pietà (1548-55) - Michelângelo.

É impressionante este conjunto em forma de triângulo onde o rosto de Nicodemus é o auto-retrato do próprio Michelângelo. Historiadores acham que era destinado ao seu próprio túmulo.

Subo ao  mesanino do museu, onde estão os profetas de Donatello provindos do Campanário. O mais famoso deles, o expressivo, o disforme, o careca Habacuc.Tão moderno, tão eloquente que me impressiona de uma forma especial. Ah esta escultura me “pegava”. Era expressionista, assim como o entendo: uma forma de deformação da imagem com o fim de carregar mais emoção.


Profeta Habacuc - Donatello 1423–1425

Mas o que quase desencadeia a Síndrome de Stendhal é Maria Madalena, também feita por Donatello,  artista do mesmo naipe de Michelângelo. A  estes dois, curvo-me ao pronunciar seus nomes.



Maria Madalena. Escultura em madeira - Donatello,1543

Ele executa a Madalena, em madeira. Esta obra é um mistério para mim. Donatello parcece galgar séculos e chegar ao moderno, disposto a tocar o não-belo dos padrões clássicos. Com coragem de negar toda a beleza física, esculpe uma velha.Rosto fossilizado, é uma velha ascética. Aquela que antes tinha quadris acetinados e sensuais. Agora, esquelética e comovente, é estéril de tudo. Está vestida com seus próprios cabelos (a lenda conta que terminara seus dias numa gruta, como eremita). Sempre a vimos representada na sua condição de prostituta. Colorida, exuberante, sensual. Donatello vê a velhice, a feiúra e o cansaço de Maria Madalena. Humaniza-a até ao último grau.  Ao olhá-la, sente-se pena de nós mesmas, das mulheres, sente-se pena do amor e quando estamos diante dela, não estamos vendo uma escultura. Estamos tocando a própria dor humana.
PS.: uma querida amiga da Áustria me informa agora que desde 1963 o Vaticano retificou o adjetivo (prostituta) atribuído à Madalena.Na verdade ela seria uma mulher rica que patrocinava a causa de Jesus. Bem...quando Donatello a esculpiu, vigorava a velha e conhecida versão.
 Angela Weingärtner Becker

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