Marc Chagall: tradicional e moderno ao mesmo tempo


                                             Marc Chagall, Bella e filha Ida


"O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
 Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
 Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia".



 Falando de sua aldeia, Fernando Pessoa lembra Chagall e seu rio, não o maior nem o mais belo rio, mas o rio especial porque passa por sua aldeia. Dois gênios aproximados pela evocação da terra-mãe, tema telúrico, e neste sentido, universal.

    A aldeia de Vitebsk, onde Moshe Shagal (mais tarde, Marc Chagall) cresceu muito pobre, junto com 8 irmãos numa comunidade judia, é a aldeia russa que Fernando Pessoa evoca em Portugal. Ritos, festas, a Tora, sinagogas e rabinos, constantemente aparecem em sua obra, fazendo-nos familiares aos símbolos judeus, que talvez sem sua obra, nos ficariam indiferentes. Recebe uma educação de poucos recursos, mas amorosa e rica em humanidade -até ir para São Petersburgo não tinha visto uma única imagem impressa-judeus não tinham permissão pela Bíblia de representar imagens- Sua arte, por toda a vida, vai beber desta fonte de força psíquica originada na educação judaica.


    Para estudar em São Petersburgo (1906 a 1910) teve de contornar a oposição familiar, religiosa, política (os judeus eram confinados em guetos) e econômicas (a família além de pobre, impedia-se pela religião de patrocinar aquele que queria ser pintor, e representar imagens).

     Mas uma vez em São Petersburgo, começa a ganhar fama como pintor e acaba estabelecendo-se em Paris,onde fervilhavam as artes modernistas. Lá experimenta as novas técnicas, mas sem abandonar seu estilo pessoal. Segundo Herbert Read, Chagall disse que se apresentou em Paris “com terra russa aderida a seus sapatos”. Quando volta novamente a Paris (1922) pela segunda vez emigrado, apresenta uma arte cada vez mais onírica, mais russa, mais religiosa. Mas de uma religiosidade ampla ”Não sou um pintor judeu.Só tenho relação com a Bíblia porque ela é para mim a maior fonte de poesia”. Assim como não tinha inclinação para confrontações religiosas, não a tinha para a política. E sua arte entendida como apolítica não foi bem vista na Rússia quando lá voltara pois lá tudo apontava para uma arte engajada.




       No entanto, Argan em seu livro “Arte Moderna” questiona ”se há algo na arte capaz de dar idéia do espírito com que o povo russo vivia os anos heróicos da revolução, é a pintura de Chagall, e não a pintura teórica e rigorista de Malevich”. Chagall era contra o terror e a violência. Esta foi por toda a sua vida uma característica marcante. Com seus sentimentos poderosos da alma russa,vai conseguir introduzir na Europa sua fulgurante pintura junto aos fauves, aos impressionistas e aos cubistas.




      A saída para sua exaltação lírica e realidade psíquica profunda é dada pelo impressionismo que lhe dá a “licença” de liberar-se. Sua visão do mundo não precisa passar por um esquema intelectual. E numa perspectiva arbitrária cria seu mundo de fábulas onde há vacas vermelhas, violinistas verdes, galos azuis abraçados com sua amada e tudo flutua sem peso, num céu de espaços impossíveis.



    Este interesse pelas raízes russas já se manifestava antes, com o movimento “Os Errantes” -1863:uma revalorização do homem russo camponês, sua inocência e austeridade como o verdadeiro protagonista da história russa. Até então com a europeização da Rússia, com Pedro,o Grande,“tudo o que era russo fora descartado como bárbaro e rude e a cultura passara a significar algo essencialmente estrangeiro”(Camila  Gray, p.10).



                               
        Em Paris Chagall vai combinar toda a nova pintura russa que surgia, com as técnicas de arte moderna. Ele mostrará tendências cubistas, onde a iconografia russa aparecerá geometrizada. Sua arte ilógica jamais se enquadrará dentro do cubismo racional. Nem chegará a ser um autêntico surrealista, nem simbolista tampouco. Vai dialogar superficialmente com estes movimentos, sem perder a independência.”Sempre manterá seus pés plantados na terra que o havia alimentado” nos esclarece Herbert Read.
     Quando estivera pela segunda vez na Rússia, casa-se com Bella Rosenfeld, que será sua esposa,inspiradora, secretária, amiga, protetora por 30 anos e aparecerá na obra de Chagall outros 30 anos ainda após sua súbita morte nos Estados Unidos, em 1944. Chagall celebra seu amor delicado e cheio de poesia.
      
               
      Em 1937, naturaliza-se francês e logo este ato é revogado pela eclosão da segunda guerra Mundial. Como judeu e artista “degenerado” é preso em 1941 e depois libertado pela intervenção norte-americana.
      Parte novamente para o exílio, agora nos Estados Unidos. Com a morte de Bella, fica prostrado por muito tempo e sua arte adquire tons nostálgicos, mas nunca com desespero ou pessimismo. Há um “desbotamento em suas cores, como se vê no quadro que produz nesta época, chamado “Crucificação Branca” e que faz alusão ao holocausto.Mas a pureza predomina sobre a tragédia. Ele era essencialmente conectado com a vida.Trabalhou sempre com intenso afinco que manteria durante sua longa vida mesmo em tempos de apavorante isolamento e dor.

                                      
    (Nesta obra, mistura símbolos judaicos com cristãos- a Tora,as velas, Cristo com a veste de oração judaica,e ao mesmo tempo possui auréola e a luzdos santos cristãos -o que contraria a crença judaica de que Cristo era um homem comum)
Chagall volta para a França e em 1948, casa-se com Valentine Brodsky quelhe dá paz e estabilidade para pintar até o resto de sua longa vida de 97 anos.        Angela Weingärtner Becker

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