Sobre Michelângelo Buonarroti


Para o mundo das artes este é “o nome”. A importância que teve como artista múltiplo (escultor, arquiteto, pintor, poeta) e a mudança de status que faz acontecer, de artífice à artista, marca para sempre todo o universo das artes.

Michelângelo teve três biografias, duas delas feitas por Giorgio Vasari (em 1550 e outra em 1568). A primeira edição foi feita quando Michelângelo ainda estava vivo. Entre estas datas, Ascanio Condivi, discípulo de Michelângelo, também organizou a história da vida do mestre, quando este já estava em Roma, no canteiro de obras da Basílica de São Pedro. (1552).


 O mundo das artes estremece quando ouve seu nome. Não é para menos. Foi ele quem deu à cristandade a ideia concreta de Deus, aquele senhor barbudo que, certamente aflora na hora da prece, ao mundo cristão: o deus pintado na capela Sistina. Foi ele quem introduziu a famosa “licença poética”, ou seja, conquistou ao artista uma nova liberdade.

Ele, com sua autoridade imanente, faz uma interpretação subjetiva dos clássicos (o maneirismo). E aqui sugiro o filme “Agonia e Êxtase” que narra como o artista Michelangelo Buonarroti é chamado ao Vaticano pelo papa Julio II para pintar o teto da capela Sistina.
 
A figura de Michelângelo Buonarroti, pode ser considerada um divisor de águas. Antes dele, a imitação da natureza, depois dele a natureza deve ser vista sob a forma passada sob o filtro pessoal “à maneira de”.
No texto de Vasari temos que Michelângelo é filho de Florença, discípulo de Giotto, filho dos Medicis (ele sentava à mesa com a família Medici -imaginem a intimidade conquistada!) E Deus, com caprichada configuração dos astros, fizera nascer o gênio.

Condivi, em outro discurso fala em dons da natureza e esforço pessoal, pois teria estudado anatomia, a arte da pintura, a arte da escultura. E por isto foi imitado, por um séquito: “à maneira de Michelângelo” queria dizer imitar aquele que chegou à perfeição. (Michelângelo é comparado a Platão e Aristóteles).
Porém em ambos os autores temos que a genialidade de Michelângelo fora criada por Deus e que não bastava somente o esforço humano. Cristo e Michelângelo, num modelo teológico, foram enviados por Deus.


O interessante é que o próprio Michelângelo quis ser entendido assim: um enviado. E também sempre quis ser considerado escultor e não pintor. Em carta a um filósofo florentino, Michelangelo, com 69 anos já, escreve: “a escultura é a lanterna da pintura”. Para ele, a escultura era superior à pintura, rixa eternamente travada com Leonardo da Vinci que diz “A escultura é apenas uma arte manual, comparada ao pedreiro, ao padeiro. O escultor quando cria, é pintor, mas quando começa o ofício não passa de um pedreiro”, dizia Leonardo, desqualificando a escultura. O pintor saberia fazer a tridimensionalidade no plano, já os escultores respondem que os materiais são mais resistentes. Polêmicas à parte, é célebre o entendimento de Michelângelo que “a imagem está na mente" do escultor e ele retira do bloco de mármore tudo aquilo que não é a idéia imaginada. Por isso é considerado pelos estudiosos como neo-platônico.

Michelângelo tem em sua biografia momentos dramáticos da História como o Concílio de Trento, o saque de Roma e o assédio de Florença. Ele assiste e vive estes acontecimentos.
Com Miquelângelo e Leonardo há uma passagem para a modernidade, diz Dr. Marques de Azevedo, arquiteto, professor e escritor. “Fora da regra há alguma salvação”, dizia Michelângelo, chamado “o Divino”, ainda em vida. Ele compreende a arte como algo sublime e sua metáfora é o amor entre o homem e a mulher. A arte é a manifestação do que não pode ser visto e só se manifesta no fazer artístico.

(detalhe de Pieta)

Seu poema compara o amor à própria escultura. Ele interroga sobre o significado da paixão: “meus olhos veem a verdade da beleza ou ela existe dentro de mim?A beleza da natureza é só a imagem da beleza divina, mas sem a beleza da mulher, não a conheceria” Quando projeta os olhos dela (da mulher) em tudo o que vê é porque internalizou o desejo de ultrapassar o humano e chegar no divino.

Já na última parte de sua vida, ele vai considerar a arquitetura a primeira das artes.“O compasso está no olho”, diz, quando exprime a ideia de que a proporção deve ser submetida ao olho.
Não se sabe quem foi o mestre de Michelãngelo. Quando perguntado, responde ironicamente que o talento lhe veio através do leite de sua ama (ele fora amamentado pela mulher de um mestre de cantaria). Com isto queria dizer que ninguém o ensinara. Mas muitos mestres ele viu trabalhar o mármore e a convivência com Lorenzo de Medici lhe proporcionava estabelecer relações culturais e políticas. Michelângelo dizia que não aprendera escultura com escultores, mas com poetas. Ele não tem “letras”, não estudou latim ou grego, mas aprende com os poetas, com a corte, onde logo foi percebido como “espírito elevado” e oportunizaram a ele tudo o que era possível no coração de Florença, no coração da Itália, no berço do Renascimento.

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