Pietá

É talvez a escultura mais famosa do mundo ocidental. Esculpida em mármore de Carrara, mede 174 centímetros por 195 centímetros. A fita que atravessa o peito da Virgem Maria traz a assinatura do autor, a única que se conhece “Michael Angelus Bonarotus florent facieba” «Michelângelo Buonarroti de Florença fez.»

Quando a vi pela primeira vez, não estava com o vidro à prova de bala, colocado em 1972, porque fora atacada (um homem entrou na igreja e golpeou com marteladas a cabeça da virgem, atingindo em cheio seu olho esquerdo e a ponta do nariz). Pude, na ocasião, chegar bem pertinho e vê-la numa intimidade que jamais será possível.

 O grupo escultórico tem circularidade e pode ser vista de todos os pontos de vista, embora tenha, sim, um ponto central privilegiado. Lembro-me que um silêncio branco como o mármore nos envolveu a todos e nos seguiu por compridos minutos, até chegar ao lado de fora da Basílica de São Pedro. A luz do dia nos sacudiu do impacto e algumas palavras mal articuladas saíram com estranho som da minha garganta emocionada. Acabávamos de ver a perfeição. Mesmo com tema trágico (a dor de uma mãe segurando o corpo morto do filho) as palavras de Giorgio Vasari, biógrafo de Michelângelo, soavam com toda a verdade “é de maravilhar que, a mão do artifício, pudera divina e propriamente fazer em pouquíssimo tempo, algo tão admirável”. A Pietá foi feita em um ano apenas.(1499) E Michelângelo tinha somente 25 anos de idade.

O mármore lustroso tremeluzia. Era leve toda a composição. Aquilo que pelo tema deveria pesar, flutuava. Um requinte e uma delicadeza desta magnitude, eu jamais havia visto. O rosto idealizado, adolescente, de uma jovem mãe com um filho adulto nos braços era uma contradição que falava da beleza ideal buscada por Michelângelo. Ele deixara o realismo de lado. Muito da Mitologia grega estava ali representado. Adonis era sempre representado morto, com o braço abandonado, e é possível que este Cristo no colo da jovem mãe tenha derivado disso. Michelângelo recorre ao clássico. A beleza do corpo morto, a dor sobrenatural transcende o humano e alcança o sublime.

Michelângelo sofre várias críticas quanto à Maria ser jovem demais. Ela seria “filha do seu filho”. Ele faz um trabalho mental que deriva da antiguidade. Na época em que foi encomendada a escultura (1498) dominava a verossimilhança, cópia fiel da realidade. Michelângelo traz o modelo mental, platônico. Ele é o primeiro artista da idade moderna que introduz um sistema de proporção de acordo com nosso olhar, corrigindo e alterando a questão da ilusão ótica. Como se fazia na antiguidade. Como todo o Parthenon fora feito. A estátua foi pensada para ser vista de baixo para cima, e assim concebida, ele corrige, relativiza em prol da beleza vista pelo olho humano. O resultado disso é a verossimilhança. A Pietá mostra uma nova maneira de esculpir. Michelângelo é o grande e reconhecido artista universal. 

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