Fränzi na frente de uma cadeira esculpida, Kirchner 



                                             O EXPRESSIONISMO 



O Expressionismo, este movimento efervescente e renovador, agrupa grandes nomes: Egon Schiele, Edward Munch, Kandinsky, Franz Marc, Ernst Kirchner, Otto Dix são alguns destes gênios, todos do meu maior agrado. 

Em 1912, numa viagem para a Europa, Lasar Segall, que era pintor e gravurista, estudou algumas técnicas na Alemanha e trouxe-as para o Brasil. O expressionismo estará presente na arte de Anita Malfatti, Lasar Segall, Portinari, Oswaldo Goeldi e Iberê Camargo. ; Lista pra lá de suficiente pra se querer estudar o movimento! 

 Ele nasce em Dresden, Alemanha (1904-5) numa verdadeira comunidade de artistas organizados sob o nome "Die Brücke", A Ponte. Surge entre o fim do século XIX e o início do século XX, com uma visão trágica do ser humano, muito por conta do contexto histórico da Primeira Guerra Mundial. 


Constituíram-se em uma frente contra o Impressionismo que consideravam pueris e cheios de convencionalismos acadêmicos. Só reconheceram Cézanne pelo seu compromisso construtivo e rigor filosófico. Os demais, rejeitam. ( Neste começo de tudo estava o genial Ernst Ludwig Kirschner).

 O manifesto do grupo Brücke foi simples. Impresso com letra pseudo-primitiva falava em renovação, fé no progresso, liberdade. Falava em “nós, os jovens, somos portadores do futuro contra as forças há muito estabelecidas”. Falava em “imediatez e autenticidade”. ; Simples como um big bang. Sua força reverbera ainda hoje. E atentem: os membros fundadores eram estudantes de arquitetura de vinte e poucos anos.

 Os escritos de Nietzsche que estimulavam os artistas a buscar novas liberdades foram, entre outros fatores, um propulsor do movimento. O “Assim falava Zaratustra” recém publicado, era citado regularmente pelo grupo. Falava em renovação e superação, em liberdade da forma, em burguesia decadente. “O que é grande no homem é que ele é uma PONTE e não um fim o que pode ser amado no homem é que ele é uma abertura e uma passagem”. 


Esta frase dá o nome ao grupo “Die Brücke”. A Ponte, que estava impregnada dos escritos nietzschianos como antimaterialismo, ênfase ao indivíduo, ceticismo religioso. O sentimento deveria ser expresso com autenticidade, deveria ser inconfundível, inimitável. Essa ideia de rebelião estará para o grupo como o verdadeiro, o primitivo, o não-sofisticado, o tosco, a liberação sexual. O radicalismo técnico deveria trabalhar a favor do autêntico.


É fácil reconhecer um pintor expressionista. Eles deformam a imagem conforme seus sentimentos. Criam uma pintura alheia às regras tradicionais. Valores como harmonia das cores, equilíbrio da composição, regularidade da forma, tudo isso vai ser considerado blá, blá blá.

As pinceladas fortes e deformadoras vão imprimir em cada objeto representado o efeito de um grito de desespero. As cores fortes (que não requerem verossimilhanças), serão uma beleza quase demoníaca que tinge e contamina a natureza. Com técnica absolutamente original - o subjetivo não suporta imitação- raspam o fundo da alma e trazem-na à luz com brutalidade. Era a "imediatez" mencionada no manifesto. 

 A forma desregrada de encarar a tela e se dispor à autenticidade, é uma coisa muito interessante! A arte deve prescindir a tudo que a antecede. Ela se faz. Nada a preexiste. Tem de ser realizada ali diante da tela, do zero. A técnica não tem um método, é trabalho em si.

 Os expressionistas recusam toda a linguagem constituída (diz Argan). “Na origem da linguagem não existem palavras que “tenham” significado. Assim o expressionismo pretende ser uma pesquisa da gênese do ato artístico”.

Logo, conclui-se que a técnica não pode ser objeto de ensino-aprendizagem. Se assim fosse, onde estaria a insubmissão? Onde estaria a autenticidade? Sua técnica deve surgir junto do ato de pintar. E com envolvimento físico e emocional. O artista deveria pintar sob a febre da emoção.

 Por isso a rejeição de formas sofisticadas de “competência” artística. Aqui sao outros os moldes e outras as avaliações. O ato subjetivo não tem réguas. 


As artes gráficas, a xilogravura especialmente -técnica artesanal antiga- foi de uso preferencial do período. O embate com a madeira, a escavação, a tinta esparramada sobre a matéria e ao final a imagem se apresentando com rastros visíveis da luta e angulosidade deste fazer, será perfeita para os expressionistas. A força, a densidade da madeira ou pedra resistente ao ato, era o que eles verdadeiramente apreciavam. ...

 






EDGAR DEGAS (1834-1917




Bailarinas no Palco, 1879


Filho de banqueiro da alta burguesia francesa foi colocado desde pequeno em contato com as artes. Privilegiado entre os pintores, podia ter todo o seu tempo dedicado à pintura e à pesquisa do movimento no espaço.


Daí ser o pintor das bailarinas e dos cavalos de quem procura captar os movimentos espontâneos, nunca antes pintados. Costumava ficar horas e horas no teatro de Paris, observando as bailarinas, com a paciência e o pensamento de um cientista para capturar a essência do gesto. Neste sentido, para ele, bailarinas e cavalos eram a mesma coisa. Interessava o instante e como aquele corpo exercia o movimento, em sua ancestralidade.
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“Se é necessário repetir uma obra cem vezes, refaço-a cento e vinte vezes, isso não é problema”, dizia. E também "um quadro deve ser pintado com o mesmo rigor de um criminoso ao cometer um crime” referindo-se, por certo, à obsessão da precisão, do desafio, da atenção e do ato solitário que é pintar.
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Acima temos "Bailarinas em verde". Como numa fotografia, Degas pega num rasgo, bastidores e palco. Um fragmento genial visto de cima, a fugacidade da ação captada. Uma das bailarinas está completa, as outras "quedam em nostra libre imaginación" diz o site do museu Thyssen-bornemisza, de Madri, onde fica esta minha obra preferida do autor.
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Não esqueço uma exposição no MASP de Picasso(esse homem quase cruel) sobre o voyeurismo de Degas. Ele desenhou inúmeras vezes seu colega Degas com uma seta que partia de seus olhos e mirava a bailarina, a mulher, em explícita indiscrição voyeurista do objeto a ser pintado. Não dava pra ver estes desenhos sem rir da "maldade" de Picasso. O detalhe é que Picasso estava certo, certíssimo.
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Degas é classificado como impressionista. Nesta época, o passado contava cada vez menos, o futuro cada vez mais. A fotografia estava aí para registrar, documentar o que fosse preciso. Ao artista tocava a emoção, a criatividade. A Arte fragmentava-se em muitos movimentos que se sucediam e paralelizavam-se.
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E, quando por problemas genéticos Edgar Degas começa a ficar progressivamente cego, parte para a escultura. Passa a “ver” com as mãos. Faz bailarinas, agora em três dimensões. Sempre à captura do gesto preciso do instante. É por isso que o classificam dentro do movimento impressionista.
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No MASP, um dos destaques do acervo, é uma coleção completa de esculturas de bronzes, feitos em tiragem de 73 peças, que só pode ser vista integralmente no Masp e em poucos museus como no Metropolitan em New York, ou no Museu D`Orsay, em Paris.


Angela Weingärtner Becker




 

      ODILON REDON (1840-1916)

 


“Se a arte do artista é a canção da vida, uma melodia grave ou triste, devo ter soado a nota da alegria em cores.” (Odilon Redon).

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Alegria, sonho, mas também pesadelos. Basta dizer que usou a cor preta, e somente ela, por um bom tempo. "Mestre da doença e do delírio" disse alguém, pois flerta com o sinistro. No entanto, a alegria vence no final. Aliás, torna-se iridescente!

 

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Ontem vi mais de seiscentas obras de Odilon Redon, com fundo musical de Chopin, a Marcha Fúnebre. Uma overdose de luz, uma overdose de sombra. Não tivesse gostado, não teria ficado mais de hora aqui: https://www.youtube.com/watch?v=xiTxw02d6s0 .

 

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Nunca vi alguém trabalhar a cor com contrastes tão resplandecentes. Ele opera numa osmose entre o mundo subjetivo e o objetivo.  Isso se dá em continuidade, aparentemente por pura maestria do uso da cor. Ficamos encantados com estas imagens que se erguem das profundezas, de um lugar desconhecido. A cor vem em ecos como transmutação secreta e misteriosa. O invisível está ali mesmo na tela, na aparência das coisas. Não é o signo, mas as coisas mesmas. É o famoso “sublime” tão caro ao romantismo. Foi Influenciado por Gustave Doré, Goya, Allan Poe, Georges Seurat, Goethe. É fácil de ver nas telas, estas influências.

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 “O simbolismo antecipa a concepção surrealista” diz Argan, meu historiador de arte favorito. O sonho  é visto como revelação da realidade profunda do ser. Diferente do impressionismo que o antecede que quer a cor tecnológica e científica, a cor no lugar em que a razão construiu seu sistema. Aqui há uma contínua aspiração da transcendência. A pintura deve ser poética e musical. A inspiração do artista não provém da ciência nem do alto, mas emana da vida.

 

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Até 1886, Odilon passa um longo período só desenhando e usando o preto. Até que, arrebatado como num êxtase, se abre em visões oníricas. Agora pinta uma realidade infinitamente mais vasta do que os sentidos captam. Ele passa da análise para a síntese, do desenho minucioso às grandes manchas de cor. Timbres e vaporosas vibrações com perfumes e sons, acompanham as cores.  Busca continuadamente o ritmo de uma transmutação secreta. Tipo... ele não inventa, ele revela.

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O brilhante pintor e escuro gravurista Bertrand Redon, apelidado por sua mãe Odile, de Odilon Redon, nasceu em Bordeaux, França.

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Aos 15 anos começa desenhar. O pai o queria arquiteto, mas ele é reprovado na Escola de Belas Artes de Paris. (Outra vez os salões recusando excelentes artistas!)

Trabalha com carvão e litografia, como forma de ganhar a vida “já havia tentado, em vão, mostrar nos Salões oficiais os inúmeros desenhos que já havia feito. Portanto, fiz minhas primeiras litografias para multiplicar meus desenhos.”

Volta para Bordeaux onde aprende escultura e outras modalidades de artes visuais, como a gravura. Vai servir na guerra franco-prussiana e depois se muda para Paris.

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Conhece Stéphane Mallarmé, poeta e crítico de arte. Participa de reuniões regulares em sua casa. Lá encontra Gauguin, Vuillard, Whistler além de outros literatos. Conhece também o romancista e colecionador de arte, Joris-Karl Huysmans que escrevera um romance de sucesso cujo protagonista tem a excentricidade de colecionar desenhos à carvão de Odilon Redon. Essa amizade ajudou-o a se tornar famoso.

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 Em 1880 casa-se com Camille Falte: “Creio que o sim que pronunciei no dia da nossa união foi a expressão da certeza mais completa e absoluta que alguma vez experimentei. Uma certeza ainda mais completa do que a minha vocação”. Mas esta felicidade logo é perturbada pela perda, aos seis meses de vida, de seu primeiro filho. Odilon Redon mergulha em profunda depressão.

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Na última coletiva dos impressionistas (1886) Odilon Redon expõe suas obras. O impacto dos “noirs” de Redon na arte moderna será muito importante. Os surrealistas ficaram particularmente impressionados com a qualidade onírica daqueles carvões e litografias, e André Breton foi um admirador particularmente grande.

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Em 1890, seu trabalho sofre uma mudança radical. Agora o foco era a ênfase na subjetividade e na visão interior.  Finalmente emprega cores após anos de apenas preto. Neste momento, houve um despertar religioso com seu crescente interesse em assuntos do budismo e cristianismo. Sua preocupação principal era com a experiência subjetiva da espiritualidade e não a mera ilustração de textos litúrgicos. A cor se tornou um meio potente para explorar espaços além do visível. (há quem atribui esta adoção da cor à sua felicidade pessoal, já que seu segundo filho havia nascido).

 

Tudo o que passou a produzir, seres mitológicos e literários, naturezas mortas florais foi totalmente inundado com cores brilhantes. Em vez de descrever as coisas para nós, o espectador participa ativamente da interpretação da obra. A obra fica absolutamente brilhante. Ele faz uma condensação na tela do adejar de toques e de gestos iridescentes.

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Marcel Duchamp, observou: “Se devo contar como foi minha própria partida, devo dizer que foi a arte de Odilon Redon”.

 

A fama de Redon cresceu no final de sua vida. Em 1903, o governo francês concedeu-lhe a Legião de Honra. Em 1913, é publicado um catálogo com suas gravuras. Neste mesmo ano, ele foi incluído no famoso Armory Show, em Nova York, exibindo mais obras do que qualquer outro artista na exposição.

 

Odilon Redon faleceu em 6 de julho de 1916, talvez uma morte acelerada por sua ansiedade e pavor em relação ao filho, que servia como soldado na linha de frente na Primeira Guerra Mundial.

 PETER PAUL RUBENS (1577-1640)


"As três graças"1630–1635 -Peter Paul Rubens, Museu do Prado, Madri.

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Bonito, saudável, culto, sensato. Rico, com vida organizada e sóbria. Artista e diplomata de sucesso, foi chamado de “O príncipe dos pintores”. Influenciou grandes e numerosos artistas que vieram depois. Delacroix o venerava.
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Diferente da maioria dos artistas, ele foi feliz por toda a vida, desde sempre.
Dono de um atelier enorme, chegou a ter 100 auxiliares. Poderíamos considerar uma corporação ou, modernamente, uma empresa, talvez Peter Paul Rubens & Cia. Ltda. Tinha uma marca, a marca “Rubens” onde empregava especialistas de mãos, pés, crina de cavalos, animais, plantas.
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Seu método de trabalho era fazer um esboço da composição, depois um pequeno modelo e entregar aos obreiros para realizar. Tocava a ele negociar, conceber, supervisionar, retocar, finalizar. Neste tempo, não havia ainda a figura do marchand, o intermediário. Habilidoso, ele mesmo negociava. Uma obra tinha maior ou menor preço dependendo da participação que o mestre dispensava ao trabalho.
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Assim funcionavam praticamente todas as famosas guildas. Com Rubens não foi diferente. Sua oficina foi mesmo espantosamente grande.
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Às quatro horas já estava de pé. Assistia à missa cotidiana e ia trabalhar. Não esperava inspiração. Sentava-se e trabalhava. Pintava e lia os clássicos ao mesmo tempo.
Além de pintor, foi importante diplomata. Era chamado pelas cabeças coroadas da França, Inglaterra, Itália, Espanha para facilitar a resolução de intrigas tão comuns ontem e hoje neste meio.
Em 1630, com a ajuda de seus esforços diplomáticos, estabelece a paz entre Inglaterra e Espanha. Recebe o título de Cavaleiro. Foi o primeiro pintor a receber esta honra.
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Escreveu: “considero o mundo inteiro, minha pátria”.
Andava com naturalidade pela Europa, cheio de fama e tapetes vermelhos.
A fama, no entanto, não o afetava.
Foi um homem trabalhador, verdadeiro e bom. Não gostava de política mesmo estando rodeado dela e quando pode, comprou terras e foi morar no campo.
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Nasce na Antuérpia, Países Baixos. Recebe educação católica humanista e se torna um grande leitor de literatura clássica, o que veio a marcar toda a sua obra. Tinha conhecimento extraordinário de filosofia e literatura.
Com onze anos começa a leitura dos clássicos e isto continuará pelo resto da vida
Em 1600 viaja para a Itália. Em Veneza estuda Tiziano, Veronese, Tintoretto. Em Florença, o grego clássico. Faz uma grande e longa viagem a Roma para estudar no avançado centro da cultura da época.
De Michelangelo, apreende os volumes, de Caravaggio, a luz, de Veronese a cor. Porém tudo passa pelo seu filtro pessoal.
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Aos 23 anos, foi retratista da corte em Mântua. Aos 32, pintor oficial da Infanta Isabel, da Espanha.
Teve dois casamentos e foi feliz em ambos. Na segunda vez que casa, estava com 53 anos, ela com 16.


Rubens, " A Descida da Cruz"

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Retratista, paisagista, trabalhos decorativos, alegorias, mitos, história, natureza. Ele era bom em tudo, mas mais ainda, como pintor de trabalhos religiosos. A contrarreforma estava no auge e ele foi o mais importante pintor barroco- foi um mestre da persuasão.
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Brutalmente vital, suas obras muitas vezes faziam uma explosão orgiástica da vida. Curvas, oblíquas, órbitas e acúmulos de massas. A cor em ondas “alcança timbres brilhantes” diz Wendy Becket a freira, historiadora que sempre tem a palavra certa. Neste turbilhão ele junta passado e presente. Bíblia e Mitologia ocupam o mesmo espaço na tela.
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Sua pintura tem vigor, intensidade e doçura também. Ele olha o corpo com dignidade, reverência e refinamento. Assim olha tudo. Certa vez recebe uma encomenda difícil de Maria de Medici, rainha-mãe da França. Rubens conseguiu fazer a série de telas com extraordinária beleza, sem resvalar para o ridículo, que é o que ela sempre havia tangenciado.
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Foi um grande solucionador de problemas. Inclusive na arte religiosa, expressava um humanismo católico admitindo o prazer sensual misturado com fervor religioso.
O maior dos pintores barrocos juntou o esplendor italiano com a nitidez e sensibilidade flamenga.
“As três Graças”, é a mais popular de suas obras. Ali retrata magníficos corpos femininos, cheinhos, ao gosto flamengo seiscentista. Belas, floridas e roliças mulheres flamengas. Traz o motivo clássico com o gosto do presente.
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Ao final da vida, Rubens compra um castelo e lá no campo, rodeado pelos seus familiares, começa a fazer paisagens. Constable entende que ali faz o melhor de sua obra. Bom em tudo, mesmo.
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Em 1640, acometido por gota, sua vida chega ao fim. Seu quinto filho estava concebido há um mês..
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BENVENUTO CELLINI (1500-1571)
e o saleiro de ouro


Benvenuto Cellini, 1543
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Em janeiro de 2006, a polícia da Áustria recupera uma obra-prima renascentista pertencente ao Museu de História da Arte, Viena. O saleiro, centro de mesa de ouro, esmalte e ébano era avaliado em 50 milhões de euros. O autor da maravilha foi o italiano florentino, Benvenuto Cellini.
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Em maio de 2003, um ladrão entrou pela janela, por um andaime de construção, e roubou a escultura sem que ninguém o visse. Ele dirigia uma empresa de alarmes.
Isto foi um dos mais espetaculares roubos dos últimos anos.
Tudo em estilo cinematográfico. Perseguição nas ruas de Viena, imprensa, FBI, telefonemas, filmagens, “procura-se”, negociações. E o mundo em expectativa.
O suspeito, de 50 anos, "colecionou escultura na sua juventude e continua a sentir um fascínio por ela", justificou-se. Ele pedia um resgate de dez milhões de euros.
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Ao final, acabou por confessar e apresentar-se à polícia. Levou os detectives a um bosque onde a peça estava enterrada. Depois de escavarem na neve, os agentes recuperaram uma caixa metálica onde estava embrulhado, em linho e plástico, o saleiro de Cellini.
Durante os três anos, a escultura esteve escondida no apartamento do suspeito.
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O "Saleiro de Ouro" é considerado a "Mona Lisa" das esculturas, única obra de ourivesaria conservada, do florentino Cellini. O artista fez a obra em Paris, entre 1540 e 1543, a pedido do rei Francisco I da França.
Mede 26 centímetros e compõe-se de duas figuras, Ceres e Netuno, representando a Terra e a água. Suas pernas entrecruzadas simbolizam a união desses elementos que, juntos, produzem o sal.
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Cellini foi um famoso ourives, escultor, gravador, pintor. Trabalhou para imperadores, reis, papas e príncipes. Ele mesmo, lá em sua época, foi acusado de roubo de objetos papais. Sua biografia é bem interessante.
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Benvenuto Cellini, Autorretrato ,1562

Benvenuto Cellini nasceu em Florença, filho de um fabricante de instrumentos musicais. Não seguiu a música como queria o pai. Foi trabalhar como aprendiz de joalheiro. Inquieto, briguento, pegou a estrada em direção à Roma, sonho e destino dos artistas da época.
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Seu primeiro trabalho como ourives foi um "saleiro de prata" encomendado por um cardeal que ficou tão maravilhado que saiu a exibi-lo pela cidade. Mais tarde irá fazer o saleiro de ouro, este, que em 2003 foi roubado do museu na Áustria.
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Em torno do Papa Clemente VII, reuniam-se os melhores artistas. Cellini, hábil como artesão, hábil nas relações sociais, introduziu-se neste seleto círculo.
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Uma guerra entre França e Espanha devastava o norte da Itália e, em 1527, chega até Roma. Cellini, refugiado no Castelo de Sto Ângelo, comanda um grupo e, juntos travam memoráveis batalhas expulsando os invasores.
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Cellini é tido como herói de Roma.
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Volta à sua paixão, o trabalho de ourivesaria. Para o papa Clemente VII faz diversos trabalhos, inclusive um medalhão de ouro com a imagem do pontífice. Em 1534, assume um novo papa, Paulo III, que o mantém. Na época, era o maior artista em sua especialidade.
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O esplendor
"Perseu"

da obra de Cellini é um exemplo perfeito da escola maneirista que buscava atingir a emoção através de efeitos estéticos. O maneirismo, é uma arte “de corte”, de um intelectualismo refinado.
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Bom lembrar que Cellini vinha de Florença onde os Médicis governavam. Lá as técnicas de ourivesaria, tecelagem, cerâmica, não eram consideradas “menores”. O status do artesanato era de Arte. Assim, artistas de prestígio trabalhavam na produção artesanal oferecendo desenhos, modelos. Cellini foi um caso típico de artista-artesão, ourives, restaurador acurado, habilidoso pintor e principalmente escultor.
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Infelizmente, a maioria das obras pequenas de Cellini, como medalhas, taças e adagas, foram fundidas. E o medo das autoridades de Viena quanto ao saleiro roubado era bem este: de ser derretido.

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Cavaleiro, Benvenuto Cellini

No início da década de 1540, Benevuto Cellini vai a Paris. O rei da França, Francisco I, oferece-lhe um lugar na corte, mas ele não aceita. Volta para Roma.
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Chegado à intrigas, cheio de inimigos, é preso, acusado de ter roubado joias do tesouro pontifício.
Com a ajuda de amigos, nada é provado, é solto. Resolve voltar para a França onde se dedica à produção de peças encantando a corte francesa.
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O ano de 1540 foi o mais produtivo de sua vida. Para Francisco I faz “O Saleiro de Ouro" e a "Ninfa de Fontainebleau".
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Torna a voltar para a Itália onde passa a trabalhar para o Duque Cosimo de Médici, em Florença. Lá cria peças admiráveis.
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Toda a vida solteiro, resolve casar com sua governanta. Então se aquieta, abandona a vida tumultuada e produz belíssimas obras escritas sobre sua vida, sua arte, e com isso compõe um quadro vivo do homem da Renascença.
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Cellini produziu trabalhos em ouro, prata, bronze e mármore, hoje expostas em vários museus. Também as famosas estátuas de “Perseu” (Logi dei Lanzi, Praça da Signoria, Florença). "Narciso", "O Cristo na Cruz" , (está em Madri) e "Cosimo I de Médici" e "Apolo e Jacinto", talhados em mármore, estão no Museu Nacional de Florença.
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Cellini, este homem renascentista de múltiplos talentos, faleceu em Florença no ano de 1571.

                                   RENÉ MAGRITTE (Bélgica 1898-1967)

"Os amantes" ,
1928

Seu pai, Leopold, era alfaiate e proprietário de uma pequena manufatura têxtil. Agressivo, namorador, irreverente, com altos e baixos financeiros. Os três filhos, indisciplinados a ponto de a família ter de mudar de cidade por duas vezes, Châtelet e Charleroi, na Bélgica. Os moleques logo tinham má fama sendo rejeitados pelos vizinhos.
A mãe foi chapeleira (não é para menos que Magritte se autorretratava de terno e chapéu).
Ela, portadora de melancolia profunda, tenta suicídio várias vezes. O marido a tranca no quarto por temporadas, até que um dia, em 1912, definitivamente termina com a sua vida e é retirada do rio Sambre, afogada. Um pano envolvia a sua cabeça. Magritte tinha 14 anos e presenciara a cena.
Esta imagem com pano, vai aparecer muitas vezes em sua pintura (mas também corresponde ao interesse surrealista por máscaras).
Dois eventos lhe marcariam a vida: um encontro com um artista pintando em um cemitério, com quem ele se deparou enquanto brincava com um amigo e a cena da morte da mãe.
Na escola, conhece Georgette Berger com quem se reencontra mais tarde para casar-se.
Frequenta a academia de Belas Artes da Bélgica. E, casado com Georgette que trabalha numa cooperativa de artistas, tem a rica oportunidade de conviver com arte.
Conhece vários membros da vanguarda belga interessados pelo futurismo italiano e o movimento The Stijl. Trabalha numa fábrica de papel de parede e depois com publicidade.
Golconda (1953)
Certo dia conhece a tela de De Chirico “Canção de amor” que o influencia ao ponto de fazer uma guinada nos seus trabalhos. Um ar desolado e misterioso toma a sua obra apontando para o que será.
Em 1926 faz sua primeira tela surrealista “Lost Jockey” e realiza sua primeira individual em Bruxelas. Expõe “Assassino Ameaçado” influenciado pela popular série policial Fântomas, da qual era um fã. Um quadro chocante.
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A Traição das Imagens (1929)

Muda-se para uma cidade perto de Paris e se junta aos surrealistas liderados por André Breton: Paul Eluard, Hans Harp, Miró. Com Eluard e sua esposa Gala, visita Dali em Cadaques. ( vejam..pouco tempo depois, Dali casa com Gala).
Nesta época pinta “Ceci n’est pas une pipe”(1929) - Isto não é um cachimbo. De fato, não era mesmo um cachimbo, mas a figuração de um cachimbo. Então o observador se pergunta qual a verdade mais real.
Isto terá implicações semânticas, linguísticas. Nomeia o que, evidentemente, não tem necessidade de nomear e quando o faz, nega-o. (O filósofo Michel Foucault faz um estudo sobre o tema. Há de ter aqui na internet).
Em 1930, ignorado pelo grupo surrealista de Paris, volta para o conforto belga. Não gostava das questões do subconsciente, resiste à psicanálise. Seu método, no entanto, foi revelado por um sonho, no ano de 1932.
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Magritte tem a obsessão do banal misterioso. Toma um objeto da realidade, e o tira do contexto originário, estabelecendo um enigma. É surrealista, mas não segue Breton que preconizava o automatismo psíquico, a gestualidade casual. Ele não se volta ao subconsciente em si. Trata do objeto e de como este invoca o subconsciente quando o desloca para outra realidade.
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O Filho do Homem (1964)
O objeto, desenha e pinta íntegro e autônomo (não derramado ou alterado como fazia Dalí e outros). Cria um outro tipo de lógica, a do absurdo. Os títulos também são deliberadamente sem relação com as obras. Usa o título para outra vez deslocar. Magritte adorava quebra-cabeças.
Sua maior tela está no teto do Théâtre Royal des Galeries, em Bruxelas. Um céu azul pontilhado de nuvens, motivo caro ao pintor belga. Inicialmente, o artista havia proposto o mesmo motivo com sinos, cuja pintura pode ser vista no Museu Magritte. Esta última opção acabou não sendo mantida, mas um gigantesco lustre com bolas de vidro foi adicionado no meio. Ficou lindo, vi por fotografia e posto acima.
Briga pela segunda vez com Breton e deixa os elementos sombrios (tão caros ao surrealismo) para fazer quadros mais alegres. Pelo surrealismo, incorpora o nonsense e autoriza-se ao irracional.
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Como uma resposta subversiva à desolação da guerra, escreve:
“A sensação de caos, de pânico, que o surrealismo esperava promover, para que tudo pudesse ser posto em questão fosse alcançado com muito mais sucesso por aqueles idiotas nazistas. Contra o pessimismo generalizado, agora proponho uma busca por alegria e prazer.”
Pinta várias telas por influência de Renoir. Eu vi, não gostei, concluí que Magritte, no impressionismo, não estava em seu elemento.
Há quatro anos vi a tela “tempo paralisado” pintada com petróleo. Apresenta um trem saindo pela lareira e adentrando o silêncio de uma sala vazia. A pintura foi feita por encomenda pelo empresário de Londres Edward James. O tema é encomendado em homenagem à esposa, que morreu sob um trem descontrolado em Londres. " Eu decidi pintar a imagem de uma locomotiva para que seu mistério seja invocado", disse.
Tem uma tela roubada “Olympia”, avaliada em 3 milhões, onde aparece Georgette nua. Os ladrões a devolvem três anos depois por ser muito famosa e não conseguir, por isso, comercializá-la. Surrealista, não?
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Morre de câncer aos 68 anos.
Nos últimos dez anos de vida o sucesso o alcança definitivamente. Ele dizia “meu único desejo é enriquecer-me com pensamentos excitantes”.



MARIA MARTINS
A brasileira Maria Martins tem uma história artística incrível. E uma extraordinária vida pessoal. Está presente em grandes museus como o Museu da Filadélfia, MoMA em Nova York, no MALBA Argentina, na Bélgica e na França. Em São Paulo no MAC e Rio de Janeiro(MAM). No Palácio Itamaraty, em Brasília. Isto já é um baita cartão de apresentação!


 Conviveu com os grandes nomes da época, Breton, Max Ernst, Chagall, Picasso. Foi amiga de Brancusi. Com Mondrian dividiu uma exposição em NY. Extraordinário foi o caso que teve com Marcel Duchamp, por mais de uma década. As cartas que trocaram mostram a união caliente que ligava os dois e como respiravam juntos o amor pela Arte.

                  "O Impossível " Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Foto Jaime Acioli


 Duchamp tem duas obras importantes que dialogam direta (e ocultamente) com a obra dela, impactado com a beleza e sensibilidade vibrante da artista. É preciso dizer que Duchamp foi o artista mais importante nascido no séc. XX. Foi quem mudou a arte do seu tempo. Nas últimas décadas de sua vida, trabalhou com o pensamento voltado à brasileira Maria Martins.


 Maria Martins foi casada com o diplomata brasileiro Carlos Martins que conheceu na França (1920) e este foi seu segundo casamento. Em função disso, morou em Paris, Bélgica, EUA e Japão, onde o marido foi embaixador. Carismática, erudita, poliglota, frequentava os artistas que estavam no topo dos movimentos. Como André Breton, autor do manifesto surrealista. Ela se alinhou desde logo ao surrealismo. 


Trabalha com escultura em madeira em Paris, mas muda a técnica para “cera perdida”, quando vai morar em NY. Esta técnica sobrepõe camadas sobre camadas de cera que será substituída por bronze no derretimento quando escorre para fora, se perdendo. Daí o nome. Esta técnica pede a “mão na massa”. É visceral, orgânica.


                                                                      “Canto da Noite” Palácio do Itamaraty, Brasília

 Maria (preferia ser chamada pelo pelo primeiro nome) tem uma obra de sensibilidade e metamorfose tropical. O surrealismo lhe caia como uma luva. "Não esqueça que venho dos trópicos" é o nome de uma obra dela. Prezava os títulos, certamente influenciada por Duchamp (a quem mais influenciou do que foi influenciada).


 A Amazônia é o seu motivo básico. Faz uma exposição em NY com este título. Neste lugar-amazônia- tudo é úmido e em estado de transformação. A matéria é o magma que ainda não é. Tudo palpita de vida na sombra crepuscular eterna da floresta e q ainda traz a memória do caos. 


A escultura de Maria é assim como a Amazônia. É o resultado do fluxo entre as formas vegetais, animais e humana. Não se sabe onde começa, nem onde termina. Algas, raízes, lama, formas sexuais, viscerais, corpóreas. Este clima é o próprio fazer de sua escultura. A vida está no sombrio, no crespo, no indomado. É arrebatador.


 Ela esculpe os mitos deste Brasil mágico e indomado e no mito fundador da Amazônia reza que todo o ano o rio deve fecundar a floresta. O rio sai do leito pela noite à procura da mulher mais bela entre as belas. Sai e desliza em meio à floresta enrosca-se em troncos, folhagens, raízes e segue "derrotando animais, enlouquecendo os pássaros" à procura da mais bela morena do crepúsculo da mata. Com a cópula anual, vivifica a floresta. 


Assim é a escultura de Maria Martins. Assim é a própria Maria Martins, esta artista que ressurge agora com força, a mesma força que arrebatou Duchamp já na maturidade e coberto de fama. Há trabalhos que ele moldou no corpo mesmo de Maria e que está voyeuristicamente oculto/exposto numa sala do Museu de Arte da Filadélfia.                 
          Angela Weingärtner Becker