Milão e Il Duomo
Rumamos a Milão, onde o objetivo maior seria ver A Santa Ceia, de Leonardo da Vinci.
Milão é, talvez, a mais rica cidade da Itália. Uma zona industrial de vanguarda, fazendo da Feira Milano, o maior complexo de feiras e exposições do mundo. Junto com Paris é uma das capitais mundiais do design, da moda. Dita o ritmo vertiginoso das últimas tendências. Que sofisticação nas ruas, nas pessoas! Observei um rapaz que falava ao celular. Malha de caxemira jogada ao ombro, displicente, elegante. Mudava de posição, e cada uma delas, era um Armani perfeito. Havia muitos assim. E moças também, que internalizaram, naturalmente, as esculturas que viam desde sempre.

 Galleria Vittorio Emanuele II, na Praça Del Duomo. É o primeiro “shopping” construído. Talvez a inspiração de todos eles (concluído em 1877).
Mas o que interessava lá, era o convento anexo da Igreja de Santa Maria de delle Grazie. Ali está a Santa Ceia. O taxi que nos trouxera do aeroporto Malpensa, deixou-nos num hotel muito bem localizado. Centro de Milão, perto da Catedral para onde convergiam todas as ruas. Deixar as bagagens e checar a visita a Leonardo, pois não conseguimos fazê-lo de Barcelona. Nem pelo site, nem por telefone.
Ligamos ao convento: não havia a menor possibilidade de visita. Tristeza. Mesmo assim fomos ao local, em horas mortas do domingo, tentar “chorar” um ingresso, uma desistência, quem sabe. Impossível. Restava apenas um bilhete para o mês seguinte. Por acaso havia interesse? Interesse havia. Não havia o tempo. Leonardo ficaria para a próxima vez. Dor. Leonardo me parecia fisiologicamente inadiável.

Igreja Santa Maria Delle Grazie. Leonardo pinta o afresco da Última Ceia, no convento dominicano, junto à Igreja     
Última Ceia, 1490. Sete restaurações, sendo que a última durou 20 anos (terminada em 1959). Leonardo da Vinci pintou o afresco à têmpera e ovo
Deste famoso afresco, dizem os historiadores de arte, só uma “sombra” do original, ainda se conserva. Conta-se que soldados, na segunda guerra, fizeram do rosto de Jesus alvo para pontaria. Aliás, há lendas e lendas sobre a figura de Leonardo. Talvez a grande afluência ao local se deva à literatura e filmes que ultimamente foram produzidos sobre o gênio. Não era meu caso.  Gostaria tanto de ver a doce figura de João como também o rosto perverso de Judas, procurado por Leonardo, anos e anos, entre assassinos, para encarnar (segundo Giorgio Vasari) “a perfídia e desumanidade”.  Mas não dava para chorar sobre o leite derramado. Restava muita coisa ainda para ver. E o tempo “rugia”.

 Il Duomo, Catedral de Milão. Centenas de pináculos “efervescentes”
Voltamos ao centro a pé, num dia maravilhoso. Logo avistamos as agulhas da catedral de Milão, Il Duomo, como o chamam. Uma visão inacreditável.  Estilo gótico francês flamejante parecia ter caído do céu. Imaginei um deus, em pessoa, largando num lago, um gigantesco comprimido efervescente, cujas bolhas de ar cristalizaram-se em centenas de torres brancas multiplicadas. Sob o sol, cantava no ar o requinte, a leveza.

Agitada história da Catedral, onde todos os arquitetos milaneses do Renascimento intervêm com eruditas discussões, para erigir um santuário sem precedentes. Mark Twain dissera da catedral “Tão grande, tão solene, tão vasta! E tão delicada, arejada, graciosa! Um mundo de sólidos sem peso parece um delírio de trabalho no gelo que pode desaparecer com um suspiro”. Dizem que é a segunda catedral em grandeza, apenas superada por São Pedro, em Roma. E ele continua: “Não consigo entender como é que pode ser segunda a qualquer coisa feita por mãos humanas”.
Castello Sforzesco
Saindo do Duomo, em linha quase reta, chega-se ao Castelo Sforzesco. Escuro, robusto, linhas retas, um forte. No imenso gramado, pessoas sentadas, recostadas. Sob a luz amarela do fim da tarde, deitei-me. Deste ponto de vista, o pesado castelo me esmagava. Fechei os olhos para sua dureza. Vi a catedral branca e vaporosa pairar em minha frente. Límpida, fresca, música tocada ao piano. Eram seis horas da tarde, hora da Ave Maria.
Angela Weingärtner Becker

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