Ulisses- nostálgico e sedutor

Ulisses e as sereias (Herbert Draper)

     Na Odisséia, como sabemos, Homero narra a história do herói da guerra de Tróia, Ulisses, voltando para casa onde deixou seu pai, sua mulher Penélope, e seu filho Telêmaco. A terra é Ítaca, onde ele é rei.

     Ulisses é um homem, não um deus, sequer é um semi-deus. Durante sua volta ele enfrenta obstáculos quase intransponíveis como sereias, feiticeiras, monstros, tempestades, ventos, furacões. Vai até o inferno (Hades) onde reina o esquecimento. Enfrenta desordens externas e internas. É ludibriado, recebe a promessa de se tornar imortal e jovem para sempre, pela deusa Calypso. Ulisses tem de ser bravo e persistente senão corre o risco de não mais querer voltar para casa. Deve lutar contra o sono e a tentação do esquecimento, a tentação do “mais fácil”. Deve estar sempre consciente de “quem ele é e do que realmente quer”. Sua luta é contra a hybris, a desordem cósmica (contrário de oikós harmonia). Zeus muito trabalhou para colocar o cosmos em ordem e Ulisses sofre tentações de toda a espécie para cair em desarmonia contra este cosmos. Todos os seus companheiros sucumbem, Ulisses é o único sobrevivente.

     O alcance filosófico da personagem Ulisses está, conforme diz Luc Ferry em seu livro “A sabedoria dos mitos gregos”, em entender que o homem, para ser feliz, precisa estar em sua casa.
         
     Ulisses sente nostalgia que é o doloroso desejo de voltar para casa. É “uma vontade intensa, mas sempre contrariada, de voltar a seu ponto de partida, ao país, ao lugar onde nasceu”. E, como os românticos alemães muito bem definiram, é o bei sich selbst (seu lugar interior) ou então Heimweh (seu lugar geográfico). É o que sentimos quando estamos fora de nossa “Ítaca” pessoal. Luc Ferry diz que nos movemos para o nosso lugar natural de onde fomos deslocados. Isto é a ordem cósmica buscada por Ulisses e, enfim, por todos nós. Esta harmonia é melhor do que a imortalidade, oferecida por Calypso. A condição de mortal é harmônica com o homem, ao contrário da imortalidade artificial que o despersonalizaria tornando-o estranho aos companheiros e até de si mesmo.

     Ulisses precisa ser o que ele realmente é. Precisa voltar à sua Ítaca, ser um mortal ser aquilo que a qualquer preço e sacrifício vai levá-lo ao seu ponto de partida. Esta é a forma que a mitologia vai legar à filosofia: uma “espiritualidade leiga”, como diz Luc Ferry, e que Ulisses é o primeiro a encarnar. O pecado da hybris, ao contrário do que muitas religiões concebem, não é pessoal e sim de dimensão cósmica.

    E, diga-se, Ulisses apresenta-se justamente por isso, com muito charme. Ele é astuto, sábio, corajoso. É um homem "de verdade" que, com toda a experiência e conhecimento adquiridos nas provações da viagem, será um homem que mulher alguma vai resistir. É sedutor, não por atributos físicos, mas por sua determinação e sabedoria. Ele é inventivo, tem coisas para contar, é um homem completo, que olhou “n” vezes a cara da morte. Escolheu sua humanidade e repudiou a hybris. Luc Ferry termina esta explicação de homem sedutor dizendo que mulher alguma consegue viver por muito tempo com “um homem mimado”, vazio. Penélope, esta mulher forte e fiel, merece um homem à sua altura, merece Ulisses.
                                                                              Angela Weingärtner Becker

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