Museo Nacional del  Prado (parte II)- Os  magníficos flamengos
O sol e a música ficaram lá fora. Em mim, um levíssimo sentimento de familiaridade. Estes profissionais de parques e esquinas sabem escolher repertório. As suas músicas parecem nos falar de parentes distantes.


Dentro do Prado, cada um de nós, retomou seu rumo e ritmo. Ritmo que nunca, mas nunca, é igual. Demorar-se diante de uma obra de arte, fruí-la, é experiência pessoal.

Entrei pela “Puerta de los Jerônimos”, pinturas de 1100 a 1600. Iria ver os alemães, os flamengos, italianos e novamente Goya, do qual já falei anteriormente. Van der Weyden, pintor flamengo, foi o primeiro. Por volta de 1450 estava em Roma, viagem obrigatória para todo o artista da época Lá iam beber do equilíbrio, harmonia e proporção, da cultura trazida da Grécia.


Quando me deparei com a obra mestra de Van der Weyden, “A Descida da Cruz”, ocupando uma parede inteira, respirei fundo. Tão fundo como se eu fosse uma montanha respirando. Ao meu lado um suspiro vindo de outro visitante. Depois, outra interjeição, em língua desconhecida. E aconteceu: fui parar dentro da obra. Nada mais vi, nada mais escutei ao redor. A minha retina media tudo: cores, formas, espaço, equilíbrio da composição. Eu escaneava a obra. Perfeita!

“A Descida da Cruz”. Rogier van der Weyden, 1435
“A Descida da Cruz”. Rogier van der Weyden, 1435 (detalhe)

O tema era a dor estampada nos rostos. Havia graus de intensidade de dor. Cristo, em diagonal, sendo retirado da cruz. As formas conversavam entre si. Os braços de Cristo têm a mesma posição dos braços de sua mãe desfalecida. A cor dos seus rostos é igual: cinzenta. Um historiador de arte diz “O filho morto fisicamente, a mãe morta emocionalmente.” Santa Ana, em cima, à esquerda, esconde o rosto com a mão. A cabeça coberta com um pano branco drapejado. As figuras mudas, mergulhadas no silêncio da dor. “A alegria não ri! A tristeza não chora!” diria William Blake, pintor e poeta inglês. Dores contidas. Dramaticidade contida. Desta vez, ao invés de Velázquez, eu elegia van der Weyden. Imaginei um holofote sobre este quadro de 2,20m X 2,60m, e o resto da sala escura. Não teria a profundidade 3D de “Las Meninas” que é cheio de planos. Mas ganharia em comoção e humanidade. Ah, esses flamengos entendem de dor. Que coisa existe naquela região que vira o ser humano para dentro?


Entrei na sala 58 A, onde estava Hans Memling. Alemão de Colônia foi para a região de Flandres ser aluno de van der Weyden. Desde a exposição de duzentos anos de sua morte, em Bruxelas, ele ganhou em importância. Pode-se perceber a diferença que fez na pintura, suavizando as linhas, aproximando-se mais do gosto do público da época.


“A Virgem com o Menino entre dois Anjos”. Hans Memling, 1480

O nosso Museu do MASP possui uma bela obra sua. O quadro é parte de um díptico (quadro em 2 partes dialogando um com outro, dobrado por meio de dobradiças). Este díptico fora perdido. “No mercado de Arte era costume desmembrar suas partes, e uma delas vem para o MASP” diz o professor Renato Brolezzi. E continua explicando "nosso quadro": “a gestualidade das mãos forma um leque de palmas que protege a virgem e dá a dimensão da dor do momento. Existem lágrimas. Mas tudo tem um tom de sobriedade, diferente do barroco onde há expressões faciais exageradas e gestos expansivos. Há beleza na dor, característica da pintura flamenga. O detalhismo, o comedimento, a dor silenciosa. Em nenhum pintor flamengo do séc. XV vamos encontrar atitudes teatrais”.
Considerados primitivos, os flamengos, longe disso, têm grande maestria na composição, nas cores. No gênero retrato, eles darão um show no século XV.



Quanta diferença entre os pintores sacros! Antes me pareciam todos iguais. A arte religiosa era monótona. Agora podia ver as nuances.

“A Virgem em Lamentação, São João e as Pias Mulheres da Galiléia”
Hans Memling, 1485
                                                           Angela Weingärtner Becker

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