O Museo Nacional Del Prado, é ALGO!!!
O dia amanheceu cinzento, com uma chuvinha de má vontade. Para mim, não ia fazer diferença já que pretendia passar o dia dentro do Prado.
Soaram os sinos das 9 horas. Ah sinos, sinos. Eles iriam me acompanhar pela viagem afora. Seu badalar se expande na manhã ainda silenciosa. O centro de Madri apenas começava a se espreguiçar. Era domingo. Pude caminhar olhando para cima, para os lados, para os prédios bem conservados. Impressionantes monumentos. A Fonte de Cibeles. Atrás da praça do mesmo nome, o majestoso “Edifício das Comunicações”. E muitos, mas muitos metros quadrados de área verde.
Tão bom ver o verde. Chegar ao Prado, é caminhar sob velhas árvores. Uma alegria vegetal, diria Lorca. Ele que facilmente se transmutava em plantas e estrelas.
De manhãzinha, cheiro de terra molhada, ar lavado. Gostaria de ficar ali vendo as pessoas chegarem. Mas também queria entrar logo e começar minha grande jornada.

O Prado e sua imponência neoclássica! Lembra a Grécia e seus templos, no pórtico de entrada, as colunas dóricas, sólidas, de caráter masculino. A palavra templo é ainda mais apropriada quando já sabemos o que vamos encontrar lá dentro. O acervo do Prado é uma síntese da história da Espanha, de monarcas apaixonados por Arte. Carlos III começa a construir o prédio, Fernando VII inicia a coleção em 1819, com quadros de sua propriedade. Mais tarde, o museu recebe obras religiosas do Museo Trinidad, como pagamento de dívidas ao Estado. Em 1971 incorpora o Museu de Arte Moderna e soma uma importante coleção do século XIX. Com doações e aquisições, acaba sendo o que é:  importante referência para os artistas que virão.


Era a segunda vez que o visitava. A primeira, foi em 1998. Na minha cabeça ainda brilhava um quadro: “As meninas”, de Velázquez. Na ocasião, a obra estava sozinha em uma sala cuja iluminação incidia direto sobre ela. O resto da sala, no escuro. E todo mundo babava à vontade, inclusive eu. Parecia 3D. Magnífico! Até hoje sonho com um hiper-mega-museu onde cada quadro tem o direito àquela iluminação e a uma sala exclusiva. Não há como não embasbacar. Picasso copiou este quadro e, exaustivamente, fez releituras (ver Picasso e Las Meninas). O cão que aparece em primeiro plano, é transformado em seu próprio “linguicinha” chamado Lump. Picasso amava este quadro. E entra nele, mistura sua vida pessoal com a obra de Velázquez.


“Las Meninas”. Diego Velázquez, 1656


Na entrada do museu, recebe-se o “Plano”, um guia bonito, esclarecendo “quem-está-onde”. As entradas, os pisos, sanitários, lojas. É objetivo, tanto quanto pode ser. Eu,  que me atrapalho com mapas e caminhos, compreendi depois que a coleção é mesmo complexa.Tenta compartimentalizar países e, ao mesmo tempo, dispô-los em ordem cronológica. Resulta que há salas, uma ao lado da outra, com pintores de países diferentes, mantendo o tempo cronológico. A ênfase, é claro, recai sobre os espanhóis. Principalmente nos geniais Velázquez, Goya, Murillo, Ribera e El Greco. Este que nasceu grego e se fez espanhol. Também eu, aqui seguirei esta ênfase.

Entro pela “
Puerta de Goya” que dá para a primeira planta. Quase 40 salas com os maiores nomes da pintura universal. Tiziano, Caravaggio, El Greco, Mengs, Murillo, Poussin. E o que é melhor: com quadros de excelência de cada pintor. Lá estava Velázquez e seu “Las Meninas”. Desta vez junto com outros, seus também. Mas onde estava o impacto que eu prometera à colega que me acompanhava? Parecia que eu tinha tomado um antitérmico e uma febre de 40 graus baixara para 37. Que coisa. Como é importante um holofote, um pedestal. Mas, longe de mim desmerecer o maior tesouro do Prado. Sua menina dos olhos.

Havia outras obras, todas excepcionais. De Rubens, “
As três Graças”. Deusas da dança e movimento, da mitologia grega. Cabia a elas enfeitarem Afrodite quando esta saía para seduzir. Olhando o quadro de Rubens, via o ideal de beleza do século XVII. Longe da anorexia moderna, eram corpos “normais”. Assim são os corpos das mulheres, pensei. Sem academia, sem photoshop.


“As Três Graças”. Rubens, 1577-1640


Deste primeiro piso, sete salas são dedicadas a Goya, quando ainda era pintor oficial da corte. Família real, nobres cortesãos são retratados pelo pintor. Ele empregará uma paleta de cores muito luminosas. Segue um estilo neoclássico, inspirado no pintor alemão Mengs. Mas se bem olhado, vemos a crítica e coragem de mostrar a família de Carlos IV com ironia, sem nenhuma elegância. “O rei é fraco e estúpido; a rainha, irritável e rixenta” analisa Wendy Beckett, historiadora de arte. Goya tinha o dom de captar o “río abajo rio”, o leito do rio, que está sob as águas da aparência. Ele transcende a representação. Ele denuncia.


“A família de Carlos IV”. Goya,1800

Os quadros “Maja Desnuda” e “Maja Vestida” também de inspiração classicista, são supostamente da mesma modelo, a Duquesa de Alba. Rumores não comprovados dizem que Goya tinha um romance com ela. Penso que este par de quadros deveria estar  disposto lado a lado. Para melhor comparar. Mas não. Apenas ocupavam a mesma sala. A modelo olha com languidez para aquele que a pinta eroticamente.


"Maja Desnuda”. Goya, 1797–1800 



"Maja Vestida". Goya


Goya viveu um período da história da Espanha muito agitado e de mudanças revolucionárias. Em sua fase conhecida como “fase negra”, ele já estava surdo, doente, e profundamente decepcionado com seu país, com seus governantes.


Lá estava “O Colosso” que mostra o pânico de milhares de pessoas fugindo na sangrenta guerra contra os franceses. Parecem insetos sob um gigante que domina os céus. Ele emerge, como num pesadelo, de nosso inconsciente. Também o  “Três de maio de 1808”, obra que mostra no ato, um fuzilamento. Ao lado daquele que está sendo fuzilado, uma fila de espanhóis espera a sua vez de morrer. O exército de Napoleão está representado sem rosto, enquanto o povo encara o pavor da morte, ou sangra no chão. As suas imagens dramáticas e escuras serão uma clara referência para os pintores expressionistas e surrealistas.


"Três de Maio de 1808" Goya. http://wikipédia.com.br

Há um filme muito bom, de Carlos Saura, “Goya” (1999). Não me refiro ao recente “As sombras de Goya”. Este, deixa a desejar, do ponto de vista da história do pintor. O filme de Saura faz uma narrativa que evolui seguindo o desenvolvimento da pintura do artista. Um começo luminoso, claro, seguido de fortes contrastes entre claro e escuro, até que predomina o negro total, em sua última fase. Recomendo, recomendo veementemente.

Eram quase três da tarde quando o estômago deu sinal. E era a hora combinada para encontrar minhas companhias no “Café Prado” dentro do museu. Um almoço silencioso, carregado de emoções. A que mundos cada um era levado pela arte que vimos?


Carimbando o bilhete de entrada, pode-se sair e voltar. Era nossa intenção para logo mais. Lá fora, um solzinho amigável. Um homem vestido a rigor, tocava “
Dicen que La distancia es el olvido, pero yo no concibo esa razón....La Barca, que como Garota de Ipanema e My way, ouve-se por toda a parte.

Angela Weingärtner Becker


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