Thyssen, pura excelência (parte II)
Subi para o segundo piso do Museu Thyssen onde ficam os primitivos e o “quatrocento” italiano.
"Cristo Ressuscitado". Bramantino,1490
"Cristo Ressuscitado". Bramantino,1490
Logo dei de cara com um Cristo que me lembrou Dali. Cores, técnica, atmosfera. Cheguei a levar um susto.Um quadro que bem poderia ser dele. Imagine... de 1490! Atribuído ao pintor Bramante, os críticos agora se inclinam pela autoria de Bramantino, seu discípulo. Isso acontecia muito, porque era “norma” o discípulo copiar o mestre. Graças à convergência da pintura flamenga com a italiana, tem-se, de repente, este Cristo tão humano, tangível e presente. Uma lua transparente com estranhas feições humanas confirma minha opinião de surrealidade.
Retratos, pinturas italianas e alemãs, do século XVI. A arte, antes dura e estática, vai rolando para um realismo esplêndido.
Percorro, fascinada, os Tizianos, os escuros Tintorettos, os dramáticos Caravaggios. Este, mestre da luz e do movimento, com rostos que emergem da escuridão. Para seus cristos e santos, usava como modelo, gente comum, da rua.Tudo nele é passional. Ele mesmo, um "fora da lei" com história de assassinato, inclusive. Lembrei de uma exposição que vi aqui em São Paulo, onde os alunos de Arte colocam, sob a foto de Caravaggio, a legenda “Procura-se”.
Rico museu, este Thyssen. Vai do 8 ao 80 ao longo da história. Coisa que nem Prado nem Louvre o fazem. O Tyssen-Bornemisza dá uma visão geral da Arte (evidentemente com menos obras do que os dois antes citados). Precisaria de meses para apreciá-lo como merece. É curto o tempo para ver Rembrandt, este que amo, por seu tratamento da luz, e naturalismo. Ou Brueghel, o Velho. Ou Dürer. Ou, ainda, os perfeitos retratos de Hans Holbein.
"Jesus entre os Doutores" Albrecht Durer,1506
Mas, diante de El Greco, estanquei. É que ele “chama meu nome”. Ignorá-lo, impossível. Parei diante de suas figuras brancas, alongadas, várias cenas no mesmo espaço. Um turbilhão. Escuta-se o adejar de asas de anjos. Mãos e pés de El Greco, são uma coisa à parte. Quero sempre descobrir mãos e pés assim, na vida real. Ele, na pintura, se coloca único, sem escola, sem paralelo. Suas distorções nas figuras humanas eram tamanhas, que (diz a lenda) seria portador de um defeito ótico. Não me parece assim. Vejo o movimento ascendente que ele fazia no espaço em direção aos céus. E todas as formas concorrem para isto.
Passo pela sala do Barroco. Ribera, Murillo, e os flamengos Rubens e van Eyck. Quanta gente boa no pincel! E o italiano Tiepolo, já surgindo com temas mitológicos. Cores pálidas. Genial na composição, com enorme capacidade narrativa. Estendido sobre um pano, o amante do Deus Apolo, um jovem de pele clara e pose de abandono, agoniza. Mais uma vez, os Thyssen provam que tiveram faro e poder de compra. Dele compraram sua obra-prima.
A Morte de Jacinto. Giambatista Tiepolo. 1752-1753
Em seguida, o fotográfico Canaletto. Para mim, com mais valor documental do que outra coisa. Reconheço: há sol nos seus quadros. Consta que foi um dos primeiros a pintar ao ar livre e com ajuda de uma câmera escura. Com este recurso, conseguiu belas imagens urbanas, onde o horizonte é brumoso. Pode-se pensar até em uma sugestão para o futuro impressionismo.
"II Canale Grande a São Vio", Canaletto
Passei para o primeiro andar. Um cafezinho para tomar fôlego. Espiei o catálogo: a temática ia mudar. Cenas cotidianas, paisagens, naturezas mortas.
Vi Watteau, o papa do rococó, Boucher e Fragonard. Levíssimos, cheios de vento, eu diria. Expressão da aristocracia decadente da França. Em oposição, o neoclássico: Ingres, com cânones e regras. A Arte, antes serviu à religião, agora servia ao Estado.
Bem adiante me deparo com inúmeras telas de pintura norte- americana. Coisa rara de se encontrar. Século XIX, paisagens francamente baseadas no Romantismo do novo Éden, do Novo Mundo. Com tendência simbolista e espiritualista, marinas e paisagens se sucedem. Nomes desconhecidos, mas para mim, pinturas vagamente dejà vu. O interesse diminui, tudo igual. Passo rápido.
"Outono em Nova Inglaterra, a elaboração da sidra."
George Durrie,1863
George Durrie,1863
Eu ainda tinha muita estrada a percorrer. O fio cronológico caminhava de trás para a frente. O rés-do-chão do Museu estava dedicado aos primeiros movimentos de vanguarda do século XX até a Pop Art. Esta era a parte que mais me interessava. Eu precisava andar depressa.
Angela Weingaätner Becker
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