Vincent Van Gogh (1853-1890)


A cada ano o Museu van Gogh, em Amsterdan, se inunda de 1 milhão e meio de visitantes para ver van Gogh. Ele adquiriu (para muitos e me incluo nisso)  uma proporção quase mística. A caminho de uma exposição sua, sentimo-nos em peregrinação.
Jamais esquecerei quando, no Museu D’orsay, vi uma exposição especial sobre ele. Tive de sair da sala, estava aos prantos, precisei me recuperar, pois soluçava. O espaço se tornava sufocadamente claustrofóbico para tanta emoção. A intimidade de seu quarto em Arles, seu médico Dr. Gachet, o carteiro portador das cartas de seu irmão Theo, seu autorretrato de orelha cortada em briga com Gauguin, os girassóis que fez, cheio de planos, para sua nunca realizada comunidade de artistas, o pátio da clínica onde se internava, sua última pintura em traços convulsos (Campo de Trigo com Corvos) tudo isso era  ferida exposta para quem quisesse ver. E também a beleza das noites estreladas, das Iris, dos trigais dourados.

Surpreendentemente sua vida de pintor durou muito pouco: 10 anos. Porém  de um frenesi absurdo de trabalho:1100 desenhos, quase 900 pinturas, ilustrações, cartas, muitas cartas, onde demonstrava conhecimento profundo das Artes.
Não se sabe muito sobre sua juventude, mas possuía outros quatro irmãos, sendo que Theo terá um papel importante em sua vida.
Nada indicava que ele se destacaria na pintura. Introvertido, excêntrico, conseguiu um emprego aos 16 anos, junto à sucursal que os pintores franceses mantinham em Haia. De lá vai para a mesma loja sediada em Londres e depois em Paris, que era a sede central da Goupil & Co, onde trabalhava seu irmão.

Lá começou a dar sinais de interesse religioso em suas cartas à familiares, fazendo-se pastor protestante, como seu pai. É mandado para uma pequena região mineira belga onde ganhou o apelido de “Cristo da mina de carvão” pois pregava para os pobres e desamparados. É destituído do cargo e cai em crise depresssiva.Tinha 27 anos e se sentia perdido na vida. Theo, que o sustentava economicamente, lhe sugeriu que tentasse ser artista.
 Desde sempre fez esboços, mas sentiu-se inseguro. Combinou com Theo, que enviaria seus desenhos periodicamente, em troca de seu sustento. Era preciso mantê-lo interessado em alguma coisa.

Vincent era autodidata e para se tornar um pouco mais profissional, passou uma temporada em Bruxelas. Devora livros de anatomia e perspectiva. Observa seus contemporâneos. Mas o alto custo de vida obrigou-o a voltar ao interior, à casa de seus pais. Os camponeses foram seus modelos. Mas volta para Haia depois de um desentendimento com o pai. Começa a pintar aquarelas e ao final de 1882 inicia a pintura a óleo. Animado pelas histórias contadas pelo artista Rappard, vai ao norte para pintar a vida no campo. Não é aceito pelos camponeses e torna a voltar para a casa dos pais. Nesta ocasião pinta “Os comedores de batatas”. Escreve a Theo: “que uma pintura de camponeses cheire a toucinho, fumo, batata à vapor, muito bem. Parece-me saudável que um estábulo cheire a esterco, pois que um quadro de camponeses não poderia cheirar a perfume”

O pároco do lugar proíbe os camponeses de posarem para van Gogh. Ele volta para Ambere onde faz um curso na Escola de Bellas Artes.
Ao final de 1886 chega- sem avisar!- no pequeno apartamento de Theo, em Paris,  que obriga-se a pocurar um lugar maior.
 Montmartre abre um novo mundo a van Gogh: Milliet (por quem é apaixonado) Delacroix, Manet, Monet. Encontra-se com Toulouse Lautrec que se encarrega de o apresentar à  noite de Paris e o expõe ao álcool, absinto, prostituição.
Faz 27 autorretratos, pois estes não requeriam modelos, a não ser ele próprio.
Em Paris conhece Gauguin com quem vai de muda para Arles, sul da França. Como sua saúde já estava bastante debilitada pelas noites boêmias de Paris, esperava recuperar-se no campo. Melhorou mesmo, e com ele sua pintura virou uma primavera de amarelos fulgurantes, azuis de vitrais, intensos vermelhos. Ele passa a fazer planos: quer fundar uma colônia de artistas. Aluga quatro casas para tal. E pinta muitos vasos com girassóis para decorá-las. Gauguin deveria ser o líder desta comunidade. Os dois trocam técnicas e inspirações. Mas não contavam que seus temperamentos igualmente obsessivos, iriam pegar fogo em violentas brigas. Numa dessas van Gogh corta sua própria orelha esquerda. Gauguin, furioso, se vai para sempre, para suas ilhas tropicais.

Van Gogh sofre todo o tipo de problemas: desde dores de estômago, maus dentes, até graves alucinações, depressão. Interna-se voluntariamente no sanatório de Saint-Rémy. Lá pintaria o pátio, as naturezas mortas, tudo sob observação do sanatório. Neste período algum interesse começava a surgir sobre suas pinturas. Theo conseguiu vender um único quadro “O vinhedo vermelho” que se encontra hoje no Museu Pushkin, de Moscou. Van Gogh estava fora do mercado de Arte. É recluso, estranho, um louco com seu chapéu ridículo onde instalou uma lâmpada para pintar à noite. Mas suas obras não são obras de um doente mental. Ali nosso olho encontra equilíbrio, harmonias internas, disciplina de cores e formas. Mas principalmente uma densidade humana jamais vista. Suas tensões na pintura estão absolutamente controladas. A gestualidade é vigorosa, a carga expressiva é plástica e estável.Suas pinturas possuem luz de vitral.Tem admirável senso geométrico. A proporção se junta à amabilidade das cores.


Em 1990, seguindo os conselhos de Theo e Camille Pissarro, van Gogh vai a Auvers-sur-Oise, perto de Paris. Estava sob os cuidados do Dr. Gachet. Ali produziria muito, praticamente uma obra por dia.
Theo, porém, farto de trabalhar para os outros, decide trabalhar por conta própria. Tiveram de apertar o cinto, economizar. “Minha vida também tem sido afetada desde sua raiz. Eu também não me mantenho mais firme sobre solo” diz numa carta ao irmão.
Van Gogh relata que está em depressão profunda e seus quadros expressam a dor de estar no mundo.

Em 27 de julho, dispara uma pistola em seu peito e agoniza dois dias na presença de Theo, até morrer. Os dois tinham trocado 6 mil páginas de correspondência.Um ano depois, fisicamente desgastado e mentalmente debilitado, falece Theo, vítima de uma sífilis mal tratada.
20 anos depois da morte de Van Gogh os preços de seus quadros disparam.
O nosso museu do MASP, afortunadamente, possui nada mais, nada menos do que 5 obras de Van Gogh, entre eles o famoso "O escolar"


                                              Marcel Duchamp (1887-1968)

     Como a maioria dos artistas modernos, Duchamp também parte do cubismo. Tem dois irmãos que são artistas cubistas. Na verdade o cubismo dura muito pouco em sua vida, mais ou menos um ano.Quando faz o “Nu descendo uma escada”-que trata de vários deslocamentos que vão se reduzindo- parece ter sido influenciado pela técnica fotográfica que consiste na obtenção de imagens de um movimento a intervalos regulares. A pintura é recusada no Salão dos Independentes e causa escândalo, tornando-o célebre. É convidado a se retirar do grupo cubista. Seria assim o começo de sua rebelião contra a pintura visual e tátil.

                                           Nu descendo uma Escada

     Passa então a se interessar não pela forma, mas pela ideia. “Eu queria fugir do aspecto físico da pintura, fugir da sua fisicalidade, eu queria colocar a pintura, mais uma vez, como coisa da mente”. Leonardo da Vinci concebia a arte como “cosa mentale”.
    Duchamp abandonou a pintura propriamente dita quando tinha 25 anos. Mas continuou “pintando” por outros 10 anos, porém numa tentativa de substituir a “pintura-pintura” pela “pintura-idéia”. Desde o começo foi um pintor de ideias. Não a concebia como uma arte puramente manual e visual.
    Em 1917, em NY, faz parte do grupo onde qualquer pessoa que pagasse 6 dólares poderia expor o que quisesse.Duchamp fica incomodado com a mercantilização da Arte. Com outros publica a revista de inspiração Dada: “The Blind Man” onde eleva à categoria de Arte, a ESCOLHA do artista.

                                                                                             Roda de Bicicleta
             
     Depois do “Nu descendo uma Escada” Duchamp se encaminha para seus revolucionários “readymade” que são objetos já prontos, porém deslocados de seu ambiente. (ao urinol invertido é dado o nome de “Fonte”. Nela há uma assinatura “R Mutt”, inspirada em Mutt e Jeff, personagens de histórias em quadradinhos. Mas também poderia ser o nome da empresa onde comprou o urinol, a “Mott Works”).Retira o caráter puramente simbólico da Arte.O urinol quebrou e Duchamp colocou outro no lugar.Sem problemas.
                                                                              A fonte
Este é o tempo da desmaterialização da Arte.O objeto é transmutado para o conceito.O urinol já não é mais um objeto.É arte. Pode fazer a obra à distância. O que vale é a ideia. Então pede à irmã que compre uma pá de recolher neve e que assine por ele. Chama-a de "Antecipação do braço quebrado"
     "La Mariée mise à nu par sés celebataires, même”ou “O Grande Vidro” é uma obra feita em duas placas de vidro duplo (2.65m X 1,73m) que começa a ser feita em 1915, é deixada inacabada até 1923, quebra em 1926, é consertada em 1931. Em NY diz que deixou inacabada por tédio de continuá-la depois de 8 anos, mas também deu a entender que não queria acabar com o mistério do enigma: “Na coisa inacabada a obra fica em processo”. Duchamp deitou o vidro por cerca de 3 meses para pegar poeira. Seu tempo se estenderia ao infinito. Ele trabalha junto com o Tempo. O tempo se incorpora à obra.
                                                                  "La Mariée mise à nu par sés celebataires, même"

     Há um livro muito bom, que recomendo com veemência - O Castelo da Pureza, Octávio Paz- que aborda a obra.

      Talvez os dois pintores que maior influência exerceram em nosso século sejam Pablo Picasso e Marcel Duchamp. Conforme diz Joseph Kosut “toda a arte (depois de Duchamp) é conceitual, em sua natureza. Porque a arte só existe conceitualmente”.
    Duchamp desmistifica a figura do artista. Evidentemente um readymade, objeto industrial comum e seriado, tem no mínimo, sua autoria compartilhada. A observação do espectador que gera o significado da obra -e que não pode ser dimensionada pelo artista- foi “matematizada” por Duchamp. Chama a este resultado de “coeficiente de arte”. Ele se referia ao que ficou latente na obra (aberta) e que nós, espectadores, completamos, cada um à sua maneira. Porção da obra que afinal participamos com o nosso significado.
     Ele tem fascínio sobre a linguagem: é o instrumento mais perfeito para produzir significados e, também, para destruí-los. O jogo de palavras é um mecanismo pelo em uma mesma frase exaltamos os poderes de significação da linguagem e onde se pode imediatamente, aboli-los.


     Tinha um interesse linguístico constante. L.H.O.O.Q. de 1919 é um título provocante e irônico( Elle a Chaud au coul-ela tem fogo no rabo) dado ao ícone da pintura universal onde ele dessacraliza o sentido histórico da Monalisa. Acrescenta à Gioconda bigodes e barbicha. Duchamp manteve durante toda a sua vida a atitude de não comentar as interpretações dadas à sua Arte. É considerado por muitos, o artista mais fascinante e desconcertante do século XX.
Angela Weingärtner Becker

                                Wassily Kandinsky (1866-1944)


       Nasce em Moscou, em família abastada e culta. Desde cedo entra em contato com a Arte, principalmente a música. (a música atonal –Shönberg- vai ser importante para ele porque foge do previsto, mostra o espanto, reelabora o código tradicional).
          Em 1896 vai à Munique, centro cultural do norte da Europa. A cidade atrai artistas e cientistas. Embora a formação artística se dê em Munique, ele está imbuído da cultura russa. Traz consigo a imagem do vitral, as procissões ortodoxas russas, o colorido, as formas flutuantes. Ele dirá “As formas só têm sentido se expressarem energia”. 

      E assim faz um mergulho na cor como sendo um elemento quase místico. Ocasionalmente misturava areia em suas cores para trabalhar a textura. Fala muito na “impressão” como sendo um estímulo do mundo exterior que pode ser pintado. Rompe com a representação, com a solidez geométrica e abre para outros estados de consciência. Pinta o seu interior. Pretendeu que as suas formas fossem sutilmente harmonizadas para ressoar com a própria alma do observador.



É considerado o primeiro pintor ocidental a produzir uma tela abstrata.  Diz: “não procurem buscar elementos do mundo, mergulhem nas cores para despertar estados de alma para além do visível”. Suas pinturas não querem representar nada. São harmonias de cores quentes e frias. Kandinsky conhece a teoria das cores a fundo. Ele busca a pureza das sensações primárias. É absolutamente musical. Quando perguntaram a ele o que significava uma determinada obra sua, ele responde “Isto se significa”.
Kandisnky será, em sua volta à Rússia, Ministro da Educação. Em 1923 Stalin dá o golpe e vai proibir este tipo de Arte. Quer implantar a arte que o povo entende. Kandisnky “fala” em suas pinturas, de liberdade não atrelada às regras dadas e éconsiderado lá como “arte burguesa decadente”.



      Em 1921 deixa a Rússia e vai para Berlim. Desgraçados, a maioria dos pintores russos da época se suicida ou foge. Uma longa agonia da Arte acontece na Rússia. Graças a Paul Klee torna-se professor da Bauhaus, centro de vanguarda, escola de artes aplicadas,  design e arquitetura de vanguarda. Kandinsky ensina vitral, tentando trazer para a Bauhaus a nova espiritualidade, a nova poética.
      Em 1933 Hitler termina com a Bauhaus. O nazismo tem um projeto também estético (eliminação do imperfeito, do doentio). Para o Nacional Socialismo (nazismo) não pode haver o triunfo do indivíduo forte e criativo. Isto é mortal para Kandinsky, que ganha o rótulo de “cancro da bolchevização da Arte”.



        Em 1937-com a famosa exposição de Arte Degenerada- estão lá presentes Paul Klee e Kandinsky. Ele foge novamente a Paris. Sua vida é uma história de rejeições e defenestrações. Mudou duas vezes de nacionalidade (alemã e francesa). Quando os nazistas invadiram a França, estava velho demais para nova mudança e cuidou de ficar na obscuridade. Tornou-se discreto e viveu tão delicadamente quanto suas pinturas.
      Morre aos 78 anos aquele que fez uma das maiores revoluções de todos os tempos, comparado, no campo das artes, com a grandeza de Einstein e Freud. Junto a Piet Mondrian e Kasimir Malevich, Wassily Kandinsky faz parte do "trio sagrado" da abstração, sendo ele, o mais famoso.
                                                             Angela Weingärtner Becker

WISŁAWA SZYMBORSKA






A alegria da escrita
                                                            Tradução de Tiago Halewicz


Para onde corre esta cerva escrita na floresta que escrevi?
Para beber da água escrita,
que imprime seu focinho como se fosse folha de papel?
Por que ela ergue a cabeça, escutou algo?
Sobre as quatro patas emprestadas da realidade
ela levanta a orelha sob meus dedos.
Silêncio—esse termo murmura sobre o papel e afasta
os galhos que surgem com a palavra “floresta”.

Sobre a folha em branco agacham-se para um pulo
letras que podem se dar mal,
formando frases ameaçadoras
das quais nada escapa.

Em cada gota de tinta há um bom estoque
de caçadores de olho na mira,
prontos a descer pela caneta íngreme,
cercar a cerva e apontar as armas.

Esquecem que aqui não há vida.
Preto e branco, aqui reinam outras leis.
Um piscar de olhos será tão longo quanto eu quiser
e poderá ser dividido em pequenas eternidades,
cada uma com o chumbo suspenso em pleno vôo.
Aqui nada acontecerá sem meu aval.
Contra minha vontade, nenhuma folha cairá
e nenhuma grama se dobrará sob o casco da cerva.

Então existe um mundo assim,
sobre o qual exerce um destino independente?
Tempo, que eu teço com uma corrente de sinais?
Existência que, a meu comando, não terá fim?

A alegria da escrita.
O poder da consolidação.
A Vingança de uma mão mortal.




GIAN LORENZO BERNINI (1598-1680)

      Nasce em Nápoles e muda-se para Roma em 1605. De lá quase não sai a não ser quando é chamado a Paris por Luís XIV. Escultor, arquiteto, cenógrafo, pintor e autor de teatro. Foi um homem fascinante, amante apaixonado em sua juventude, pai amoroso em sua maturidade. Logo caiu nos agrados dos papas pelo seu talento excepcional.

      Em 1624 começa uma larga série de estátuas religiosas. Nos primeiros anos de 1640 começa a pensar numa obra que juntaria pintura, escultura e arquitetura, sonho antigo seu. Também desta época são as numerosas fontes que executou, sendo que as mais famosas estão na Piazza Navona.  

      Entre 1655-61 realiza as estátuas de Daniel e Abacuc.  Bernini acentua sua tendência expressiva e aumenta a tensão dos corpos. Os trajes que esculpe, dão movimento e ênfase à emoção. O panejamento é abundante e fluido.

      No Êxtase de Santa Teresa D’Ávila, que está escondida na igreja romana de Santa Maria de La Vitória, alcança um auge. Digo "escondida" porque entre tantas igrejas (não raro uma em frente à outra) quase não a encontro numa manhã vazia de gente e sem nenhuma indicação da igreja. Eu esperava movimentação, meio mundo tentando ver o que para mim era talvez a melhor escultura de todos os tempos. Nenhum painel, nenhuma seta indicando nada. Um velho e gentil senhor informa que a igreja era aquela ali adiante, metida entre as edificações.

 O silêncio, o vazio e a semiobscuridade lá dentro me dão um minuto de dúvida até que, no alto à esquerda, vejo Santa Tereza d’Ávila. É preciso recuar para poder ver a grandiosa eloquência orgástica de seu rosto. Está empoeirada. O fino e sinuoso panejamento tem poluição e poeira em suas dobras. Mas é bela, é mulher em momento de extremo prazer (Teresa d’Ávila escrevia poemas admiráveis e Jesus aparece a ela e lhe propõe casamento). A emoção aperta a garganta. Ao lado da santa, num balcão, estão esculturas apreciando o evento, como num teatro. É religioso, é profano.

                                                           Êxtase de Santa Tereza d'Ávila

                                              Um dos dos balcões ao lado de Santa Teresa


        Bernini realizou numerosas igrejas e palácios. Fez restaurações, fachadas, escadarias, fontes. A colunata do Vaticano foi feita por ele, que resolve de forma espetacular  o problema de delimitar a Praça de São Pedro. Desde a fachada da basílica, abre-se em duas alas semicirculares e simbolicamente abraça todo o mundo cristão.

                                                           Colunata do Vaticano

     Quando, em 1640-48, trabalha em São Pedro, o papa encomenda o trabalho da reforma da cúpula Baldaquino (baldaquino é objeto de procissão) Bernini faz exatamente isso: refaz o espaço aumentado da nave concebida por Michelângelo. O baldaquino não corresponde a nada dentro da estrutura da basílica. Passa a ser um espaço de encenação e tem forte caráter simbólico. Durante a época do barroco uma das mais importantes finalidades da arquitetura era realizar cenografias de forma a mostrar a distância das pessoas comuns das pessoas consagradas que estão “fora do nível humano”. Tanto na Igreja quanto na corte. Em 1660 Bernini faz a cathedra Petri (cadeira de São Pedro). Usa então a palavra “belocomposto” no lugar de encenação, que utiliza simultaneamente a pintura, escultura e arquitetura com o fito desta união agenciar as emoções para o propósito desejado. No caso, o baldaquino se situa sobre o túmulo de São Pedro de onde, no dia do juízo final, ele ressuscitará. É o centro da Igreja.

                                                              Baldaquino de São Pedro


      Em 1666 Bernini  está em Paris com Luís XIV. Faz o projeto do palácio do Louvre mas os arquitetos franceses o rejeitam. Ele é recusado mas dará muitas sugestões que ao longo do tempo Paris vai aceitar. Viena, com a construção do Palácio de Schönbrunn e seu arquiteto Fischer von Herlach traduz as propostas berninianas através dos arquitetos que trabalham conforme Bernini deseja e concebe. 
     Na sacristia, ao lado de um microfone que traz os mínimos barulhos da igreja, ronca o padre encarregado de cuidar daquela preciosidade. Para comprar o livro de Bernini preciso tocar o roncador de leve, no ombro. Acordo-o com o livro já na mão.  Sem nenhuma palavra ele recebe,contrariado, o dinheiro . Que sonho eu estava interrompendo? Sacro? Profano?

     Angela Weingärtner Becker


Amedeo Modigliani (1884-1920)
  
        Modigliani ou Modi como era chamado, nasce em uma família judia de classe média baixa, cujo pai a abandona. A mãe, sensível e culta, lhe dá esmerada educação. Desde cedo ele desenha. Desde cedo visita os museus de Veneza e Florença (desejo que manifestou durante os delírios de uma febre tifóide aos 14 anos). Amedeo conhece a tradição clássica tanto na pintura como na  literatura. Sua mãe, tradutora e instruída, lhe dá sólida educação.
    Em 1906 vai para a fervilhante Paris. No ano seguinte ocorreriam importantes exposições. Começa o movimento do cubismo.
        Modigliani trava conhecimento pessoal com Picasso, Matisse, Soutine, Utrillo, Brancusi. Também encontrará os grandes fotógrafos da época, a exemplo de Brassai e Eugène Atget. Com  Chanel terá um diálogo sobre a forma e a síntese.

                                                                                      Jeanne Hébuterne
        Ele se especializa em retratos, em interiores. É um pintor de constâncias. Tende à geometrização, à abstração. Faz do retrato um pretexto para a ideia. Seus rostos são máscaras sem emoções. Não se situam no fluxo do tempo, não são orgânicos. Modigliani procura a síntese do humano. É um clássico e eterno, neste sentido. A linha é elegante e faz as curvas com equilíbrio e sofisticação. É como se ele tomasse do ser, o que é perene e estável. Ao mesmo tempo, leve e sólido, duro e suave. “Quem viu um, viu todos” diz um amigo meu historiador de arte. “Não é assim” diz o professor Renato Brolezzi. “Quanto mais sintético e depurado, mais tempo temos de despender para decifrá-lo." Ele está submetendo o orgânico ao mineral. Nele temos a sensibilidade do equilíbrio cor/desenho de uma forma sutil que não se revela ao primeiro olhar. Tudo em desvairada oposição à vida que levou: absinto haxixe e drogas. Sem falar nas doenças que o aompanhou desde a infância: Tifo, tuberculose, pleurisias. “Todos os bastidores de sua vida” diz o prof. Brolezzi, "não aparecem na obra. Ele é clássico. Há um esforço visível de domesticação de si. Entre uma obra e outra, existe um jogo minimalista de pequenas variações cromáticas, sutilezas feitas pelo homem violento e desequilibrado” 

                                                                           Mme. Georges van Muyden, 1917 (MASP)
                                                                                    Jeanne Hébuterne, 1918


  Ele pinta sacrificando tudo e todos. Pinta para a transcendência e mobiliza tudo para esta missão.
    Conta-se que certa vez parou na polícia depois de uma briga com seu primeiro relacionamento mais duradouro. Beatrice Hasting lhe mordera os testículos. Brigas e desafios eram uma constante, como mostra o filme em que Andy Garcia protagoniza um Modigliani intenso, angustiado, alegre, doce e violento.
    Em sua curta e tumultuada vida fará mais ou menos 26 retratos, espalhados pelos museus do mundo. No MASP temos 6 obras dele.        Muitas vezes pintou sua belíssima mulher, Jeanne Hébuterne, de belos olhos azuis e rosto ovalado. Com ela terá uma filha (Jeanne Modigliani).No ano de 1920, Modigliani chega em casa bêbado e machucado de uma briga de rua. Falece no hospital de caridade naquela mesma noite. Na manhã seguinte, Jeanne, grávida de 8 meses se suicida. 

Guernica



      A Espanha, parada no tempo, vivia uma estrutura semi-feudal. Entre 1929 e 1936, o país passa por ditadura, presidencialismo e golpes, até que em 1934 a República Socialista é proclamada.  Uma contra-revolução é apoiada pela França e EUA. Quando o general Francisco Franco assume o poder, finalizando a República Socialista, os Estados Unidos retiram seu apoio e Franco, juntamente com republicanos, socialistas e comunistas, pede ajuda a Adolf Hitler e Benito Mussolini.
 Acontece então a tragédia. Em 26 de abril de 1937 um bombardeio por aviões alemães arrasa a cidade espanhola de Guernica apoiando o ditador Francisco Franco. O ataque deveria servir de exemplo e poder. Um pequeno vilarejo basco pacífico e sem nenhum motivo estratégico torna-se o primeiro bombardeamento aéreo sobre civis da história.
    Em 1937 Picasso-que morava em Paris- fica sabendo pela imprensa- do massacre de sua cidade natal.O mundo se comove. (O impacto seria o mesmo que haveria de ser Hiroxima).
     Picasso recebe  encomenda. É um quadro de batlaha (o último quadro de batalha do século XX). Diante da comoção mundial pela tragédia, Pablo Picasso aproveitou a oportunidade para culpar os facistas e- dizem as más línguas-de autopromover-se. Fato ou não, a destruição de Guernica é a sua obra mais divulgada, conhecida e lembrada.Guernica é uma arte engajada.
      Conta-se que, em 1940, com Paris ocupada pelos nazistas, um oficial alemão, diante de uma fotografia reproduzindo o painel, perguntou a Picasso se havia sido ele quem tinha feito aquilo. O pintor, então, teria respondido: "Não, foram vocês!".
     Um sobrevivente do massacre descreve o horror: vira um homem se arrastando com as duas pernas quebradas, havia pedaços de gente e de animais espalhados por todo o lado e uma jovem tinha ossos perfurando seu vestido.
       Guernica é um painel pintado em 1937 por ocasião da Exposição Internacional de Paris. Foi exposto no pavilhão da República Espanhola. Medindo 350 por 782 cm, aplica a estratégia da desconstrução, própria do cubismo. É em preto e branco, o que demonstra o repúdio do artista, a tristeza, o espanto. A bomba é representada pela luz, em cima, no meio do quadro. É um “olho”monocromático e maligno. A mulher com o filho nos braços é patética. O homem no canto superior esquerdo está de braços abertos lembrando o quadro de Goya “Os Fuzilamentos de 3 de maio”. O cavalo está tomado de horror. A composição toda remete ao pânico, à carne viva, ao desfacelamento, à morte.
   Portinari se apaixona pela obra e reproduz duas séries flagrantemente baseadas em Guernica (Bíblica e Retirantes).
      Hoje Guernica está no Museu Reina Sofia. Porém esteve no Brasil na segunda Bienal em 1953. Grande façanha de nosso Ciccillo Matarazzo e Yolanda Penteado que negociaram diretamente com Picasso! Até então a obra não havia saído (desde a segunda guerra mundial)do MOMA, de Nova York, a pedido do próprio Picasso. O famoso painel só estava autorizado a voltar à Espanha quando o país se tornasse democrático. Isto aconteceu em 1981.
Angela Weingärtner Becker