WISŁAWA SZYMBORSKA






A alegria da escrita
                                                            Tradução de Tiago Halewicz


Para onde corre esta cerva escrita na floresta que escrevi?
Para beber da água escrita,
que imprime seu focinho como se fosse folha de papel?
Por que ela ergue a cabeça, escutou algo?
Sobre as quatro patas emprestadas da realidade
ela levanta a orelha sob meus dedos.
Silêncio—esse termo murmura sobre o papel e afasta
os galhos que surgem com a palavra “floresta”.

Sobre a folha em branco agacham-se para um pulo
letras que podem se dar mal,
formando frases ameaçadoras
das quais nada escapa.

Em cada gota de tinta há um bom estoque
de caçadores de olho na mira,
prontos a descer pela caneta íngreme,
cercar a cerva e apontar as armas.

Esquecem que aqui não há vida.
Preto e branco, aqui reinam outras leis.
Um piscar de olhos será tão longo quanto eu quiser
e poderá ser dividido em pequenas eternidades,
cada uma com o chumbo suspenso em pleno vôo.
Aqui nada acontecerá sem meu aval.
Contra minha vontade, nenhuma folha cairá
e nenhuma grama se dobrará sob o casco da cerva.

Então existe um mundo assim,
sobre o qual exerce um destino independente?
Tempo, que eu teço com uma corrente de sinais?
Existência que, a meu comando, não terá fim?

A alegria da escrita.
O poder da consolidação.
A Vingança de uma mão mortal.


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