Pierre Auguste Renoir (1841-1919)

 

Filho de família simples, pai alfaiate e mãe modista, nasce em Limoges em 1841. Criança pequena ainda, vai morar em Paris. Estuda em escola pública e é censurado porque desenha o tempo todo (como a escola tem tradição em podar!). Aos 13 anos já ganhava a vida numa fábrica de louças onde desenhava pequenos buquês de flores sobre fundo branco. Cada peça tinha a marca “Sévres” no verso, e era exportada para o oriente. Com isso acabou absorvendo a sensualidade, a doçura e a beleza herdadas do Rococó. Era uma pessoa habilidosa em tudo: “Meu Deus, se eu tivesse seguido metade das profissões sugeridas pelos outros!” disse certa vez contando o episódio em que seu professor de música (nada mais nada menos que o famoso Charles Gounod) falara a seus pais para que seguisse a carreira de cantor.



Na fábrica de porcelanas foi promovido a pintor de retratos.  Às 10h, no intervalo do trabalho, corria ao Louvre onde copiava quadros antigos. Esquecia-se ali e ao se dar conta, tinha de comer apressadamente qualquer coisa e voltar logo ao trabalho.
 Este foi seu começo.
 
 
 Quando as primeiras experiências de impressão em porcelana obtém sucesso, a loja artesanal obriga-se a se industrializar e o “feito à mão” foi desvalorizado (preferia-se a uniformidade da máquina!).
 
 
Renoir passa a decorar leques com cópias de Watteau, Boucher e outros mestres franceses do século XVIII. Depois foi pintar cortinas em rolos, temas religiosos que os missionários levavam à Africa como imitação de vitrais. 

"Rosa e Azul"-Pierre Auguste Renoir, MASP

Renoir fez muitos retratos onde explorava o que mais gostava: cores, textura e composição. Penso que um ponto alto de sua obra está no MASP, “Rosa e Azul” onde cria uma sinfonia de cores, texturas luminosas, preciosidades que dificilmente alguém possa dizer que não gosta. Puro deleite dos sentidos. Renoir é o pintor da beleza doce, das harmonias, da sensualidade.
  
Ele dava um tratamento francamente diferenciado à roupa e à paisagem, em aplicações de camadas de tintas com acabamento impressionista. Nos rostos, porém, era conservador, mantendo a definição dos contornos. Sua fama de retratista crescia. É incrível como a luz emana de dentro de suas personagens! Assim, tem uma estética moderna e ao mesmo tempo conservadora. Seus temas eram flores, cenas de crianças, mulheres, paisagens ensolaradas e o  nu feminino. Era tão simples que não gostava de ser chamado de ‘artista’ preferindo ser chamado de pintor. “Eu sou como uma rolha jogada em um riacho e levada pela correnteza. Quando pinto, eu apenas me deixo levar totalmente” dizia. Esta fluidez é facilmente percebida em suas obras.
 
O famoso marchand Ambroise Vollard, um dos maiores da virada do século XX, faz entrevistas com Renoir onde capta tanto sua carreira artística como tocantes fatos de sua vida particular. Em seu livro “Renoir, um retrato íntimo” podemos conhecer bem o mestre que diz “Na Arte como na natureza, provavelmente o que consideramos como novo é, no fundo, apenas uma continuação do que veio antes”.
 
E sobre o Impressionismo: “O que chocava as pessoas era principalmente o fato de não conseguirem encontrar nada nos nossos quadros que lhes lembrasse o que se encontrava tradicionalmente nas galerias”.
 
O artista já era um homem maduro quando teve seus filhos oficiais(teve dois com uma modelo cuja paternidade não reconheceu). Jean Renoir, filho seu, foi considerado por Orson Welles e  François Truffaut como um dos maiores cineastas franceses e que abriu as portas para a nouvelle vague.
 
Pierre Auguste Renoir adorava Camille Corot e nele inspirou-se. Conviveu com vários pintores do movimento impressionista. Entre eles Edouard Manet, Claude Monet, Degas, Cèzanne, Berthe Morisot, Rodin e outros. Ilustrou um livro de Zola, amigo e defensor dos impressionistas.
 
Em certa altura pensou ter chegado aos limites do impressionismo e correr o risco de se tornar superficial. Então parte para a linha, para o desenho.Suas últimas obras têm contornos bem marcados e solidez clássica.
 
Trabalhou até o fim mesmo atacado pelo reumatismo e com mãos retorcidas. Por vezes amarrava os pinceis nos punhos e pintava.“Estou liquidado”, aborrecia-se. Mas nunca deixou de reconhecer: “Não há dúvida de que tive mais sucesso do que qualquer outro pintor, durante a vida. As honrarias chovem sobre mim”.
Angela Weingärtner Becker

Kurt Schwitters (1887-1948)


 Kurt Schwitters é um daqueles seres que acreditamos ser de outro planeta.Tão original que sacode até o mais indiferente entre nós. Sempre a buscar uma estranha coerência de si e do mundo, nada que seja beleza ou sublime (na acepção de Edmund Burke).  Muito tempo foi preciso para o artista ser aceito em sua cidade natal, Hannover, no século 20. Para isto contribuiu a própria história da Alemanha que ele viveu em altos e baixos. E, evidentemente, não seria aceito pela Alemanha nazista. Tornou-se antipático à burguesia e passou a ser visto como uma ameaça ao regime nazista. Foi considerado um degenerado, claro. Partiu, então, de sua terra natal, para exilar-se na Noruega e posteriormente, perseguido pela Gestapo, fugiu para o Reino Unido. Nunca mais voltou à Alemanha. E esta só o redescobriria postumamente.

"O relativo esquecimento da obra de Kurt Schwitters na arte moderna seria tão grave quanto esquecer o abstracionismo", disse um historiador em NY,1991, quando da exposição “Conflitos com o Modernismo ou a ausência de Kurt Schwitters”. Ele teria trazido a arte de volta para a esfera física, num movimento contrário ao abstracionismo mas igualmente fundamental para a arte de hoje. 





Kurt Schwitters fez poesia (eram grandes colagens de palavras catadas ao léu) teatro, ensaios. Foi crítico, editor, publicitário e agitador cultural. Está presente em todo o gênero de arte incluindo declamação e música (usa sons primordiais, e efeitos ótico-acústicos-ver o vídeo abaixo). No entanto, a colagem é sua base artística. 


Estudou em Hannover, Dresden e Berlin. No começo- como soe acontecer- faz uma arte acadêmica. Parece-nos impossível, ele com um vulcão inteiro a expressar, contrário a todo tipo de consenso e a tudo que se estabelecesse como regra!“A arte não quer influências e não quer influenciar, mas libertar da vida, de todas as coisas que nos sobrecarregam....”,teria dito, antecipando em décadas alguns processos incorporados aos artistas contemporâneos.



Faz colagens (em sobreposições) realizadas com lixo industrial, todo o tipo de material.“Por economia pegava aquilo que encontrava, pois éramos um país empobrecido. Também se pode gritar com resíduos de lixo, e eu fazia isso colando e pregando-os”.

 À racionalidade junta a casualidade. Dá o nome de “merz” palavra criada com um pedaço da palavra "comércio" (Kommerz) que para ele significava arte total sem fazer diferença entre poemas, colagens, música, etc. Ele criara algo novo daí a necessidade de um nome novo. “Merz” foi o movimento de um homem só, o de Kurt Schwitters, que desestabilizava tudo o que era burguês (mas com senso de humor dizia de si mesmo “eu sou um burguês idiota”). Foi além do dadaísmo. Foi libertário. Em 1936 destroem na Alemanha grande parte de sua obra.



 No Brasil apresentou-se na Bienal de 1961, e na Pinacoteca em 2007. Está longe, porém, de ser conhecido fora do circuito artístico. O trágico e o dramático que constrói causa estranheza. Mas quem o compreende, é fisgado para sempre. Hélio Oiticica é um deles e diz: Schwitters inaugura um dos maiores caminhos da arte de hoje de onde derivam o novo dadaísmo, a arte bruta, toda a arte designada pelo termo assemblage.

Diferente do cubismo que colava mostrando que um objeto “saído da realidade” poderia compor a arte sem alterar sua substância, para Schwitters não existe este problema espacial, diz Argan. Ele cola alucinadamente e faz estruturas.Vai construindo seu Merzbau, uma espécie de coluna central que cresce com tudo o que ele encontra por acaso, dia após dia, coisas que por um instante lhe chamaram a atenção. O gesto de pegar e colar barbantes, arames, rolhas, botões, cacos de vidro, jornais, ferros velhos, bilhetes de ônibus, trapos enfim, sem ordem nem finalidade, é o que constitui sua arte.Coisas que até então tinham um prazo de validade curto, passam a ter vida eterna nos quadros e instalações de Schwitters. “são testemunhos breves, truncados, dissociados de uma crônica cotidiana amorfa, opaca, desordenada como a das personagens de Ulisses de Joyce”, diz Argan . Também Haroldo de Campos concorda que sua arte tem conexões formais com a (posterior) obra de e.e.cummings e com James Joyce. No descarte que usa não há a preocupação de “revelar a beleza secreta” ou coisa assim. É simplesmente uma trama vivida, uma poética do acaso, do objeto encontrado ou talvez “do inconsciente que, como motivação profunda, determina o fluxo incoerente da vida cotidiana”(Argan)





Em 1923 faz sua "Merzbau" (Casa Merz), primeiro grande trabalho de ocupação espacial que tomava toda a residência do artista em Hannover, foi considerada a primeira instalação artística. Consistia em um apartamento com malas, roupas presas através de arames na parede que subiam e desciam escadas e tomavam toda a casa até que sem espaço teve que quebrar o teto e subir com seus bizarros objetos achados ou presenteados por seus amigos. Era uma catedral gótica pessoal que invadia todos os cômodos (8, ao todo!). Do estúdio do artista, crescem como um ser vivo. Entre os nichos desta instalação gigantesca, havia espaços reservados: “espaço Hans Arp” “espaço Goethe” “Mis-van-der-Rhoe”, além de uma caverna para os “assassinos”(nazistas?). Enfim referências pessoais misturadas com referências históricas. (Hélio Oiticica vai se inspirar nestes ambientes da “torre" de Schwitters.

 Tendo morrido na pobreza e em relativa obscuridade, o sentido de sua obra e muitos dos seus trabalhos tiveram que ser resgatados posteriormente, tendo grande parte deles se perdido. Neste resgate foi possível reconhecer a enorme influência de Schwitters sobre a arte do século XX e início do século XXI.
No final de sua vida, na Inglaterra, antecipa-se à Pop Art usando recortes publicitários, quadrinhos, anúncios e obras de grandes mestres. Antes de falecer pratica uma pintura mais convencional, como era no início.Demonstrou que  nunca fora por inabilidade que rompeu tão dramaticamente com a arte convencional.
Schwitters, o criador da instalação, visionário da arte pop e conceitual, morreu em 1948, na pobreza e obscuridade.
Angela Weingärtner Becker

 Edward Hopper (1882-1967)
 
 
Hopper foi um pintor novaiorquino conhecido pelas pinturas realistas da sociedade americana do século 20. Seu professor Robert Henri encorajava seus alunos a fazerem “movimento no mundo” e  “descrições realistas da vida urbana”(escola de Ashcan)- e assim influenciou-o na escolha de um caminho contrário à abstração que estava acontecendo tanto nos EUA quanto na Europa. Mas Edward tomou esta via não sem antes fazer três viagens à Europa e conhecer o que lá se fazia (o cubismo e o abstraciosnismo estavam em plena efevervescência).
 
Como havia estudado desenho e ilustração, trabalhou por vários anos comercialmente. Até que em 1925, com seu trabalho “Casa ao lado da Ferrovia” Hopper marca sua maturidade artística. Ele escolheu o realismo, a figuração, para expressar todo um mundo psicológico de silêncio e espanto.(influência tanto de Freud quanto de Goethe). É neste espaço que se deve ver Hopper: o fora, a urbanidade expressando o que vai dentro (emoções).
Ver Edward Hopper é uma experiência impactante. Ninguém pára diante de uma obra sua sem se incomodar, sem ficar desamparado, mexido ou, no mínimo, contemplativo.
Entramos de chofre num mundo silencioso e pesado.Uma quietude estranha vai nos absorvendo, como se algo tivesse se rompido minutos antes de olharmos ou irá se romper nos dez próximos minutos. Vemos o silêncio antes da tempestade. Ou a calma depois da agonia da morte. "Sinceramente, nunca vi nada igual em outro artista" disse Wim Wenders ao se referir à obra de Hopper. Estamos apreciando um momento de tensão pré ou pós aniquilamento. Por isso, o tempo de Hopper é um tempo que escorre vagarosamente, se por acaso escorre... Ele capta e se detém neste vazio. Ele paraliza um momento de cansaço da vida. Não há futuro, não há passado. Suas personagem estão num isolamento das coisas e de uns para com os outros. Nada dialoga entre si. 
 
E, com toda esta tensão há uma luz metafísica de grande força que faz uma passagem abrupta das zonas de luz e zonas de sombra, o que esvazia psicologicamente, com um holofote, as personagens que olham o horizonte sem vê-lo. As sombras são compridas, alongadas como se fosse no fim do dia. Aquela hora em que sol se despede e sobrevém a noite.
 
 Isto acontece num ambiente urbano, a partir de um quarto de hotel, de uma janela da casa, ou de um bar. Pode ser de fora para dentro, mas comumente é de dentro para fora. A solidão está em tudo e em tudo está também aquela sensação de que vai acontecer o temido e  o fatalmente esperado, o desfecho. Ora é uma sensação de espera, ora é de vazio de um percurso existencial. Alguém lê distraidamente uma revista. Alguém senta na cama sem desfazer as malas, ou recém chegou ou vai partir. São personagens que vivem uma fresta do tempo,  de espanto contemplativo e de suspense. Não é para menos que Alfred Hitchcock vai se inspirar nele para sua “Janela Indiscreta” e Wim Wenders em "Bagdad Cafe", entre outros.
Mas não se pode nunca dizer que Hopper seja caótico. As formas são criteriosamente calculadas. Tudo é devagar e perfeito.O tempo é mais eterno.Tudo está no seu lugar, com cores vivas e luz densa. O que se pode dizer é de  uma inescapável interpretação de nós mesmos como seres humanos que desistiram em algum momento e que -sim ou não- voltaremos a seguir em outro. Porque assim é a vida.
Angela Weingärtner Becker
 

 

 

 Les Demoiselles d’Avignon


 
 
      Les Demoiselles d’Avignon é finalizada em 1907. 9 meses de estudos e 800 esboços! Não há outra obra que tenha sido precedida de tão grande preparação.Pintada a óleo sobre tela e medindo 243,9 x 233,7cm está  em NY, no MOMA.
 
La Calle Avignon é um ponto de meretrício em Barcelona. Picasso teria adotado um tema baudelaireano ‘que destacava o pária social ou atividades marginalizadas’ de uma França que amargava os resultados ainda vivos da Guerra Franco-prussiana. Nesta época, ele e seu grupo (Apollinaire, Gertrud e Leo Stein) alinhavam-se à esquerda em termos políticos. As 5 mulheres são prostitutas do país natal de Pablo Ruiz Picasso, Espanha. Frontalmente agressivas, as figuras estão relacionadas  ao medo e fascinação mórbida do pintor (e contemporâneos) pela prostituição e a doença venérea que grassava a Europa. Picasso estaria referindo-se à redenção/danação de sua origem católica? É uma das possibilidades.

 Ele trabalha com a força de um touro e com a sabedoria de uma coruja (animais inúmeras vezes representados, como sua mitologia pessoal) e vai fazer um processo de radicalização da forma e do conteúdo, tornando-se mais ousado e desantropomorfisador. Desprende-se do orgânico, abstrai, tornando sua arte produto do intelecto. No entanto continua a mímeses (o figurativo) ainda não quer “independência absoluta” da realidade já que seria “o esvaziamento do conteúdo e o conseqüente empobrecimento formal”(Georg Lukács).


Um antecedente significativo para a concepção de Les Demoiselles d’Avignon  é “O Retrato de Gertrude Stein”. Aqui já estão os traços primitivistas inspirados pelas máscaras africanas, mas que Picasso nega. No livro “Autobiografia de Alice Toklas” é narrado que, em visita à casa da escritora, sua amiga, teria examinado longamente uma peça africana e mais tarde em entrevista diria “Arte Africana? Que é isso? Não conheço”.  Ora, o artista não é obrigado a entender de sua própria obra mas a verdade é que por volta da virada do século, muitos artistas que se opunham à urbanização na sociedade capitalista ocidental, já demonstravam uma tendência primitiva que se produzia tanto na sociedade como na arte moderna. Os artistas de vanguarda, mantinham de algum modo, contato com esta expressão artística “incontaminada”. O certo é que o primitivismo era já uma complexa rede de interesses ideológicos, estéticos, científicos e antropológicos e estas idéias estão inscritas em  Les Demoiselles  d’Avignon.

A questão das artes tribais foi sem dúvida fundamental na sua concepção. Mas não só ela. A obra de Cézanne de forte estrutura, opacidade, solidez e peso da matéria é por sua vez, a outra grande fonte de Picasso. É Cézanne que faz a transição para o conceitual. É ele quem vê a realidade como cilindro, cubo, esfera, ou seja, pela abstração intelectual e não pela sensação visual. É ele quem retira a pintura do campo sensual (como viam os impressionistas) para colocá-la no campo conceitual. E, na virada do século, Cezanne vai abrir o caminho para o cubismo pela textura da cor.

 Em Paris, uma coincidência favorável vem a calhar para esta onda gigantesca que vai dar em Les Demoiselles d’Avignon: a exposição de máscaras africanas no Museu Etnográfico Trocadero e a exposição de Paul Cézanne, quase concomitantes.São grandes eventos da Arte.Picasso está lá, presente. Em Les Demoiselles d’Avignon, ele traça cinco imensas mulheres geométricas, esquematizadas ao estilo da arte africana. Elas encaram frontalmente o observador, conferindo grande poder à obra. Ele distorce, simplifica, deforma. Amontoa as figuras num plano único. O fundo avança e se retrai, sem uma racionalidade que não seja formal. As mulheres são inventadas intelectualmente. “Pensadas e não sentidas” como dizia Braque. A mulher do canto direito é vista simultaneamente de frente e de costas. A da esquerda, face de perfil e olho frontal,remete à arte egípcia. As do meio, lembram a arte ibéria e também a Vênus de Milo.

 Picasso passa todas as tradições pelo seu filtro pessoal, re-arranjando seus elementos numa nova linguagem pictórica. Facetados como cacos de vidro, os cinco nus de anatomia angulosa, quebram a perspectiva tradicional. Uma natureza morta  faz a transição entre os grupos, apontando para o centro do quadro. As cores são uma síntese entre monocromia e contraste. Amarelo, branco, castanho e um azul forte separam a composição. O grafismo apurado garante as sensações de volumes. Os corpos possuem várias visões de frente e de lado, inconcebíveis fora do contexto do quadro. “Nenhum artista europeu ousou tanto”, diz Apollinaire, em 1913. É muito provável que sim.
 Angela Weingärtner Becker


Edvard Munch (1863-1944)

Munch (pronuncia-se"Munk") pertenceu ao movimento expressionista, do qual é um dos fundadores. O quadro “O grito”, sua obra máxima, (1895) é muito familiar de todos nós e ilustra bem o que é expressionismo: a arte que muda deliberadamente a aparência das coisas para mais expressar um sentimento.

Enquanto o impressionismo “olha para fora”, para a luz do sol que modifica as coisas externas (paisagens, pessoas, animais, objetos), o expressionismo “olha para dentro” e retrata a forma como uma súbita excitação pode transformar todas as nossas impressões sensoriais. Portanto o expressionismo expressa sentimentos de dor, susto, alegria, humor, desespero, etc. Nesta época, a arte se afastou do que chamamos comumente de “beleza”. As imagem retratadas são distorcidas, exageradas, e abstrai a cor natural das coisas, tudo em nome de melhor expressar o psicológico da existência.

 Neste aspecto até se parece com a caricatura. Esta arte nos toma, nos traga para dentro da obra e sentimos a angústia e a dor daquilo que está retratado. Daí ser muito forte. Eu, particularmente tenho o expressionismo como movimento que “me” expressa melhor. Também sinto que conteúdo e forma sincronizam de maneira quase perfeita- senão perfeita. É uma arte que expressa a individualidade do ser. Também por isto era tão diversificada, agrupando multifacetadas formas sob o guarda-chuva do que chamamos de expressionismo. 


 
Na obra “O Grito”, por toda a paisagem reverbera a angústia. O traço e as cores são angustiadas. A personagem retratada é andrógina, ou seja, pode ser homem ou mulher, pode ser qualquer um de nós que a observa. Nela vemos uma língua de vidro que lambe no céu uma lava de vulcão. Ah como expressa um turbilhão de angústias e pavores existenciais!

Além do tema da mulher e sua sexualidade, Edvard Munch , este pintor norueguês, cuja vida pessoal foi atormentada por pelo menos duas mortes assistidas na sua infância (mãe e irmã) teve como tema a doença, a morte, a depravação sexual, crises emocionais e outras tragédias. Sobre “O Grito” ele diz que é um homem parado no meio de uma ponte e julgado por um crítico tão perturbador que deveria ser evitado por crianças e mulheres grávidas. Sobre a obra, ele mesmo relata em seu diário:
                               "Parei e apoiei-me na balaustrada, quase morto de cansaço. As nuvens   pairavam acima do fiorde azul e negro e eram vermelhas como sangue e línguas de fogo. Meus amigos me haviam deixado e, sozinho, tremendo de angústia, tomei consciência do infinito e vasto grito da natureza".  
                                          
Apesar do escândalo causado pela exposição de suas obras em Oslo, ganhou uma bolsa de estudos em 1889. Em Paris trava contato com Toulouse Lautrec e com Cézanne de quem vai absorver muito. Além de pintura, faz xilogravuras, litogravuras, águas-forte e pinta para o teatrólogo Ibsen, cenários de teatro, já que tem afinidades com o realismo social daquele autor. Em 1910 volta para a Noruega e lá continua suas pinturas de estilo vigoroso porém com cores mais claras.


                                                                                      Edvard Munch
17 obras do autor foram descobertas, no ano de 2013. Faziam parte das 1500 confiscadas pelo nazismo, 300 delas consideradas “arte degenerada”. Entre estas estavam as obras de Munch. Podemos entender -mas não perdoar- que Munch tenha sido reprovado no filtro nazista que fazia uma espécie de “eugenia” da arte, deixando passar só aquilo que tinha “cara” de clássico.
   Angela Weingärtner Becker

Édouard Manet (1832-1883)
 

Nasceu em Paris, e já no colégio onde fez os primeiros estudos, demonstrou interesse pelo desenho. A família, no entanto, rejeitou sua pretensão de tornar-se pintor. Em dezembro de 1848, como aprendiz de piloto, embarcou com destino ao Rio de Janeiro. A breve passagem pela cidade está documentada nas cartas que enviou do Brasil a seus familiares na França.(Comentou que ficou fascinado pelas cores e os reflexos da Baía de Guanabara).
Manet começou a pintar temas nada convencionais para os salões. Eu pinto o que eu vejo, e não o que os outros gostam de ver”. Em 1859 pintou seu primeiro quadro recusado pelo Salão: “O Bebedor de Absinto”. O que era questionado na arte de Manet não era sua técnica, mas sim a violação de alguns princípios estéticos como, por exemplo, retratar um bêbado nas ruas, com toda a crueza visual que um tema deste pode ter, o que era muito para críticos que ainda não tinham seus olhos acostumados à realidade explícita.
 

 
 O mesmo aconteceu com “Almoço na Relva” que, no Salão de 1863, provocou um dos maiores escândalos da arte moderna, por colocar uma moça nua participando de um piquenique com dois senhores vestidos-a roupa de uns deixava a outra ainda mais nua. O mesmo aconteceu com "Olympia"-1863- (que traz evidências de sua vida sofisticada e possivelmente corrupta) quase foi destruída no Salão de Paris de 1805. A moça retratada nua, foi cruamente representada, diferentemente dos nus "suaves e adocicados" da época. Manet não somente expôs a prostituta, a bela cortesã em pleno vigor, aos olhos do mundo, mas transformou-a numa deusa. E isto não foi considerado"correto" ou "apropriado". Era, sim, uma blasfêmia. Até então, os nus eram odaliscas representadas em  sua convencional e exótica exposição.

 
Edouard Manet, pintor francês, é considerado a figura senior dentre os artistas impressionistas. Muitos dos jovens impressionistas daquela época seguiram a liderança de Manet e abandonaram os tradicionais estilos artísticos até então adotados. Esta tendência serviu, em alguns casos, como inspiração para a arte moderna. “um homem do seu próprio tempo”, segundo ARGAN (A arte moderna) – rompendo a aurora do modernismo na arte. Ao regressar do enterro de Manet, seu amigo Edgar Degas, grande pintor, disse: "Não sabíamos que ele era tão grande." A frase revela o drama de um dos maiores artistas franceses, pouco compreendido enquanto vivo.
Manet morreu em Paris em 30 de abril de 1883. Após a exposição realizada em sua memória, a obra do pintor finalmente obteve reconhecimento.
Angela Weingärtner Becker

                                  William Blake (1757-1827)




Até o século XVIII a finalidade das artes era trazer coisas belas às pessoas. O debate do que seria o belo ficava em imitar ou não, a natureza. Imitar ou não, os clássicos.Ser mais ou ser menos platônico. As coisas se davam dentro deste âmbito. Ao final do século XVIII novos ventos começam a soprar. Ventos vindos da Revolução francesa, da Revolução industrial. Na Inglaterra as pessoas começaram a escolher o estilo de suas casas e palácios conforme ditava a sua vontade. O gótico, o grego se misturavam. Nos EUA, Washington é planificada no estilo helênico. O barroco e o rococó foram varridos para o passado. Assim, os artistas começaram a procurar, avidamente, por outros assuntos, reais ou imaginários. Houve uma liberdade nunca antes experimentada.Veja-se Goya com suas visões fantásticas; Caspar David Friedrich fantasmagórico, romântico.Turner e sua pintura quase abstrata.. e muitos outros. Homens solitários tiveram a coragem de pensar por si mesmos criando novas possibilidades para a arte. Entre eles o inglês, poeta e pintor, William Blake. Onírico, fantástico!





Veja o mundo num grão de areia,
veja o céu em um campo florido,
guarde o infinito na palma da mão,
e a eternidade em uma hora de vida!
                                                                                                     William Blake


Houve nesta época um filósofo-político chamado Edmund Burke que escreveu o livro “Investigação filosófica sobre as origens de nossas ideias do sublime e do belo”. Ali fala sobre as características do sublime ligado à dor e ao terror em oposição ao belo que acalma e maravilha. Suas ideias inspiraram muitos artistas e William Blake está entre eles. Blake era preocupado com o mundo do espírito. Sua pintura é androgina, sinuosa, estranha. Muitos a encaixam numa abordagem esotérica locada num além-mundo. Blake, homem profundamente religioso vivia num mundo de sua própria criação, diz Gombrich. Foi considerado louco pela sua recusa em aceitar qualquer padrão e por outros foi dado como um excêntrico inofensivo. "Só meia duzia de seus contemporâneos acreditava em sua arte” continua o historiador.




Europe, A Prophecy
William Blake fazia gravuras e ilustrava seus próprios poemas. Foi ele quem inventou integrar texto e ilustração numa mesma chapa metálica de impressão. Sabe-se que Blake admirava Michelângelo e alguma coisa do seu “Europe, A Prophecy” naquele ancião agachado, medindo o mundo com um compasso (e a quem ele deu o nome de Urizen, um ser maligno) tem a ver com Michelângelo. Blake tinha sua mitologia pessoal: quando menino teria tido visões nas quais se inspirou pelo resto da vida.




Jó e suas filhas
Ele, de fato, era cheio de visões apocalíplticas, pesadelos e fantasias. Ora pendia para o lado idílico da infância, ora para a humanidade sem salvação.“Blake foi o primeiro artista depois da Renascença que se rebelou conscientemente contra os padrões contemporâneos porque o consideravam chocante”, continua Gombrich. Depois de quase um século ele vai despertar uma visão mais favorável para sua arte singular e visionária e será reconhecido como uma das mais importantes figuras da arte inglesa. Hoje é reconhecido como um santo pela Igreja Gnóstica Católica, e há o "Prêmio Blake para Arte Sacra," que  é entregue anualmente, na Austrália.
O grupo de rock The Doors tomou(em parte) seu nome por inspiração do verso de Blake: If the doors of perception were cleansed, everything would appear to man as it is, infinite".
Angela Weingärtner Becker
Jean Auguste Dominique Ingres (1780-1867)
 
Ingres segue a linha neoclássica. Admira, tal qual Jacques-Louis David, a arte heroica da antiguidade. Nasce perto de Toulouse, sul da França, e tem educação esmerada. Estuda violino e toca quase profissionalmente.Toda a família se muda a Paris para a continuação da educação deste filho. Era o auge da Revolução francesa (1797). Lá estuda com David, pintor oficial de Napoleão. 
Ingres é um pintor que trabalha com a permanência, com o trabalhoso. Para ser aluno de David havia a necessidade de pelo menos três anos de estudos no museu do Louvre. Torna-se rival ferrenho de Delacroix que seguia outra linha de pintura, não baseada na linha, mas na cor. Ou seja, Poussin contra Rubens, concepções opostas dentro da Academia.


Ingres não tem preocupação de ser fiel ao real. Ele faz uma espécie de síntese das várias obras, e as depura de tal modo que o real passa a não ter a importância que o ideal tem. Detesta imprecisões e improvisações. Ele decanta o visível, idealiza, já que as impressões que lhe chegam à retina (diz o prof. Brolezzi) não são pintadas, apenas evocadas. E nisso tem precisão e clareza de raciocínio além de técnica apurada. Alguns (dizem Gombrich e Umberto Eco) acham insuportáveis esta extraordinária maestria técnica e este sentido inabalável de perfeição. É que os ventos do Romantismo já começavam a soprar... 
                                                                                                 Retrato da Princesa de Broglie, 1853
Ingres pintou assuntos da literatura e antiguidade além de temas exóticos (haréns, por exemplo, em que podia dedicar-se ao nu feminino que adorava). E, quando pintava uma mulher vestida, fazia-o com extraordinário panejamento (veja-se a Princesa de Broglie). Para Ingres “o importante era o corpo feminino nu e em repouso que evocava uma sensualidade que o pintor e seus contemporâneos acreditavam ver tão somente nas muçulmanas” disse um crítico. E Baudelaire falou assim sobre Monsieur Ingres: “é seu amor pela mulher e pelas mulheres lindas, esses seres voluptuosos radiantes em saúde e de natureza sossegada que eram a sua alegria”
                                                                                              Banho Turco
Com a idade de 82 anos, pinta uma reunião de mais de 20 moças (O banho Turco,1862) quando sentiu “todo o fogo de um jovem de 30 anos”- palavras suas. Esta obra é uma síntese de sua pintura e foi feita de memória conforme pintou as mulheres durante toda a vida. Muitas estão de costas (adorava costas femininas, tanto que “A banhista de Valpinçón” parece ter vértebras a mais, além da anatomia, para alongar em beleza, as costas da mulher). 


A banhista de Valpinçon

O MASP possui três obras de Ingres, entre elas está “Angélica Acorrentada”. Angélica é uma cristã que é levada nua e angelical, a uma rocha para ser devorada por um monstro. Ali espera a morte até que chega Rogério, seu salvador, que mata a fera com o reflexo do escudo (Perseu e Medusa, novamente?). Há outras versões do quadro com pequenas variações: no Louvre e na National Gallery.
 
                                 
Angélica Acorrentada- National Gallery, Londres.1819
                                                                                                       
                                                                                                                Estudos. p/Angélica Acorrentada-Louvre,1819
   
          Angélica Acorrentada, MASP, São Paulo (começada em1818, terminada em 1859) 
 
 Aliás, Ingres tinha quase uma espécie de esquema para mulheres, assim muitas se parecem. Isto facilita reconhecer um Ingres em qualquer museu. Ele faz do corpo feminino, uma linguagem gráfica, linear, ideal da beleza. O ovalado das suas angélicas lembram os vasos encontrados em Pompéia e Herculano. “Ele não olha o modelo, vê os vasos gregos”, diz o professor Brolezzi. É o triunfo do intelecto pois pinta com o cérebro. Tudo está estabilizado, inerte. Há um silêncio do movimento. Picasso era fascinado por Ingres, pela sinuosidade e pela sua linha pura. 
                                                                              Angela Weingärtner Becker


 Neoclassicismo-A França como berço
 
Depois que Luís XVI é deposto, a França conhece o verdadeiro caos. Cabe ao exército colocar um mínimo de ordem interna no país. Surge Napoleão Bonaparte com ideais muito parecidos com os que vigoravam em Roma. O exército vai messianicamente levar os princípios da democracia a outros povos. Por onde passam deixam o logo “N” de Napoleão (assim como os romanos deixavam seu “SPQR”-Senatus Populusque Romanus, o Senado e o Povo de Roma- em todo o lugar onde passavam).


Napoleão atravessando os Alpes-Jacques-Louis David,1800 

Vem de Napoleão, implementar o gosto romano na Arte que significava solidez, sobriedade, poder, estabilidade, consistência, elegância (assim como em qualquer lugar do mundo a arquitetura das instituições é "(neo)clássica”). Clássico no sentido amplo é algo eterno e imortal. O Neoclássico vem junto com  a grandeza e a solidez almejadas por Napoleão. Com as descobertas de Pompéia e Herculano descobre-se o cotidiano dos romanos. Imediatamente vira moda: as mulheres francesas vestiam modelos encontrados em Pompéia. Os móveis entravam para o design com o nome de “estilo império”.

O Juramento dos Horácios-Jacques-Louis David, 1784. 

O neoclássico é o estilo mais perto da arte acadêmica. É o estertor da nobreza pois a Revolução francesa já está no horizonte (Goethe será o último neoclássico e o 1o. romântico, na literatura). O Neoclassicismo ou Academiscismo se baseia em cânones objetivos. O certo e o errado, o feio e o bonito são conceitos pré-determinados. Ele segue regras a priori, imitando sempre o modelo usado pelos mestres do passado. A Revolução francesa dá grande impulso à pintura neoclássica "os revolucionários gostavam de se considerar gregos e romanos renascidos" diz Argan. O clássico é erudito (conhece as teorias) o homem universal. Não existe o “eu” do artista. Ele retrata um mundo de tipos, sem emoções. Um mundo absoluto.


Perseu com a cabeça da Medusa-Canova,1800 

A França é o berço da volta dos valores renascentistas (gregos em última análise). Está consolidada, é supremacia de civilização, língua, artes. Napoleão restaura a Academia e esta vai estabelecer as diretrizes para as escolas de Belas Artes. A formação do pintor já não se dá junto a um mestre, mas na Academia. Napoleão nomeia Jacques Louis-David como pintor oficial. E ele responde com prazer às ideias revolucionárias. Vai se tornar parte da máquina imperial fazendo aquilo que o Estado necessita.Torna-se propagandista de Napoleão. Com “O Rapto das Sabinas” ele, através de um tema grego, pode ser lido como a queda da Bastilha. Ele expõe fatos sem “comentar”. É um testemunho do mundo. Sua filosofia não é cristã, nem pagã, é ateia. A religião daqui para a frente, não preside mais a Arte.

Arco do Triunfo, Paris

 Principais nomes do movimento:Goethe, Voltaire, Rousseau, Haydn, Mozart, Beethoven, Canova, Ingres e, claro, Jacques-Louis David. Este movimento terá eco no Brasil lá por 1815 e se estende até o início do século XX.
Angela Weingärtner Becker